Por Leonardo Augusto e Pedro Grossi

Casas, ruas e praça agora são lama. O rio que passa também é. Tudo virou lama há dez anos, em 5 de novembro de 2015, desde o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, região Central de Minas Gerais, até Linhares, no litoral norte do Espírito Santo. 

Foi há dez anos, mas parece que foi ontem. A tragédia ainda está presente na vida dos atingidos, os estragos não foram totalmente reparados, vidas nunca mais voltaram ao normal. Em paralelo à dor física e social, ainda paira a sensação de injustiça, pois ninguém – das mineradoras ou do poder público responsável pela fiscalização – foi responsabilizado criminalmente.

Ao longo de aproximadamente 700 km, misturada às águas do Rio Doce, a lama correu matando gente e animais, poluindo cursos d’água e arrasando vegetação, num rastro de destruição à época sem precedentes no país.
O bucólico Bento Rodrigues, com cerca de 600 moradores e a 35 km de sua sede, foi atingido pela lama por volta das 16h de uma quinta-feira. “Lama” aqui é, na verdade, uma forma de se referir ao rejeito da mineração de ferro, uma das principais atividades econômicas do estado.

A lama desceu de uma barragem da mineradora Samarco – empresa criada por duas gigantes do setor, a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton – que havia estourado. A distância entre o reservatório e o distrito era de 6 km. Ao longo desse percurso, 19 pessoas foram mortas, todas moradoras ou funcionários de empresas terceirizadas da Samarco.

A maior parte dos habitantes de Bento Rodrigues se salvou, mas não por qualquer iniciativa de prevenção por parte das empresas – o acionamento de sirenes, por exemplo. Moradores que ficaram sabendo do rompimento da barragem por meio de funcionários da Samarco começaram a percorrer o distrito avisando que a represa havia se rompido. Quem pôde fugiu para a parte alta do distrito.

Lama deixou rastro de destruição em Bento Rodrigues. Foto: Uarlen Valerio / O Tempo – 2015/12/02

O volume de lama que vazou da barragem é difícil de conceber até mesmo quando se tenta fazer uma analogia. Foram cerca de 39 milhões de metros cúbicos, quantidade suficiente para encher 15,6 mil piscinas olímpicas. Seis dias depois da tragédia, a Defesa Civil anunciou a impossibilidade de retorno dos moradores a Bento Rodrigues.

Naquele momento, segundo dados da corporação, havia entre 4 e 5 m de lama compacta, ou seja, solidificada, no distrito. Bento Rodrigues, nascido no século XVIII por causa da mineração do ouro, que tinha Ouro Preto, a 13 km de Mariana, como principal centro, havia morrido. Também por causa da mineração.

No mesmo dia 5 de novembro, descendo pelo vale, a lama da Samarco atingiu o Rio Doce, exatamente em seu início, na confluência de outros dois rios, Carmo e Piranga, que também foram poluídos pelos rejeitos. A lama começou, então, a correr juntamente no leito do Rio Doce em direção ao mar, passando por 49 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo e afetando cerca de 2 milhões de pessoas, principalmente com o corte do fornecimento de água e impactos na pesca.

Os rejeitos chegaram ao litoral do estado, no distrito de Regência, em Linhares, onde o Rio Doce desemboca no mar, em 22 de novembro – 17 dias depois do rompimento da barragem. Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis (Ibama) em 26 de novembro apontou que a lama já havia matado, naquele momento, 11 toneladas de peixes, sendo 8 toneladas no trecho mineiro e 3 no lado capixaba.

O TEMPO publica série de reportagens a partir desta segunda-feira (27/10)

De hoje a 5 de novembro, O TEMPO publica uma série de reportagens sobre a tragédia de Mariana, um dos maiores desastres ambientais do mundo. O processo envolveu as editorias de Cidades, Economia, Política, Infografia e Fotografia, além do setor de apoio logístico. Mais de 20 jornalistas se envolveram na produção, na redação e nas ruas. 

Por nove dias, a reportagem percorreu cerca de 2.700 km, visitando 12 cidades, sendo nove em Minas Gerais e três no Espírito Santo. Foram entrevistadas vítimas da tragédia, autoridades e representantes das empresas responsáveis pela barragem de Fundão, que se rompeu no dia 5 de novembro de 2015. 

Mar de lama devastou tudo o que estava pela frente, inclusive uma escola. Foto:  Fernanda Carvalho/O Tempo – 23/11/2015

Samarco diz que faz reparações a vítimas e ao meio ambiente

A mineradora Samarco, em nota, afirma que, ao longo dos dez anos pós-tragédia de Mariana, vem adotando medidas de reparação tanto para vítimas como para o meio ambiente. “No que se refere às vítimas fatais, 18 dos 19 núcleos familiares foram indenizados, e a empresa segue buscando a conciliação e conclusão dos casos, sempre com respeito e sensibilidade”, diz a empresa.

Na área ambiental, a mineradora declara ter colocado em andamento um plano para recuperação de rios e áreas devastadas pela lama. “A Samarco investe em pesquisa aplicada e ações de recuperação ambiental que ampliam o conhecimento técnico-científico e contribuem para a conservação da biodiversidade. Em 2024, foram restaurados 211,56 hectares de áreas degradadas, sendo 193,46 hectares em Minas Gerais e 18,1 hectares no Espírito Santo.

Sobre o reinício de suas atividades em 2020, a empresa diz que a volta ocorreu com mudanças na linha de produção. “A empresa retomou suas atividades operacionais de forma gradual, em dezembro de 2020, sem utilização de barragem para disposição de rejeitos”.

Segundo a empresa, 80% do processamento do minério passou a ser feito a seco, o que exclui o uso de barragens como a que se rompeu. Os 20% restantes seguem sendo armazenados, mas em uma cava confinada. As mineradoras Vale e BHP Billiton não responderam aos questionamentos enviados. A reportagem não conseguiu localizar contatos da empresa de consultoria VogBR.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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