“O que se passou”, sublinhava o jornal, “compreende-se, mas não se descreve”. “Uma pobre mãe sentada num colchão tinha no regaço bem chegada ao peito uma filhinha morta e outra igualmente morta encostada a seu corpo. Os seus gritos comoviam e obrigavam a derramar lágrimas pois não podia haver consolação para tão grande dor. Pelas estreitas ruas, à luz das lâmpadas da iluminação, encontravam-se a cada passo pessoas conduzindo aos ombros e nos braços crianças mortas. Eram os pais, mais, irmãos, que ao encontrarem os cadáveres de pessoas queridas os arrebatavam e conduziam a fugir para os seus lugares, para suas casas. Os gritos de dor, os clamores, as lágrimas espalhavam por toda a vila uma atmosfera que nos não deixava falar, que nos sufocava.”

O artigo do jornal O mensageiro relata ainda o cenário na igreja de S. João. “Alinhados, colocados sobre tapetes, viam-se estendidos uns vinte cadáveres, sendo um dum homem forte, que quase ocupava o espaço das duas filas, de duas mulheres e os restantes de meninas que pareciam sorrir, tal a sua serenidade de rostos, inchados, enegrecidos pela asfixia, que as matara. Uma cena obriga-nos a fugir e com os olhos embaciados apenas perguntámos à pobre rapariga de quem era o cadáver que reconhecera e a que se abraçava. ‘É meu irmão! Não me tirem daqui’, soluçava. E tentava reanimar quem já não tinha vida. De repente deixa pousar no tapete o cadáver e corre a abraçar-se a outro cadáver, era o duma irmãzita que ali estava também quase no fim da fila dos mortos.”

O funeral das vítimas foi marcado para as 16 horas do dia 9, acrescenta a publicação, mas a falta de caixões para tão grande número de cadáveres só permitiu que, nesse dia, se fizesse o enterro de 32 vítimas.

A narração dos factos está também patente num artigo de João Matias, publicado no Jornal O Portomosense em 1996, por ocasião dos 60 anos da tragédia. “Entre as crianças que se encaminharam para a escola, sobressaiam as da Cruzada Eucarística, em seus fatinhos brancos e cruz vermelha sobre o peito. Iam com fé, com alegria; riam e cantavam. Os pais, os familiares, associavam-se-lhes, comungavam a sua alegria e a sua fé. Sentiam todos, no coração, que iam viver uma linda festa. Pelas 16 horas, o Revdº. Pe. Dr. Galamba de Oliveira, com o presidente da Câmara, Dr. Afonso Baptista, e outras individualidades presentes, assumiu a presidência”, escrevia o jornalista.

A sala era pequena para tantos que queriam assistir à celebração. “Havia pessoas sentadas nas janelas, havia os muitos que ficaram no átrio e nos corredores. O Dr. Galamba anuncia que vai eleger-se o presidente da Juventude da Ação Católica, começa algumas explicações prévias e ouve-se um estalo de madeira a rasgar, soa um estrondo medonho, em uníssono com um pavoroso grito humano; o pavimento abre-se ao meio, longitudinalmente, onde estão as crianças; bate no pavimento do rés-do-chão; este abre-se, também, dando mais cerca de três metros àquele fatídico funil. Grita-se até poder; levantam-se braços; estendem-se mãos; imploram-se auxílios impossíveis.”

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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