Por Silvestre Gorgulho, especial para o Correio — Em 22 de agosto de 1976, o Brasil amanheceu com a triste e impactante notícia: JK morreu. No dia seguinte, uma segunda-feira, contra tudo e contra todos, o povo brasiliense foi à rua para reverenciar o fundador da cidade e levar o corpo do ex-presidente da Catedral até o Campo da Esperança. Foi o ano que Brasília criou alma. 1976 foi, também, um ano de guerra e muita violência contra os direitos humanos no Brasil e no mundo. No Brasil, além de JK (o maior estadista que este país produziu), morre também o metalúrgico Manuel Fiel Filho nas dependências do DOI-Codi. Oscar Niemeyer lança na Europa o livro Minha Experiência em Brasília. E já prepara o lançamento de outro: A Forma na Arquitetura.



60 mil pessoas acompanharam o cortejo de Juscelino Kubitschek em Brasília
(foto: Arquivo CB/CB/D.A Press)

Os conflitos raciais matam e ferem na África do Sul. Jimmy Carter assume a Presidência dos Estados Unidos com a bandeira dos direitos humanos. Um casamento revoluciona as relações planetárias: a união da informática com a eletrônica. Nos EUA, Bill Gates e Paul Allen popularizam os microcomputadores e a Microsoft ganha o mundo. A TV Globo ganha seu padrão, marca um estilo de excelência graças à dupla Walter Clark e Boni. Éder Jofre encerra uma carreira brilhante com 81 lutas, sendo 77 vitórias, dois empates e duas derrotas. O Concorde faz seu primeiro voo comercial. E Pelé completa 1.250 gols.

Memória

17.jan.1976

Indignação nacional: o metalúrgico Manuel Fiel Filho (49 anos) morre nas dependências do DOI-Codi. Mais tarde, virou o documentário Perdão, Mister Fiel, de Jorge Oliveira. O presidente Geisel exonera o general Ednardo d’Ávila Melo do Comando do 2º Exército.

21.jan.1976

O Concorde, voando a 2.500 km/h e a 17.700 metros de altura, faz seu primeiro voo comercial. Seu primeiro voo de teste foi em 2 de março de 1969. O último voo em 26 de novembro de 2003.

29.jan.1976

É inaugurada a Embaixada da França em Brasília, pelo ministro Jean Sauvagnargues, das Relações Exteriores do governo Valéry Giscard d’Estaing. Por sugestão de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, o projeto foi confiado a Le Corbusier.

6.fev.1976

Brasília inaugura duas obras fundamentais para a mobilidade urbana: a segunda ponte sobre o Lago Paranoá e a ligação da W3 Sul com a W3 Norte. A nova ponte liga a Avenida das Nações ao Lago Sul. Projeto de Oscar Niemeyer, a Ponte tem 400 metros de extensão e dá à paisagem um toque de simplicidade e leveza, pela sua arquitetura em forma de arco ou de uma garça pousando na água. Ligando a W3 Sul e W3 Norte, viadutos e tesourinha interligam as duas avenidas e, também, o Eixo Monumental.

6.fev.1976

JK, o presidente que trouxe a indústria automobilística para o Brasil em 1958, faz questão de, reservadamente, visitar as obras da Fiat, em Betim-MG. O presidente da Fiat, Adolfo Neves Martins da Costa o acompanha. O Relações Públicas da fábrica, Jack Corrêa (23), prepara uma surpresa que deixa JK emocionado: manda emplacar todos os Fiat 147 que estão no pátio com as placas alfanuméricas de prefixo JK.

8.jun.1976

JK deixa registrado no seu diário: “Hoje ‘comemoro’ 12 anos de cassado e vejo o Brasil cada vez pior, sem liberdade, sem esperança e sem felicidade. E arrumaram outra dívida para mim, relativa a um imóvel que adquiri e depois vendi e cujo Imposto de Renda vai me absorver a fabulosa quantia de 900 mil cruzeiros. Será o começo de outra dívida. Outra chateação”.

18.jun.1976

JK recebe, em São Paulo, o Prêmio Intelectual do Ano-1975. JK escreve em seu diário: “No dia anterior almocei na Folha de S. Paulo com Otávio Frias e seu staff. Duas horas de debate cerrado. Queriam saber tudo de minha vida política, inclusive, por que nos dois últimos anos não tive uma atitude mais agressiva. Devia ter-lhe perguntado se ele seria capaz de fazer um artigo me defendendo… Na noite do Prêmio falaram Raimundo Menezes, o Otávio Frias, da Folha, lido o discurso do Menotti del Picchia. O Raimundo Magalhães me entregou a estatueta. Aplausos e autógrafos em profusão”.

27.jun.1976

Pelé completa 1.250 gols. O gol histórico, marcado na partida entre Cosmos 2 a 3 Washington Diplomats, não tem a mesma divulgação do milésimo. Mas o Rei recebe uma grande homenagem em Nova York.

7.ago.1976

Do diário de Juscelino, de próprio punho, na fazendinha de Luziânia-GO: “Hoje é sábado. Crepúsculo no Belvedere. Às 19 horas, mal começava a novela Anjo Mau, minha casa foi invadida por dezenas de pessoas. Repórteres do Jornal do Brasil, Globo, Manchete à procura de notícias. Circulava no Brasil a notícia de minha morte. Todos me telefonavam ansiosos. Telefonei para Luciana, em Brasília. Houve uma amostra do que seria a repercussão de minha morte. Tarde da noite todos se retiraram. A casa ficou triste. Parece que realmente saíra um defunto. Dormi mal”.

22.ago.1976

Morre o ex-presidente Juscelino Kubitschek em um desastre automobilístico, no KM 165 da Rodovia Presidente Dutra, próximo à cidade de Itatiaia-RJ. Acidente ou atentado? Muitas especulações.


O Opala que transportava o ex-presidente Juscelino Kubitschek ficou totalmente destruído após o acidente na Via Dutra

O Opala em que Juscelino estava ficou destruído no acidente na Via Dutra em agosto de 1976
(foto: arquivo/EM/DA Press)

23.ago.1976

O corpo do ex-presidente JK é levado do Rio para o aeroporto de Brasília, de onde segue para a Catedral Metropolitana. No enterro de JK, Brasília vive sua primeira grande manifestação popular.

Cerca de 60 mil pessoas acompanham o cortejo pela W3, até o Cemitério Campo da Esperança, entoando a canção do folclore mineiro Peixe Vivo, imortalizada por Milton Nascimento: “A minh’alma chorou tanto,que de pranto está vazia desde que aqui fiquei, sem a sua companhia / Não há pranto sem saudade, nem amor sem alegria / É por isso que eu reclamo essa tua companhia / Como pode um peixe vivo viver fora da água fria? Como poderei viver sem a tua companhia?”

26.ago.1976

Anunciado pelo presidente da Câmara, deputado Célio Borja, o deputado Tancredo Neves (PSD-MG) faz discurso histórico em homenagem a JK. “A morte do ex-presidente uniu o país pela dor. Houve em cada lar uma prece, em cada alma uma lágrima e em cada coração um voto de pesar e de saudade. É que, em sua magnanimidade, JK nunca partilhou o ódio, mas sempre distribuiu o amor”. Mas nada mais forte do que a mensagem que deixou Carlos Lacerda — o maior opositor ao presidente JK, quando soube de sua morte: “Celebram JK por ter feito Brasília. Mas há que celebrá-lo ainda mais por ter demonstrado aos brasileiros que a democracia é possível.
E, desde que possível, indispensável”.

 

 


By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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