É preciso recuar 39 anos para se encontrar um acidente mais fatídico do que o do Elevador da Glória, na semana passada, no que ao número de mortes diz respeito. Aconteceu a 5 de maio de 1986, quando um comboio rápido avançou sobre um sinal vermelho e colidiu com um suburbano parado – tratou-se de falha humana na área da sinalização, o que levou a reformas nos sistemas de controlo automático de tráfego. Ficou conhecido para a história como desastre ferroviário de Póvoa de Santa Iria e causou 17 mortos e 83 feridos.
Apenas um ano antes tinha-se dado o acidente ferroviário que, até hoje, é considerado o mais grave da história portuguesa, sendo até apelidado de “11 de setembro português”. Ficou conhecido como o desastre de Alcafache.
Era final da tarde do dia 11 de setembro de 1985 quando chocaram frontalmente um comboio Sud-Express com destino a Paris, transportando mais de 400 emigrantes, e um regional que seguia para Coimbra. O embate, seguido de vários incêndios, deu-se entre Mangualde e Nelas, na linha da Beira Alta, e vitimou um número de pessoas que até hoje permanece uma incógnita.
A primeira estimativa, do primeiro relatório apresentado pela CP, apontava para 49 mortos e 64 desaparecidos. Mas o número exato de vítimas nunca foi apurado ao certo devido à carbonização de muitos corpos. Hoje em dia, o número aceite como mais próximo da verdade é 150 mortos.
Este acidente só é comparável com outro, ocorrido 21 anos antes, na linha que liga o Porto à Póvoa de Varzim e a Famalicão.
A 26 de julho de 1964, uma carruagem de cauda desengatou-se da composição e depois descarrilou, colidindo com um pontão. Havia peso a mais, provocado por sobrelotação, mas também se apontou o excesso de velocidade como causa do acidente. Também neste desastre o número de vítimas mortais acabou incerto, sendo hoje calculado entre 91 e 102.
Alcafache tem agora uma capela
Uma capela em homenagem aos emigrantes será inaugurada este domingo em Alcafache. Há vários anos que existe um memorial de homenagem às vítimas e, nos últimos meses, foram feitas obras que deram “mais dignidade” ao local, avançou esta terça-feira à agência Lusa José Augusto Sá, que perdeu o pai e a irmã neste trágico acidente e lidera a comissão que tem organizado as homenagens anuais.
“Será inaugurada uma capelinha, com a imagem da Nossa Senhora dos Emigrantes”, contou Augusto Sá, explicando que se trata de uma imagem inspirada na imagem de Nossa Senhora dos Navegantes, mas que, em vez da proa de um barco, tem uma esfera a simbolizar o globo terrestre.
A capela foi construída na lateral do memorial e permitirá o recolhimento necessário para orações pelas vítimas.
No local, foi também instalada uma placa toponímica com a inscrição “Travessa do 11 de Setembro de 1985 — Tragédia ferroviária” e aplicado o pavimento há muito pedido. “Com muitos sentimentos à mistura, este ano tenho que bater palmas”, afirmou.
Augusto Sá contou que ainda pediu à CP que fosse colocada no local “uma carruagem para simbolizar o que se passou em Alcafache”, mas tal não foi possível atendendo à sua dimensão e aos custos que implicaria.
“A CP idealizou um protótipo de uma carroçaria, na qual assenta a carruagem e que pesa sete toneladas. Tudo aponta que no domingo já lá esteja colocado”, referiu. Futuramente, acrescentou, haverá também, no local, informação que permita perceber a dimensão da tragédia.
Segundo Augusto Sá, estão confirmadas na cerimónia de domingo as presenças do general Ramalho Eanes, que era Presidente da República em 1985, do secretário de Estado das Comunidades, de autarcas e de representantes de corporações de bombeiros e de outras entidades.
No dia 11 de setembro de 1985, Augusto Sá perdeu o pai e a irmã, cujos corpos terão ficado carbonizados e nunca foram encontrados. Muitos corpos nunca foram identificados: esses restos mortais foram colocados numa vala aberta no local onde hoje existe o memorial.
Sem campas onde se deslocar para “falar” com os familiares, todos os anos vive com intensidade a cerimónia de homenagem às vítimas de Alcafache, que vem organizando desde 2002.
Augusto Sá lembrou que o acidente se ficou a dever a erro humano e que o Sud-Express transportava “mais de 400 emigrantes” dos distritos de Viseu, Coimbra, Aveiro, Viana, Braga e Vila Real, que regressavam ao seu país de acolhimento depois de férias em Portugal.