Depois de ter conexão negada novamente pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Solatio Energia terá que lidar agora com mais um desafio envolvendo a implementação de sua usina de hidrogênio renovável no Piauí. Na última quinta-feira (10/07) a empresa foi surpreendida por uma ação movida pelo Ministério Público Federal e que pede a revogação da licença ambiental do empreendimento, que já começou a terraplanagem do canteiro de obras.

A alegação fundamental é de que a captação e despejo de água acontecerão no Rio Parnaíba e que o projeto ocasionará impactos em Unidades de Conservação federais (APA Delta do Parnaíba e RESEX Delta do Parnaíba). O curso do rio que divide Piauí e Maranhão está situado a cerca de dois quilômetros da planta, cuja demanda hídrica projetada é de 3.800 m³ por hora e 91.200 m³ por dia. O volume corresponde a mais de cinco vezes o consumo de toda a cidade de Parnaíba.

O pleito, que tem como réu também o estado do PI, indica que o licenciamento apresenta diversas irregularidades. Entre elas a incompetência da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (Semarh) para o processo; ausência de participação do ICMBio; falta de consulta prévia com as comunidades tradicionais; deficiência de análise dos impactos, além do indeferimento de ligação do empreendimento no Sistema Interligado Nacional (SIN).

No caso, essa solicitação de acesso ao sistema de transmissão foi negada pela Aneel no final de junho sob fundamento de sobrecarga estrutural e “riscos concretos de colapso de tensão em diversas subestações adjacentes” causados pela intensa demanda de energia para seu funcionamento. Para a capacidade máxima prevista de 400 mil toneladas por ano de hidrogênio verde e 2.221.000 toneladas de amônia verde, a unidade demandará 3 GW de energia renovável em sua primeira etapa.

Ação movida no âmbito federal elenca diversas irregularidades no processo de licenciamento, como falta de consulta prévia com comunidades locais (MPF)

A Agência Reguladora acatou então apenas parcialmente a solicitação da geradora, determinando um efeito suspensivo sobre a análise pelo ONS de outros pedidos de acesso até a conclusão do andamento desse processo na esfera administrativa.

Já no pedido encaminhado à Justiça Federal, o MPF alegou que a audiência pública (AP) convocada pela Semarh não respeitou o prazo mínimo legal de oito dias úteis entre a convocação e a realização da sessão. O ICMBio foi convidado por e-mail em 21 de abril, feriado nacional de Tiradentes. Já o próprio Ministério do Meio Ambiente foi comunicado apenas em 24 de abril, poucas horas antes do início da audiência, realizada às 17h do mesmo dia.

Não obstante, o edital de convocação da AP não foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE), o que, conforme o órgão, comprometeu a ampla divulgação e a participação da sociedade civil no processo. Diante da gravidade das possíveis consequências ambientais, o MPF solicitou a suspensão imediata das licenças concedidas e a paralisação das obras executadas pela empresa, sob pena de multa diária de R$ 1 milhão.

Atraso pode trazer riscos ao projeto

Procurada pelo CanalEnergia, a Solatio disse que recebeu a ação do MPF com surpresa e que a equipe ambiental e jurídica já está trabalhando nas próximas semanas para apresentar uma resposta oficial e o cumprimento de todas as exigências determinadas. “Nada foi feito de forma repentina, às pressas, inclusive a nossa engenharia e consultoria ambiental já fez outros processos de hidrogênio verde no mundo inteiro e com o mais alto padrão de exigência”, pontua o diretor de Novos Negócios da companhia, Walacy Almeida.

O executivo reforça que o objetivo da companhia é sempre atender a todas as legislações com o maior rigor possível, desde uso de água ao descarte de rejeitos. E que o documento em resposta vai mostrar exatamente o que foi feito e as correções a serem empreendidas. No entanto, o grande temor de Almeida é que esse desafio, somado ainda ao indeferimento da conexão, pode afetar o cronograma de implantação da usina.

Suprimento de energia solar verticalizada é um dos diferenciais do projeto de hidrogênio na comparação com outras regiões do mundo (Governo do Piauí)

“Infelizmente isso já causou alguns atrasos no projeto. Tínhamos uma expectativa de até a COP ter esse projeto como uma vitrine para o Brasil, mas eu acredito que não será possível”, comenta. Ele afirma que o projeto possivelmente inicie mesmo em 2026, apesar da Solatio trabalhar para manter os prazos originais, de início da produção em janeiro de 2029.

Até porque esse possível atraso, dependendo do grau, pode colocar em risco o diferencial do projeto com a rede elétrica brasileira, com uma disponibilidade aproximada de 95% do ano em operação contra 65% no Norte da África ou Oriente Médio.

“Se o grid do Nordeste ficar todo para o data center é positivo de alguma forma. Mas para o negócio de hidrogênio talvez esse atraso pode até acabar afastando investidores, afugentando interessados, porque aqui nós competimos com o mundo inteiro”, explica o dirigente, ponderando um sentimento de que talvez tirar os projetos de H2 do papel não seja uma prioridade real para o Brasil.

Diferenciais e otimização de custos

Entre outros diferenciais da iniciativa com o resto do mundo, Walacy destaca a cadeia verticalizada para o suprimento de energia renovável a preço máximo em torno de US$ 35/MWh; a dispensa de recursos com sistema de armazenamento via baterias; e as vantagens da Zona de Processamento de Exportação (ZPE), significando uma redução de 25% no Capex e Opex. “Tudo isso nos levou para esse LCOE mais barato do mundo”, afere, referindo-se a Custo Nivelado de Energia de US$/3 kg do hidrogênio.

No vídeo abaixo, o diretor detalha mais sobre a obtenção do parecer de acesso junto ao ONS, que acredita vir ainda nesse mês para 1,5 GW. Já na parte final ele acrescenta outra preocupação com a demora do projeto e que a empresa está trabalhando para obter uma redução de custo de até 75% na aquisição dos eletrolisadores. Um fator relevante, já que esses equipamentos compõe o item financeiro mais elevado em uma planta de H2.

Walacy Almeida confirma que toda a produção da usina está sendo pensada para os mercados externos e que existem conversas adiantadas com vários players, principalmente transporte de hidrogênio na forma de amônia. Há também em andamento a estruturação com fundos de investimento reconhecidos no mercado, tanto para o aporte quanto para a dívida.

Com um cenário desafiador de mercado para novos PPAs no longo prazo, a Solatio está focada em trazer novas cargas para o Brasil, centrando-se nas frentes do H2 e de olho também nos data centers. A empresa já investiu R$ 100 milhões no projeto no Piauí, cujo orçamento total é de R$ 27 bilhões, segundo dados de março desse ano. Resta saber agora como e quando os desafios do presente serão resolvidos.

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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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