A Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, suspendeu temporariamente a Lista Nacional Oficial de Espécies Exóticas Invasoras, que incluía a tilápia, segundo comunicado desta quinta-feira 4. O anúncio original, feito em outubro, gerou preocupação entre produtores diante do risco de novas restrições à criação do peixe mais cultivado do Brasil.
A suspensão abre espaço para novas consultas aos setores da economia “a fim de definir medidas adequadas à formulação de políticas e procedimentos de controle do escape no ambiente natural, compatíveis com a atividade produtiva”, segundo o Ministério do Meio Ambiente.
Suspensão da lista ocorre após críticas de produtores de tilápia e camarão e pedidos de reavaliação técnica – Foto: Sebrae
A pasta informou ainda que as espécies incluídas na lista passam por “um processo técnico, lastreado em informações científicas aprofundadas, e possui caráter preventivo, não implicando no banimento, proibição de uso ou cultivo”. Também afirmou que o “reconhecimento e identificação dessas espécies visam permitir a detecção precoce e resposta rápida em caso de invasões biológicas”.
A tilápia não é nativa do Brasil e tem origem no continente africano, na bacia do rio Nilo. O Ministério do Meio Ambiente aponta que o peixe tem aparecido em rios fora das áreas de produção, o que provoca desequilíbrios ambientais. A presença da espécie em locais onde não é nativa motivou a inclusão na lista preliminar apresentada pela Conabio.
A proposta enfrentou resistência dentro do próprio governo. O Ministério da Pesca e Aquicultura elaborou um parecer pedindo a retirada da tilápia da relação. A diretora do Departamento de Aquicultura em Águas da União, Juliana Lopes da Silva, afirmou que os produtores poderiam enfrentar aumento de custos com licenciamento ambiental, atrasos na abertura de mercados internacionais, insegurança jurídica e demora na liberação de novas licenças.
“Então, existe uma lacuna aí no meio que pode gerar uma insegurança jurídica”, disse. Jairo Gund, diretor executivo da Abipesca, avaliou que a nova lista pode atrasar ainda mais o processo de criação.
O professor Jean Vitule, do Departamento de Engenharia Ambiental da UFPR, citou características da tilápia que justificam sua inclusão: comportamento territorialista, hábito onívoro, potencial para alterar nutrientes em lagos e registros de escapes de áreas de produção. Segundo o pesquisador, a espécie já foi encontrada até em ambiente marinho. “Mesmo que eu faça um tanque 100% seguro, vai acontecer o que aconteceu, por exemplo, no Rio Grande do Sul, na cheia do ano passado. Escaparam milhares de tilápias de cultivos muito bem-feitos”, afirmou.
A Conabio também avaliava incluir outras culturas, como carpa, bagre, goiaba, limão, manga, espinafre, inhame, amora e crustáceos como carangueijo e siri. O Sistema FAEP acompanha o processo. “A possibilidade de incluir a tilápia e outras atividades na lista de espécies invasoras era precipitada.
No caso do pescado, por exemplo, já ocorre o cultivo há mais de 25 anos com autorização do Ibama e em condições controladas”, afirmou o presidente interino da entidade, Ágide Eduardo Meneguette. Ele disse que a medida poderia afetar a economia e o consumo: “A inclusão na lista de espécies invasoras pode ter impactos econômicos e sociais a milhares de produtores paranaenses e elevar o preço aos consumidores”.
Em 2024, o setor da tilápia movimentou R$ 1,8 bilhão e gerou US$ 34,7 milhões em exportações. O Paraná respondeu por 36% da produção nacional, com crescimento de 94% em valor e 68% em volume nos últimos dois anos. A FAEP aponta que o impacto seria ampliado pela presença de outras culturas na lista, como limão, manga, goiaba, espinafre e inhame.
Entenda o caso
O tema ganhou mais repercussão após o debate sobre camarão vannamei, conforme noticiado pelo AGORA RN. O presidente da Associação Norte-Rio-Grandense de Criadores de Camarão (ANCC), Origenes Monte, afirmou que a inclusão da espécie, assim como da tilápia, “basicamente proíbe ou dificulta enormemente o cultivo desse tipo de animal”. Ele considerou que a medida seria prejudicial ao setor: “Seria um desastre econômico para o Brasil”. O RN produz cerca de 35 mil toneladas de camarão por ano e gera aproximadamente 30 mil empregos diretos. Para Monte, a classificação pode elevar custos e aumentar a burocracia no licenciamento ambiental.
O presidente da Faern, José Vieira, disse que a proposta representa “ações contrárias” ao setor produtivo e afirmou que medidas dessa natureza comprometem a produção e a geração de renda. O secretário estadual de Agricultura, Pecuária e Pesca do RN, Guilherme Saldanha, afirmou confiar que o camarão ficará fora da lista e disse que trataria do assunto com o ministro da Pesca, André de Paula, que participaria da Fenacam.
A Associação Brasileira das Indústrias de Pescado (Abipesca) também repudiou a medida, classificando-a como “tecnicamente imprecisa, economicamente desastrosa e juridicamente temerária”. A entidade alertou para riscos de insegurança regulatória, impacto nos investimentos e no preço dos alimentos. Defendeu a retirada imediata da tilápia e do camarão vannamei da lista e a reabertura do debate “com base em evidências técnicas e coordenação com os ministérios da Pesca e da Agricultura”.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), criticou a proposta e afirmou que incluir a tilápia é “um absurdo” e “trabalhar contra o próprio país”. Ele lembrou que o Paraná responde por 70% da produção nacional.
O parlamentar citou outras espécies presentes na minuta, como goiaba, jaca, manga, eucalipto e pinus. Para a FPA, a medida pode inviabilizar a cadeia produtiva, já que a Portaria do Ibama nº 145-N/1998 proíbe a reintrodução de espécies aquáticas classificadas como invasoras. A frente pede suspensão da votação de 8 de dezembro e criação de grupo técnico interministerial para revisão do tema.
O Ministério da Agricultura e Pecuária também manifestou preocupação, apontando falta de base científica e diálogo entre órgãos. O Ministério do Meio Ambiente reiterou que a classificação de uma espécie como exótica invasora “não implica em banimento do uso ou cultivo” e que o Ibama continuará responsável por autorizar a criação da tilápia no país.
