Especialistas avaliam perfil social dos usuários das canetas emagredoras e seus impactos na saúde – Foto: Getty Images via BBC

O consumo de canetas injetáveis para emagrecimento atingiu R$ 47 milhões em Alagoas entre janeiro e outubro de 2025, um avanço de 80,6% em relação ao mesmo período de 2024, como revelado com exclusividade pela Francês News. A demanda crescente já modifica o perfil dos usuários e provoca impactos emocionais e comportamentais que exigem atualizações e estudos constantes para profissionais de saúde.

O endocrinologista alagoano Lucas Mendonça observa predominância feminina entre os pacientes que buscam essas terapias. Ele afirma que “as mulheres são, disparado, o grupo que mais consome essas medicações”. A faixa etária mais frequente está entre 30 e 50 anos e o acesso segue concentrado na classe média e média alta, porque “ainda são medicações muito caras”.

Médico endocrinologista alagoano Lucas Mendonça observa predominância feminina entre os pacientes que buscam essas terapias. Foto: Arquivo Pessoal

Segundo o especialista, cresce também o uso por pessoas sem indicação clínica, o que inclui “pacientes com sobrepeso discreto, sem comorbidades, ou até pessoas com peso normal que querem perder um ou dois quilos para algum evento”. A pressão sobre os estoques é consequência direta desse movimento. Em suas palavras, “semana sim, semana não, alguma dose está em falta em todas as farmácias”.

A psicóloga clínica e especialista em transtornos alimentares Cláudia Abude explicou que o uso contínuo dessas medicações modifica a relação das pessoas com o corpo e com a comida. Ela afirma que as canetas “modulam diretamente os sinais de fome e saciedade”, o que pode levar à “redução importante e, em alguns casos, quase total, da fome”.

No consultório, observa duas tendências: para alguns pacientes, um alívio inicial; para muitos outros, uma dissociação entre sinais internos e comportamento, já que “a pessoa deixa de ouvir o próprio corpo e passa a se orientar pela sensação que a medicação produz”. Isso pode ampliar o risco de reganho de peso após a interrupção e reforça expectativas irreais de corpo “adequado” obtido por correção química.

As pressões estéticas são um motor para esta procura. A psicóloga afirma que “os corpos, sobretudo os femininos, são controlados, vigiados e julgados há décadas”, e que a exposição constante a padrões idealizados gera decisões orientadas mais pela “insatisfação corporal, experiências de estigma e sensação de inadequação social” do que por critérios médicos. Esse cenário, segundo ela, alimenta a crença de que o reparo deve ser rápido e reforça a busca pela medicação como resposta emocional e social.

Psicóloga clínica e especialista em transtornos alimentares, Cláudia Abude explica que o uso contínuo dessas medicações modifica a relação das pessoas com o corpo e com a comida. Foto: Arquivo pessoal

Abude corrobora o que foi dito pelo médico Lucas Medonça, sobre o perfil de quem faz uso, hoje, das canetas emagrecedoras. Segundo ela, o uso é mais prevalente entre mulheres, embora o número de homens esteja aumentando à medida que a pressão estética se intensifica para eles. Em sua prática, observa que o acesso é maior entre pessoas de classe média e alta devido ao alto custo do tratamento. “A circulação dessas medicações por canais informais ampliou o alcance para outros grupos, o que eleva o risco de contato com versões adulteradas ou não regulamentadas. A faixa etária predominante está entre 20 e 45 anos, considerada mais sensível às dinâmicas de imagem corporal por sua forte presença nas redes sociais, embora haja também procura crescente entre pessoas mais velhas”, detalha. 

A expectativa de emagrecimento acelerado também traz riscos emocionais. A profissional relata que muitas pessoas entram em “vigilância constante”, monitoram o peso diariamente e desenvolvem medo de engordar, o que intensifica ansiedade, culpa e comportamentos extremados. Ela alerta que “o corpo muda rápido, mas a mente não acompanha na mesma velocidade”, o que pode gerar estranhamento e insegurança.

A psicóloga também aponta que as canetas podem mascarar ou agravar transtornos alimentares, já que a redução da fome pode esconder episódios de compulsão sem tratar suas causas emocionais. Ela recomenda atenção a sinais de risco como histórico de restrições, compulsão, práticas compensatórias, preocupação intensa com o corpo, medo de interromper o medicamento e idealização da caneta como solução definitiva. Segundo Abude, “transtornos alimentares são transtornos mentais e não são tratados com o uso de canetas emagrecedoras”.

Ambos os especialistas reforçam que o uso responsável dessas terapias depende de acompanhamento clínico contínuo. Abude afirma que um uso psicologicamente saudável exige suporte psicológico e uma equipe multidisciplinar com endocrinologista, nutricionista com abordagem comportamental e psicóloga especializada.

A tendência, segundo Mendonça, é de expansão contínua do consumo, impulsionada pelo grande contingente de pessoas com sobrepeso e pelo apelo das redes sociais. A chegada de novas formulações orais e injetáveis e a queda de patentes de moléculas antigas deve ampliar ainda mais o acesso. Para a psicologia clínica, contudo, a discussão central permanece a mesma: compreender a relação das pessoas com o próprio corpo, suas emoções e expectativas antes de transformar a medicação na primeira opção de cuidado.

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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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