Os municípios de Araçuaí, com 35 mil habitantes, e Itinga, com 15 mil, ambos no Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, vivem a perspectiva de aumento de empregos e de renda, mas também de contaminação do solo e da água. Tanto o desenvolvimento econômico quanto os problemas ambientais estão associados à exploração do lítio, elemento químico estratégico para a produção de baterias e para a transição energética (ver Pesquisa FAPESP nº 285).

Em 2023, o governo de Minas Gerais lançou o programa Vale do Lítio, para promover a exploração do mineral. Até aquele ano, uma empresa privada nacional, a Companhia Brasileira de Lítio (CBL), era a única a operar na região. Depois, a mineradora canadense Sigma Lithium iniciou a produção. A também canadense Lithium Ionic, a norte-americana Atlas Lithium, a australiana Latin Resources e a chinesa BYD adquiriram áreas para pesquisa mineral na região.

No Brasil, o lítio é extraído principalmente do espodumênio, mineral encontrado em rochas chamadas pegmatitos. O problema é que a exploração química e mecânica das rochas e minerais para a retirada do lítio libera nanopartículas minerais com alumínio, elemento químico potencialmente tóxico que compõe o espodumênio.

“Os resíduos descartados contendo alumínio ficam empilhados em montes de rejeitos a céu aberto e, quando chove, são levados pela água superficial e se infiltram no solo”, conta o engenheiro-agrônomo Alexandre Sylvio Costa, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Com seus colegas da universidade, ele percorreu a região e buscou formas de resolver o problema.

O grupo da UFVJM examinou as possibilidades de uso do silicato de alumínio, resíduo gerado após o espodumênio passar por um aquecimento a altas temperaturas, a chamada calcinação, e por uma solução com ácido sulfúrico, formando sulfato de lítio. Em parceria com a CBL, os pesquisadores desenvolveram um silicato de alumínio não reativo, que, por causa de suas propriedades iônicas, atrai partículas dispersas na água, em um processo chamado floculação, ajudando a purificá-la, como detalhado em um estudo publicado em outubro no International Journal of Geoscience, Engineering and Technology.

A mineração do lítio amplia a liberação de elementos químicos e, portanto, os riscos de contaminação ambiental”, reforça o geólogo Edson Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele e o geólogo Cássio Silva, da Companhia de Recursos em Pesquisas Minerais (CRPM), coletaram amostras de solo, vegetais e água nos arredores das cidades de Araçuaí e Itinga em 2008 e 2009 e, em todas, identificaram teores de alumínio acima do recomendado.

Os resultados das amostras próximas à mina apresentaram valores de alumínio similares aos regionais. Em pouco mais da metade (60%) das amostras coletadas, a concentração média era de 30,7 miligramas (mg) de alumínio por quilograma (kg) no solo, quase o dobro dos 17,7 mg por kg de áreas sem exploração de lítio. Na água, a média é de 0,405 mg por litro (L), bem acima dos limites de 0,05 mg/L a 0,2 mg/L de água potável recomendados pelo Ministério da Saúde, como detalhado em um artigo publicado em agosto de 2025 na Journal of Geological Survey.

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESPPegmatito, rocha da qual é extraído o mineral que contém lítioLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Silva estimou que cerca de 50 mil moradores da região estão expostos ao risco de contaminação por alumínio, cujo excesso prejudica o funcionamento dos ossos, músculos e do sistema nervoso central. Preocupado com a situação, ele enviou os resultados para as empresas e órgãos públicos de Minas Gerais. As prefeituras de Araçuaí e Itinga e a Sigma não responderam às reiteradas solicitações de entrevistas de Pesquisa FAPESP.

Outras áreas do Vale do Jequitinhonha também apresentam sinais de impacto social e ambiental. Em novembro de 2024, ao percorrer o Vale do Jequitinhonha, a socióloga brasileira Elaine Santos, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), em Portugal, também deu razão aos protestos dos moradores, expressos em uma reportagem da Agência Brasil, de outubro de 2025. “Nas paredes das casas, vi rachaduras que os moradores diziam ser causadas pelas explosões das mineradoras”, afirma. “Eles relatavam que, o tempo todo, havia poeira e barulhos de máquinas.”

Na província de Yichun, na China, a maior produtora mundial de lítio, além da contaminação da água, a mineração aumentou a concentração de partículas com diâmetro de até 2,5 micrômetros na atmosfera para mais que o dobro dos níveis recomendados naquele país, concluíram pesquisadores do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG). As análises foram detalhadas em um artigo publicado em abril de 2025 na revista EixosTech.

Problemas semelhantes inquietam os habitantes no noroeste da Argentina. Nessa região, o problema é a retirada de grandes quantidades de água, reduzindo o fluxo dos aquíferos subterrâneos que abastecem os moradores, alertaram pesquisadores das universidades nacionais de Salta (UNSa) e de La Plata (UNLP) em um artigo publicado em fevereiro de 2025 na revista Heliyon. De acordo com esse trabalho, uma das minas, na província de Jujuy, consome cerca de 51 metros cúbicos (m³) de água por tonelada de carbonato de lítio. Esse volume corresponde a 30% da água doce do complexo de salinas conhecido como Salar de Olaroz-Cauchari, de onde se extrai o lítio.

O que fazer?
“Simplesmente parar de usar lítio não é uma opção”, antecipa Santos. A partir de 2011, a extração do mineral ganhou importância em todo o mundo ao ser amplamente usado em baterias que duram mais tempo e em fontes renováveis de energia. Para ela, não se deveria criar grandes empreendimentos sem investir em serviços de saúde e agentes de fiscalização: “É preciso desenvolver uma infraestrutura que possa suportar as consequências da mineração”.

Mello, da UFRJ, ressalta a necessidade de mais transparência, audiências públicas, estudos de impacto ambiental e acompanhamento da mineração. “Precisamos mostrar claramente os riscos ao ambiente e aos moradores, que raramente são ouvidos”, diz. “Os estudos geológicos prévios também precisam ser debatidos com as comunidades para que possamos ter uma mineração com o mínimo possível de impactos ambientais.”

As resoluções nº 001/1986 e nº 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) definem a participação popular no licenciamento ambiental de atividades de mineração como princípio fundamental e instrumento jurídico obrigatório. O artigo da EixosTech, porém, observa que a escassez de fiscais e de recursos da Agência Nacional de Mineração (ANM) dificulta a implementação dessas leis.

Em setembro de 2025, o procurador Helder Magno da Silva, do Ministério Público Federal (MPF), recomendou formalmente à ANM a suspensão e revisão de todas as autorizações de pesquisa e extração de lítio no Vale do Jequitinhonha e solicitou “uma consulta prévia, livre, informada e de boa-fé” das populações locais antes de qualquer nova concessão para exploração de lítio.

Artigos científicos
ANDRADE, G. S. et al. Impactos da mineração de lítio: Análise comparativa entre Vale do Jequitinhonha e Yichun. EixosTech. v. 12, n. 2. abr-jun. 2025.
HERON, T. et al. Valuation of lithium mining waste for water treatment: An experimental study and broader implications of residual aluminum silicate (Al2SiO5) as an artificial zeolite. International Journal of Geoscience, Engineering and Technology. v. 12, n. 1. 31 out. 2025.
PAZ, W. F. D. et al. The water footprint of lithium extraction technologies: Insights from environmental impact reports in Argentina’s salt flats. Heliyon. v. 11, n. 4. 28 fev. 2025.
SILVA, C. et al. Exposure of aluminum in the Araçuaí-Itinga Lithium Pegmatite District, Minas Gerais, Brazil: Contaminant and toxicological effects on populations established nearby mining activities. Journal of Geological Survey. v. 8, n. 2. 7 mar. 2025.

Republicar

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *