Empresa negou incidentes, mas acabou por admitir dois acidentes técnicos um 2024 e outro já em maio de 2025, anteriores ao desastre de 3 de setembro. Sindicato revela reunião com elementos da Carris para apurar responsabilidades do acidente do ano passado
Antes da tragédia de 3 de setembro de 2025, que matou 16 pessoas e feriu mais de 20, a Carris já tinha conhecimento de pelo menos dois acidentes técnicos no Elevador da Glória, um em 2024 e outro em maio de 2025. Nenhum deles causou feridos, mas revelou falhas.
A Carris chegou mesmo a negar o acidente do ano passado. Agora, confrontada com o testemunho de Manuel Leal, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos (STRUP), admitiu que os acidentes aconteceram mesmo.
Pedro Bogas, presidente da Carris, afirmou 24 horas após a tragédia de 2025 que “não se recorda de se ter discutido qualquer tema relativamente aos ascensores”, acrescentando que “todas as matérias que são discutidas são imediatamente enviadas à manutenção”. Esta declaração torna-se agora ainda mais relevante, à luz das novas revelações.
O sindicalista Manuel Leal ficou indignado com as declarações do responsável da Carris e relatou o sucedido: “O guarda-freio, ao terminar o percurso ascendente, quando foi para ativar o freio, este não respondeu no imediato. Ativou depois o travão de emergência, que também não fez a paragem imediatamente necessária, e a cabine acabou por embater nos degraus”.
O acidente foi discutido internamente, como confirma o próprio sindicalista: “Basta pedir elementos da reunião da Comissão de Apreciação e Risco para a Descaracterização de Acidentes, que ocorreu no dia 31 de janeiro deste ano, relativamente ao acidente no Elevador da Glória do ano passado”.
Apesar disso, a Carris garantiu ao Exclusivo, a 9 de setembro, que não havia qualquer incidente com os elevadores e ascensor. Agora, confrontada com os factos, admite dois acidentes anteriores à tragédia de 2025. No caso de 2024, atribui a culpa ao guarda-freio, alegando que este não acionou o travão, uma versão que contrasta com os alertas antigos sobre falhas nos travões do elevador, que, segundo fontes internas, “não funcionam há anos”.
A manutenção dos elevadores está dividida entre a Carris e a empresa MAIN, responsável por parte dos trabalhos. A MAIN, criada em 2009 como empresa de construção civil e com o nome de Engedra, só em 2022, dois meses antes do concurso da Carris, alterou o seu objeto social para incluir a manutenção de elevadores. No entanto, já em 2019 tinha ganho um contrato para essa função, o que levanta dúvidas sobre a sua experiência no setor.
Em 2022, a MAIN venceu dois concursos públicos, um da Carris e outro da Sociedade de Transportes Coletivos do Porto (STCP). Em ambos os casos, houve concorrentes que contestaram os “preços anormalmente baixos” apresentados pela empresa, alertando para o risco de degradação da qualidade do serviço.
Confrontado pelo Exclusivo com a ocultação dos acidentes, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, descartou as responsabilidades para Carris.
Este ano, a Carris lançou um novo concurso público para a manutenção dos elevadores, com um preço base de 1,1 milhões de euros, inferior em 600 mil euros, ao valor de 1,7 milhões fixado em 2022. Nenhuma das propostas apresentadas ficou dentro do valor estipulado, e o concurso acabou anulado. A empresa optou então por fazer um ajuste direto à MAIN, válido por seis meses, até novo procedimento ser lançado.
Fontes internas da Carris apontam Joaquim Fraga, da Direção de Manutenção dos Elétricos, e Alberto Francisco, conhecido como “Berto”, como os principais elos de ligação com a MAIN.
Confrontada com eventuais ligações internas, familiares ou pessoais, à MAIN, a Carris respondeu o seguinte: “Os membros do Conselho de Administração da CARRIS, não têm qualquer relação de amizade ou pessoal, com qualquer pessoa da MNTC. Nem foram realizadas quaisquer reuniões profissionais com estas pessoas. Relativamente aos restantes trabalhadores da empresa, não nos é possível responder a essa questão”.
Entretanto, dentro da empresa, o ambiente é de silêncio e medo. “Instalou-se um clima de perseguição aos trabalhadores”, denuncia uma fonte. “A ordem é para que ninguém fale, sobretudo com jornalistas que investigam as causas da tragédia que matou 16 pessoas e feriu mais de 20.”