A colher de pau é um daqueles utensílios queridinhos na cozinha brasileira. Todo mundo tem uma em cozinha – ou conhece alguém que tem e que não troca por nada. Além da praticidade, a colher de pau ocupa um lugar afetivo na memória, já que para muitas pessoas, está associada à comida caseira gostosa, aquela de mãe ou de vó. Inclusive, há quem jure de pé junto que comida preparada com colher de pau é mais gostosa.

Mas, recentemente, o objeto se tornou alvo de controvérsia nas redes, com muitas pessoas contraindicando o uso devido ao risco de contaminação. O alerta faz sentido? Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que, de fato, esse tipo de utensílio está sujeito a um risco maior de contaminação.

— A colher de madeira é mais propícia a microfissuras conforme o uso cotidiano. Estas microfissuras acabam se tornando depósito de acúmulo de água e restos de comida e podem criar o ambiente perfeito para a proliferação das bactérias. Mesmo com a limpeza correta, o acesso a essas microfissuras é impossibilitado por serem “arranhões” milimétricos que a esponja não acessa —, explica o microbiologista clínico Matheus Rodrigues, líder de microbiologia na Rede D’Or. — Outra questão é que também há a possibilidade de criação de biofilme bacteriano nessas microfissuras, o que por si só já dificulta a ação completa do detergente.

De acordo com a nutricionista Priscilla Primi, colunista do GLOBO e mestre pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), o mesmo vale para utensílios de bambu.

— Já vi muita propaganda dizendo que o bambu tem uma substância antimicrobiana, mas a questão não é a substância antimicrobiana, é a ranhura natural do material — afirma.

Os riscos não se limitam à contaminação biológica, uma vez que a própria integridade física das colheres de madeira é um problema. Por exemplo, com o passar do tempo, pequenas lascas de madeira podem se soltar do utensílio, cair na comida e colocar em risco quem a ingere.

No que diz respeito ao uso em estabelecimentos comerciais, A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) esclarece que “a resolução de Boas Práticas de Manipulação de Alimentos não faz referência direta aos utensílios de madeira”. No entanto, o item 4.1.17 do documento determina que “as superfícies dos equipamentos (…) e utensílios utilizados na preparação (…) dos alimentos devem ser lisas, impermeáveis, laváveis e estar isentas de rugosidades, frestas e outras imperfeições que possam comprometer a higienização dos mesmos e serem fontes de contaminação dos alimentos”.

Em São Paulo, uma portaria da Secretaria Municipal de Saúde, expressamente não permite o uso de equipamentos e utensílios de madeira no preparo de alimentos, exceções incluem “preparações reconhecidamente típicas nacionais”. Essa preocupação ocorre porque a manipulação de alimentos em superfícies contaminadas está entre as principais causas de intoxicação alimentar.

Por isso, a chef Bruna Moreira, do Engenho Mocotó, laboratório de criação de novas receitas e pesquisa de ingredientes ligado ao restaurante Mocotó, em São Paulo, explica que, no restaurante, o uso da colher de pau é vedado. Já na sua casa, a história é outra.

— No restaurante, não fazemos por conta da legislação que diz que não pode usar isso em cozinhas profissionais. Mas na minha casa, eu uso. Acho que ela tem muitos benefícios e utilidades. Acho melhor para mexer no fundo de alguma panela, por exemplo, e acho mais confortável que o metal — diz Moreira.

Em relação ao “sabor especial” do alimento preparado com colher de pau, a chef acredita que isso pode estar associado à cultura e à memória afetiva.

— Recentemente, vi um estudo sobre materiais que são mais aconchegantes e a madeira é um deles. São materiais que eles transmitem acolhimento. E acho que para nós brasileiros, [a colher de pau] tem essa coisa do aconchego, da lembrança e isso pode até se transmitir no sabor porque a comida tem memória afetiva, que leva a gente para outros lugares.

De acordo com a Anvisa, os materiais indicados para utensílios destinados ao contado com alimentos podem ser “do tipo metálico, celulósico ou de materiais plásticos e revestimentos poliméricos”. Rodrigues recomenda o uso de utensílios de silicone, que são resistentes e fáceis de higienizar. Outra boa opção é o inox.

No entanto, se você é daquelas pessoas que não abre mão da colher de pau, como a chef Bruna Moreira, é preciso tomar alguns cuidados para reduzir o risco de contaminação, que incluem desde higienização correta até substituição frequente do objeto.

Para a higienização, Primi recomenda lavar com água e sabão para tirar o excesso de sujeira. Em seguida, colocar numa solução de água clorada por 10 a 15 minutos. A medida é de uma colher de sopa de água sanitária que também possa ser utilizada para higienizar alimentos, para cada 5 litros de água. Em seguida, deixar secando ao sol ou em um ambiente bem ventilado.

Nada de só enxugar com o pano de prato e guardar ou deixar em cima da pia molhada. Deixar a colher secar bem antes de guardá-la é um passo fundamental para evitar a proliferação de microrganismos.

Outro cuidado fundamental é a troca periódica. A frequência vai depender do tanto que você usa a colher, mas Moreira recomenda descartar e comprar uma nova assim que a colher começar a ficar com fissuras.

— Isso já é um ponto para bactérias se proliferarem — afirma a chef. — Acho que esses cuidados vão fazer com que a gente consiga continuar usando a colher de pau e preservar um pouco dessa cultura, porque eu acho que o uso da colher de pau é cultural no Brasil e a gente não pode desconsiderar isso.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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