O PL 2.338/2023, que regula a Inteligência Artificial (IA) no Brasil, está prestes a ser votado na Câmara dos Deputados. Seu capítulo mais polêmico versa sobre direitos autorais, prevendo, dentre suas regras, a obrigação dos desenvolvedores de modelos de IA Generativa (IAG): (i) indicarem especificamente as obras protegidas usadas na base de dados para o treinamento do modelo; (ii) gerenciarem o consentimento dos autores no uso das obras; e (iii) remunerarem os autores pelo uso de suas obras.
Essas três imposições acarretariam custos significativos para desenvolvedores de IAG no país, trazendo três problemas graves. Primeiro, reduziriam a qualidade e potencial de desenvolvimento de IAGs. Segundo, criariam barreiras significativas à entrada e ao desenvolvimento de modelos de IA, podendo levar a concentração de mercado, liderado por empresas estrangeiras. Terceiro, fariam com que obras nacionais não sejam utilizadas por líderes estrangeiras, alienando a cultura nacional dessas novas tecnologias em largo uso pelos cidadãos brasileiros.
A primeira consequência negativa é corolário da elevação de custos do uso dos dados para treinamento de IAGs, o que, conforme Relatório sobre a União Europeia, reduz a quantidade disponível de dados de qualidade. [1]
Conforme o modelo de remuneração proposto pelo PL, tais custos seriam incorridos (excetuada a pesquisa científica), mesmo que não haja a exploração do modelo no mercado. Apenas uma fração dos modelos de IAG treinados encontram aplicações e chegam a ser lançados. Recente estudo publicado pelo MIT [2] mostra que, apesar de haver elevado investimento, apenas 40% dos projetos de IAG voltados para o público em geral são concretizados em produtos comercializados e apenas 5% dos projetos voltados para o setor corporativo chegam a ser contratados. É elevada e necessária a experimentação. Ocorre que a oneração já na fase de desenvolvimento inviabiliza essa força motriz para o desenvolvimento de novas metodologias e avanço da tecnologia.
Barreiras
Em relação a barreiras à entrada, para startups as três exigências representam overhead impeditivo: contratar ou treinar compliance officers, advogados, especialistas em direito autoral, implementar sistemas de registros, relatórios de auditoria, processos de retirada, “take-down” e monitoramento para acompanhar obras adicionadas ou que tenham uso desautorizado.
Empresas estrangeiras líderes em serviços digitais, que tem incorporado funcionalidades de IAG em seus produtos, já possuem escala, recursos financeiros, equipes jurídicas, infraestrutura de curadoria de dados e experiência para absorver tais custos. O mesmo não vale para entrantes nacionais, que têm florescido com vigor por aqui. A alternativa competitiva para startups liga-se à agilidade, experimentação ciclos rápidos de desenvolvimento e lançamento de versões-mínimo-viáveis, vantagens que seriam praticamente suprimidas, reduzindo a inovação no Brasil.
Por fim, note-se que empresas líderes estrangeiras podem desenvolver modelos sem contar com obras nacionais, que, mesmo assim, seriam de utilidade para consumidores brasileiros. A elevação de custos proposta certamente levá-las-ia a não usar conteúdo autoral nacional ou a realizar curadoria para selecionar obras de domínio público ou apenas de artistas já consagrados, elitizando a cultura. Seria fantasioso crer que empresas brasileiras seriam capazes de desenvolver modelos competitivos baseados em conteúdo nacional, pelos custos desproporcionalmente mais altos para alcançar qualidade semelhante, o que pode excluir o Brasil desse mercado, a não ser, talvez, em determinados nichos para consumidores corporativos.
Com isso, teríamos a indesejável consequência de ver conteúdo nacional não incorporado nessa nova tecnologia e nova forma de consumir e produzir cultura. Considerando a crescente popularidade de assistentes de IA e sistemas geradores de conteúdo no Brasil, isso pode significar um processo de colonialismo digital [3], em que o acesso à tecnologia implica acesso a conteúdo treinado em dados de outra cultura, com outros valores e raízes históricas.
O modelo de remuneração proposto pelo PL 2.338/23, porém, ameaça a autonomia cultural, tecnológica e até mesmo a soberania digital no país. É importante remunerar autores pelo uso de obras no treinamento de IAG e fomentar a produção artística e literária brasileira, mas não por pagamento de direitos autorais.
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[1] BRUEGEL. The European Union is still caught in an AI copyright bind. Bruxelas: Bruegel, 10 set. 2025. Disponível aqui.
[2] MASSACHUSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY. The GenAI Divide: State of AI in Business 2025. Cambridge, MA: MIT NANDA, July 2025. Disponível aqui
[3] MOLLEMA, Warmhold Jan Thomas. Decolonial AI as Disenclosure. Open Journal of Social Sciences, v. 12, n. 2, p. 574-603, 2024.
