Em artigo em O Globo deste domingo (31), o presidente da CONIB, Claudio Lottenberg, aborda a crise nas relações entre Brasil e Israel e alerta para “uma crescente contaminação da política externa brasileira por uma visão ideológica estreita”. “Ao ignorar aliados estratégicos e transformar política externa em palanque ideológico, o Brasil enfraquece seu papel global e compromete seus interesses econômicos e geopolíticos”. Leia a seguir a íntegra do artigo:
A diplomacia deveria ser, por definição, a arte de construir pontes duradouras entre nações, independentemente de ideologias ou dos governos de turno. Relações internacionais sólidas exigem uma visão de Estado, não apenas de governo. Quando a política externa se torna refém de paixões ideológicas ou agendas momentâneas, todos perdem — principalmente a sociedade, que deixa de colher os frutos de alianças estratégicas e cooperação global.
A história das relações entre Brasil e Israel ilustra bem esse ponto. Trata-se de uma parceria com mais de sete décadas, baseada em laços históricos, culturais, científicos e econômicos. O Brasil foi fundamental na criação do Estado de Israel, em 1947, e desde então os dois países já colaboraram em áreas que vão de agricultura e inovação tecnológica a saúde e defesa. Não se trata de afinidades ideológicas, mas de interesses mútuos que transcendem conjunturas políticas.
Infelizmente, assistimos nos últimos anos à crescente contaminação da política externa brasileira por uma visão ideológica estreita. O alinhamento quase obsessivo à narrativa do “Sul Global” e a adoção de uma cultura sistematicamente contrária aos Estados Unidos e a seus aliados levaram o Brasil a desperdiçar oportunidades e a adotar posturas simbólicas sem efeito prático. Propostas como a substituição do dólar por moedas alternativas nas transações internacionais são exemplos claros de slogans políticos sem benefício s concretos. Nesse contexto, não surpreende que a aprovação do novo embaixador de Israel no Brasil tenha ficado emperrada e, em sintonia, que até agora o Brasil não tenha enviado um novo embaixador a Israel. São exemplos claros de uma postura que se contrapõe ao que o mundo contemporâneo exige: pragmatismo e objetividade. O melhor exemplo ocorreu há apenas duas semanas, quando o presidente dos Estados Unidos encontrou-se com o presidente da Rússia — apesar de todas as profundas e importantes diferenças entre os dois países. Se eles podem dialogar, por que o Brasil não pode fazer o mesmo?
Minha defesa aqui é, antes de tudo, em nome dos interesses do Brasil. Mas, como judeu, não posso deixar de registrar a dor de assistir, num intervalo de apenas dez dias, a meu país se retirar de uma aliança internacional contra o antissemitismo e, logo depois, ampliar ainda mais seu distanciamento do Estado de Israel. Isso não é apenas um gesto diplomático equivocado; é um sinal simbólico perigoso, que ecoa negativamente para as minorias, para as maiorias e para a imagem do Brasil no mundo. Quando a ideologia absorve o conceito de intolerância, abre-se espaço ao enfraquecimento dos valores democráti cos e para a corrosão da nossa tradição de pluralismo e respeito.
A diplomacia exige pragmatismo, respeito histórico e visão de longo prazo. Ao ignorar aliados estratégicos e transformar política externa em palanque ideológico, o Brasil enfraquece seu papel global e compromete seus interesses econômicos e geopolíticos. Relações internacionais não devem ser pautadas por preferências partidárias, mas por compromissos permanentes com a construção de pontes. A aprovação de um embaixador — e a reciprocidade do envio de outro — não deveriam jamais ser moeda de troca ou instrumentos de demonstração ideoló gica. Enquanto não compreendermos isso, continuaremos a perder espaço, relevância e, pior ainda, o respeito daqueles que veem no Brasil uma nação vocacionada para a convivência pacífica entre os povos.