Nem ralo, nem lixo comum. Os medicamentos vencidos ou engavetados sem planos de uso devem voltar para farmácias e unidades de saúde. Pelo menos é o que determina a legislação federal. Essa é só a primeira etapa de um longo processo para evitar a contaminação reversa das pessoas, por meio de rios e terras poluídas, com substâncias que só deveriam promover a saúde humana.

Mesmo sem saber das orientações legais, a aposentada Elza Grubert diz tomar a ação correta. “Já aconteceu, mas sempre tem os lugares para descarte: farmácia, laboratório. É raro vencer ou sobrar remédios em casa, mas, quando acontece, procuro descartar no lugar certo. O meio ambiente está precisando de preservação”, falou, enquanto passeava pelos corredores de uma loja da Redepharma.

Localizada em Tambaú, a unidade em que Elza fazia compras possui dois recipientes sinalizados. Neles, qualquer pessoa pode lançar os remédios velhos e suas embalagens, sejam líquidos ou comprimidos. As exceções são medicamentos com agulhas, seringas ou vidros quebrados.

De acordo com uma farmacêutica presente, o hábito de jogar os remédios pelo vaso sanitário ainda é muito comum na população. Um dos motivos para isso é que o decreto federal sobre a destinação correta tem apenas cinco anos. “Sempre tento orientar os meninos, principalmente do balcão, para informar aos clientes sobre o descarte correto tanto da embalagem quanto dos medicamentos”, disse Dominiquy Kelly de Souza.

Contaminação reversa

A água contaminada por antibióticos, por exemplo, dificilmente será purificada mediante um tratamento sanitário comum. Esse é um cenário extremo, porém, possível em um mundo onde os medicamentos são descartados de qualquer forma. É o que garante a engenheira sanitarista e ambiental Marcela Macêdo.

“No final, podemos estar consumindo uma água tratada, mas com macropoluentes, como antibióticos que não são retirados no processo. A destinação correta é fundamental para que a gente evite isso”, informou a especialista. Segundo ela, apenas métodos de tratamentos muito especializados são capazes de eliminar antibióticos da água para consumo humano.

O desenvolvimento de superbactérias resistentes a antibióticos é uma das piores consequências do uso involuntário desse tipo de medicação. Além disso, há a possibilidade de contaminação e sobrecarga de órgãos processadores das substâncias absorvidas pelo corpo humano, como fígado e rins.

Quando descartado incorretamente, esse tipo de lixo pode percorrer inúmeros caminhos, ou seja, o retorno maléfico dessas substâncias para o cotidiano humano pode se manifestar de formas variadas. No caso de medicamentos lançados em ralos de pias ou vasos sanitários — o método mais comum de descarte —, a rede de esgoto, o sistema de tratamento, os rios e, finalmente, o oceano podem ser pontos do percurso ou o destino final do princípio ativo contaminador.

“Se um peixe ingerir um medicamento, que não foi produzido para ele, e a gente consumi-lo, essa substância pode chegar ao nosso organismo. A longo prazo, pode provocar efeitos colaterais, além do prejuízo que pode causar ao próprio peixe”, explica a farmacêutica Dominiquy Souza. Nas casas onde os dejetos são direcionados para “fossas negras”, o descarte incorreto pode prejudicar o solo e os lençóis freáticos. 

Colecionadores

As farmácias das unidades de saúde também devem ter pontos de coleta desse tipo de lixo. Na Unidade de Saúde da Família (USF) São José, em Manaíra, um banner da campanha Descarta João Pessoa sinaliza o recipiente de destinação dos medicamentos.

Com décadas de profissão, o farmacêutico da unidade César Castro observou que muita gente tem o mau hábito de colecionar remédios para uma eventual necessidade futura. Mas a precaução tem limite — nesse caso, ela esbarra na data de validade dos remédios. 

Farmácias e unidades de saúde devem ter, obrigatoriamente, pontos de coletas para as medicações

“Às vezes, a pessoa vai fazendo um armazenamento. Aí, vence e chega aqui perguntando o que fazer. Não é que o remédio vira um veneno se for usado depois do vencimento, ele vai perdendo as forças com o passar do tempo, até que um dia ele não tem mais efeito nenhum. Mas também, de um dia para o outro, ele não perde a sua força”, tranquilizou Castro.

Mesmo assim, ele não recomenda a ingestão de medicamentos vencidos em situação alguma. Na farmácia da USF São José, os remédios são retirados da prateleira alguns dias antes do vencimento, segundo ele. Em casa, vale ter atenção especial para fármacos com prazo de validade reduzido depois de abertos. 

Incineração é o último destino para os remédios recolhidos

Os recipientes de lixo de medicamentos velhos nas farmácias e unidades de saúde são apenas a parte visível de uma cadeia mais longa de logística reversa. Definido pelo Decreto Federal nº 10.388, o conjunto de procedimentos e ações que visa fazer a destinação final ambientalmente correta desse tipo de produto está em vigor desde 2020.

Depois de acumulado, o lixo de medicamentos domésticos segue para bombonas, uma espécie de balde gigante com tampa, e permanece à espera do recolhimento periódico. Esse tipo de lixo não pode se misturar com lixo hospitalar.

O incinerador, localizado em Souza, funciona em uma temperatura superior a 900ºC | Foto: Divulgaçaõ/Biotrash

A norma federal considera a incineração como “padrão ouro” de tratamento final desse resíduo. Instalada no Distrito Industrial de Souza, a empresa Biotrash atua com essa técnica e atende a mais de mil clientes, públicos e privados, nos estados da Paraíba, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. 

“Temos um incinerador de câmara dupla. Lá, tudo é incinerado em temperatura acima de 900 ºC. A maioria desses medicamentos vira cinzas. O que não vira cinza é o vidro. Mas todo esse material que sobra é guardado e encaminhado para um aterro sanitário”, explicou Marcela Macêdo, engenheira sanitarista e ambiental que trabalha para a empresa.

O decreto federal também lista o coprocessador e o aterro sanitário classe 1 (para perigosos contaminantes e outros) como forma de destinação segura, mas menos efetiva que a incineração. No coprocessamento, os medicamentos domiciliares são levados para fornos de cimenteira junto com matérias-primas e resíduos industriais para serem transformados em cimento.

Revisão legal

Embora as regras atuais para destinação de remédios antigos sejam de 2020, o próprio decreto prevê a sua revisão no prazo de cinco anos. Além disso, há a determinação de produção de relatórios anuais de desempenho, elaborados pelo setor e encaminhados ao Governo Federal por meio do Sistema Nacional de Informações sobre Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir).

A nossa equipe de reportagem entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) para saber sobre o processo de revisão e obter dados estaduais ou locais dos relatórios — uma vez que a área de acesso público do Sinir na internet está desatualizada; no entanto, não obtivemos resposta até a conclusão deste conteúdo.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de dezembro de 2025.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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