Na ressaca do desastre climático de maio de 2024, o maior registrado na história do Estado, o Rio Grande do Sul viu gargalos logísticos se tornarem mais evidentes. Ficou clara a urgência de colocar no centro do debate sobre infraestrutura temas como anéis viários, qualidade das rodovias, alternativas para o transporte aéreo e a situação das ferrovias, já preocupante antes das enchentes.
Essas foram algumas das questões apontadas e analisadas por especialistas em evento realizado nesta terça-feira (16), em Porto Alegre, sobre a infraestrutura de transportes da região Sul, parte da série de debates “Logística no Brasil”, promovida pelo Valor, com oferecimento de Infra S.A. e Ministério dos Transportes.
Com a economia baseada em sua maior parte no agronegócio, e uma posição geográfica que o coloca afastado do centro de consumo, o Estado vê sua indústria e a produção ainda mais dependentes de condições de transporte. Um estudo feito pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em 2024, aponta que 81% das empresas do Sul sinalizaram a precariedade da malha de transporte como principal gargalo de infraestrutura local, levando a acidentes e impactos no meio ambiente e na competitividade da região.
‘‘O nosso custo logístico, obviamente, não é tão competitivo quanto as outras atividades econômicas que estão mais próximas dos grandes centros do país’’, afirma Paulo Ziegler, diretor da Federação das Empresas de Logística e de Transporte de Cargas no Estado do Rio Grande do Sul (Fetransul). Questões que o desastre climático ressaltou, segundo ele, com a interrupção de acessos. ‘‘Precisamos ter vias alternativas, conceitos de anéis rodoviários, que o RS ainda não adota’’, avalia.
O nosso custo logístico, obviamente, não é tão competitivo”
— Paulo Ziegler
Para Luiz Afonso dos Santos Senna, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a entrada da emergência climática na equação mostra que planejamento e gestão têm de estar no cerne da discussão de reconstrução e obras no Estado. Segundo ele, apenas 10% da malha rodoviária gaúcha é pavimentada atualmente, abaixo da média nacional, de 12%.
Senna considera que a discussão da logística precisa ser colocada em um contexto amplo. Assim como Cássio Gonçalves, diretor de infraestrutura e manutenção da Fraport Brasil, que administra o aeroporto Salgado Filho, fortemente atingido pelas enchentes. ‘‘Não é só desenvolver uma infraestrutura, mas desenvolver uma infraestrutura que tenha resiliência”, diz. “A gente tem que pensar também nos modelos de negócios, de concessões para promover essa organização de maneira que, em situações como a que passamos o ano passado, tenhamos condições e agilidade para reagir adequadamente.’’
Enquanto obras de recuperação de grandes estradas andaram, as ferrovias seguem como uma preocupação pendente.
Diretora de obras e projetos da Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário, criada pelo governo atual dentro do Ministério dos Transportes com foco no setor, Maryane da Silva Figueiredo Araujo, diz que no caso da região Sul, foi aberto um grupo de trabalho para analisar estudos com diversos atores, incluindo municípios e ONGs. Com o levantamento em fase de conclusão, ela antecipa que um dos pontos pensados é racionalizar a malha, dividindo-a em trechos que sejam atrativos para o mercado.
Jorge Bastos, presidente da Infra S.A., que tem trabalhado junto ao governo gaúcho para elaboração de um novo Plano Estadual de Logística de Transportes (Pelt), lembra que as ferrovias atuais, tanto no RS quanto em outras parte do país, foram pensadas há dois séculos, quando os trens competiam com carroças e não com os caminhões e as rodovias de hoje.
Para Ricardo Portella, vice-presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), a malha gaúcha tem utilidade emergencial, mas muita dificuldade de competir com caminhões. Na avaliação do cenário geral do RS, que conta com estruturas de todos os modais, ainda que com problemas, ele salienta: ‘‘O desafio agora é transformar essa malha em algo melhor do que tínhamos antes. Para isso precisamos de recursos, investimentos’’.