VÁRIAS AUTORAS (nomes ao final do texto)

Nesta semana completam-se dois anos do desastre de São Sebastião, município do litoral norte de São Paulo. Chuvas extremas entre os dias 18 e 19 de fevereiro de 2023 causaram inundações e deslizamentos em diversas áreas, resultando em 65 mortes, 2.251 desalojados e 1.815 desabrigados, crises de abastecimento de mantimentos e muitos outros danos materiais e imateriais.

Segundo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), os temporais alcançaram um volume superior a 600 mm em 24 horas, índice muito superior à média para a região e histórico em termos nacionais.

A combinação das chuvas intensas com a segregação do espaço urbano na região —cuja distribuição demográfica caracteriza-se pela ocupação de casas de veraneio e hotéis de luxo próximos à praia, e de residências vulneráveis nas encostas de alto risco— culminou em um desastre de proporções históricas e impactos sociais graves e desiguais, que foram e são vividos pela população até hoje.

Pesquisa coletiva da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (iCS), tem se voltado a analisar o caso de São Sebastião sob a perspectiva da justiça climática, indagando como o poder público e as instituições do sistema de justiça têm lidado com esse desastre e se as comunidades atingidas têm participado da tomada de decisões antes, durante e após as chuvas.

Antes mesmo de fevereiro de 2023, o Ministério Público já havia ingressado com uma série de ações de regularização fundiária de diversas regiões que sofreram com as chuvas, entre elas a Vila Sahy, onde ocorreu o maior número de mortes.

Um dos argumentos para demonstrar a urgência da medida era justamente a prevenção dos riscos à vida e ao patrimônio da população, por se tratar de área sujeita a deslizamentos. A sentença determinou a regularização fundiária, mas ainda deverá atravessar uma longa fase de cumprimento, enquanto quem perdeu entes queridos ou bens materiais segue aguardando uma decisão da justiça sobre a possibilidade de receber indenização.

Nesse processo, a participação da população atingida foi tímida e só recentemente que a comunidade tem sido ouvida nesse tema tão relevante no seu dia a dia. Em outra ação, o governo estadual acionou o Judiciário com o intuito de remover cerca de 852 residências que, de acordo com relatórios técnicos, estavam em áreas de risco após o deslizamento. No entanto, segundo organizações da sociedade civil, não houve a apresentação de um plano detalhado sobre o reassentamento dessas famílias, que nem sequer foram ouvidas. Após a mobilização da comunidade e atuação junto à Defensoria Pública e ao Ministério Público, foram instaurados debates mais efetivos sobre as omissões do poder público na região, que acabou por desistir da ação de remoção.

Também foi somente depois da intervenção da população é que foram instalados alarmes de alta precisão para o litoral norte paulista, sistemas de sirenes de alerta na Vila Sahy e a realização de obras de contenção de altos riscos na região.

Ainda que enfrentando uma série de resistências e limitações, é possível observar que a participação da população permitiu a discussão mais efetiva de alternativas viáveis de reparação dos danos e redução de riscos distintas da remoção, como melhorias na habitação e investimento público para uma região que, como mencionado pelo defensor público Filovalter Moreira em uma das ações judiciais sobre o caso, “abriga população de baixa renda em situação de vulnerabilidade”.

Com intensificação e recorrência de eventos climáticos extremos, olhar para o caso de São Sebastião é também colocar na pauta a urgência de repensar os processos de construção de risco e vulnerabilidades, junto com o significado de uma participação social informada e efetiva nas políticas públicas de prevenção, adaptação, mitigação e reparação de desastres e impactos decorrentes da mudança climática.

Essa participação não apenas influencia a qualidade das decisões tomadas, mas também condiciona a capacidade de a sociedade saber como se antecipar e responder a emergências.

Luciana Gross Cunha

Professora na FGV Direito SP

Lívia Cunha de Menezes

Doutoranda na FGV Direito SP

Priscilla Rocha

Advogada popular e mestranda na FGV Direito SP

Danieli Rocha Chiuzuli

Doutoranda na USP Direito

Luísa Martins de Arruda Câmara

Mestranda na USP Direito

TENDÊNCIAS / DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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