O novo estudo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado nesta semana, revela um cenário preocupante de aumento dos conflitos por terra e água no Brasil.
Com 1.768 ocorrências registradas em 2024, o maior número da última década, os dados expõem que o campo brasileiro permanece marcado pela violência, sobretudo nas regiões de fronteira agrícola da Amazônia Legal.
O Amazonas se mantém entre os cinco estados brasileiros com maior número de conflitos por terra, com 117 casos, atrás apenas de Maranhão, Pará, Bahia e Rondônia.
De acordo com o levantamento, cerca de 80% dos conflitos no campo brasileiro são por terra. Em 2024, 1.680 casos envolveram violações como despejos e ameaças, destruição de casas, roças e pertences, pistolagem, grilagem e invasões.
O total de pessoas atingidas chegou a 904.532, o maior número já registrado em 10 anos de monitoramento da CPT.
No Amazonas, o relatório destaca o acirramento dos conflitos, com recorrentes episódios de desmatamento, incêndios criminosos, pressão sobre territórios indígenas e comunidades tradicionais, além do uso crescente de agrotóxicos, que já afeta populações em diversos municípios.
Contaminação por agrotóxicos explode e incêndios castigam a Amazônia
Um dos pontos mais alarmantes do relatório é o aumento dos casos de contaminação por agrotóxicos. Foram 276 ocorrências em 2024, um salto de 762% em relação ao ano anterior (quando foram 32 casos).
Embora o Maranhão concentre a maioria desses registros, a Amazônia Legal é apontada como área crítica devido ao avanço das fronteiras agrícolas e ao uso indiscriminado de substâncias químicas, que ameaçam saúde e modos de vida de comunidades rurais, ribeirinhas e indígenas.
A região também foi a mais afetada pelos incêndios em 2024. O Mato Grosso, estado vizinho ao sul do Amazonas, respondeu por 25% dos casos do país, mas o uso do fogo como instrumento de expulsão de famílias também é relatado em terras amazonenses, agravando a situação de insegurança.
Desmatamento, grilagem e violência armada impulsionam conflitos
O estudo da CPT detalha que, enquanto houve diminuição nos registros de expulsão, despejo judicial, pistolagem e invasão, outros tipos de violência cresceram: as ameaças de expulsão aumentaram 150% (de 98 para 245 casos), o desmatamento ilegal cresceu 39% (de 150 para 209 casos), e os incêndios, 113% (de 91 para 194 registros).
No Amazonas, práticas como desmatamento ilegal, grilagem de terras públicas e a ação de madeireiros e grandes fazendeiros continuam sendo motores da violência rural.
Segundo a CPT, fazendeiros respondem por 44% dos conflitos por terra no Brasil, liderando também as estatísticas de incêndios (47%) e desmatamento ilegal (38%). Empresários, grileiros e madeireiros completam a lista dos principais agentes causadores.
Populações indígenas, posseiros e quilombolas são os mais atingidos
Os povos indígenas seguem como principais vítimas dos conflitos por terra, respondendo por 29% dos registros nacionais (481 casos).
No Amazonas e demais estados da Amazônia Legal, comunidades indígenas, posseiros e quilombolas enfrentam desde ameaças de despejo e destruição de lavouras até contaminação ambiental e pressões sobre seus territórios tradicionais.
A pesquisa também aponta para o aumento dos conflitos sofridos por posseiros (425 casos) e quilombolas (221), especialmente em regiões como o Maranhão e o Pará, mas também com impactos no interior amazonense.
Conflitos por água crescem e atingem a Amazônia Legal
O relatório mostra que os conflitos pela água voltaram a crescer no Brasil: foram 266 ocorrências em 2024, o terceiro maior número dos últimos cinco anos, com aumento de 16% em relação ao ano anterior.
A Amazônia Legal concentrou 155 desses conflitos, o maior índice histórico, ligados principalmente à contaminação de cursos d’água por agrotóxicos e mercúrio.
No Amazonas, essas disputas envolvem desde a luta contra a poluição de rios, causada por atividades do agronegócio, garimpo e hidrelétricas, até conflitos pelo acesso à água, afetando povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e pequenos agricultores.
Entre os principais causadores de conflitos pela água estão empresários (64 ocorrências), fazendeiros (58), o governo federal (36), mineradoras (34), hidrelétricas (31) e garimpeiros (14). As principais vítimas foram povos indígenas (71 registros), quilombolas (58), ribeirinhos (28), posseiros (27), pescadores e pequenos proprietários.
Fronteira agrícola Amacro mantém alto índice de conflitos
A região conhecida como Amacro, divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia, segue como uma das mais tensas do país.
Houve aumento nos conflitos por terra (de 183 para 185 casos em 2024) e persistem episódios de violência armada, mesmo com redução dos conflitos por água e violência contra a pessoa em relação ao ano anterior.
O relatório também alerta para a atuação de grupos como o “Movimento Invasão Zero”, formado por grandes fazendeiros e proprietários rurais, que intensificaram ações violentas contra famílias acampadas e movimentos sociais.
O grupo tem influência direta na aprovação de propostas de lei que visam criminalizar ocupações e retomadas de terra por comunidades tradicionais.
Apesar de uma pequena redução nas vítimas diretas de violência pessoal na Amazônia Legal (de 1.116 para 727 pessoas), a região permanece como epicentro nacional dos conflitos rurais, seja por terra, água, desmatamento ou incêndios.
O impacto atinge famílias de brigadistas, agricultores, indígenas e defensores ambientais, reforçando a necessidade de políticas públicas urgentes para proteção territorial, regularização fundiária e fiscalização ambiental.
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