Quando o Rio Grande do Sul entrou em colapso fiscal entre 2017-2019, poucas empresas tinham tanta visibilidade do desastre quanto o Agibank. “O Estado quebrou”, recordou Marciano Testa, fundador do banco digital e hoje presidente do Instituto Caldeira,durate sua participação no Zoox Data Revolution, nesta terça-feira, 18, no Hotel Unique, em São Paulo. O diagnóstico não é exagero: atrasos salariais se acumulavam, a polícia militar mal tinha combustível e munição, e a evasão de talentos ameaçava transformar a capital gaúcha numa espécie de fábrica de cérebros operando em marcha reversa.
A crise, fruto de anos de governança errática, gastos rígidos e incapacidade de ajustar o orçamento, criou um ambiente improvável para inovação. Mas, como tantas vezes no Brasil, foi justamente do caos que emergiu uma convergência rara entre empresários, academia e setor público. O objetivo era ambicioso: reverter o declínio econômico e evitar que Porto Alegre se tornasse um cemitério industrial com boas memórias e poucas perspectivas.
O movimento ganhou nome: Pacto Alegre. Com apoio de líderes empresariais, Testa contratou um professor espanhol especializado em ecossistemas de inovação para desenhar um plano de longo prazo. Não se tratava apenas de criar um hub tecnológico, mas de redefinir a narrativa da cidade, posicionando-a como polo capaz de reter talentos, atrair investimento privado e operar com a agilidade que o setor público não conseguia entregar.
Inspirado por visitas ao Vale do Silício e a centros chineses de inovação, Testa organizou uma rodada de investimento que reuniu 40 das maiores empresas gaúchas. O resultado: R$ 10 milhões. Parece modesto diante da audácia do projeto, mas foi suficiente para colocar de pé, em 2019, o Instituto Caldeira, hoje o principal símbolo da reinvenção empresarial de Porto Alegre. O timing, no entanto, foi cruel. Poucos meses depois de assinar a ata de fundação, a pandemia fechou o país e congelou qualquer expectativa de inaugurar um hub físico. O episódio virou teste de estresse para o recém-nascido instituto e, ironicamente, reforçou o ímpeto empreendedor de seus idealizadores.
Quando Marciano Testa e os demais fundadores do Caldeira se reuniram em 2019, a métrica de sucesso era quase utópica: o dia em que alguém, em vez de fugir do Rio Grande do Sul, decidiria migrar para lá,seja para incubar uma startup, estudar ou trabalhar. “Esse será o nosso trigger de sucesso”, dizia Testa. O disparo não tardou. Cinco anos depois, o Instituto Caldeira se tornou uma rara história de sucesso. Hoje reúne cerca de 600 membros que juntos impulsionam um fluxo anual de 300 mil pessoas pelo campus. Hoje, o Caldeira funciona como uma espécie de acelerador econômico informal: pela comunidade que orbita seu campus, já passa o equivalente a mais de 20% do PIB gaúcho. Para um Estado que há poucos anos mal conseguia pagar salários, a cifra tem valor simbólico e político.
Hoje, jovens de diversos Estados e até do exterior se mudam para Porto Alegre impulsionados pelo programa educacional Gerações Caldeira, a vertical de formação de talentos do instituto. O programa, que começou como uma aplicação local para jovens de baixa renda da escola pública, tornou-se um fenômeno nacional. As primeiras seleções atraíam alguns milhares de candidatos. Na mais recente, foram 35 mil inscritos, de todo o país. O interesse explosivo guarda uma explicação: o projeto é patrocinado por Big Techs globais, enntre elas Oracle, Google, e Microsoft, que fornecem trilhas de conhecimento, professores e certificações que o mercado busca, mas que a educação formal brasileira raramente entrega.
A força gravitacional do Caldeira se tornou ainda maior graças à parceria com o South Summit Brazil, que se consolidou como o maior encontro internacional de inovação do país. Os números falam por si: 13% do público é estrangeiro, uma proporção rara em eventos latino-americanos; 150 palestrantes internacionais, número que coloca Porto Alegre na rota global da tecnologia; e apenas 45% do público é gaúcho, o que torna o evento de fato nacional e internacional.
O instituto, organizado como entidade sem fins lucrativos, deve encerrar o ano com receita próxima de R$ 40 milhões, totalmente reinvestidos no próprio ecossistema.
