Deputada federal Célia Xakriabá liderou comitiva que buscou ações junto ao Ministério da Saúde (Rafael Nascimento/MS)

BRASÍLIA (DF) – O impacto da contaminação por agrotóxicos virou uma ameaça real à sobrevivência das comunidades indígenas e levou uma comitiva, liderada pela deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), ao Ministério da Saúde para cobrar por um regulamento normativo para a situação. Desde 2023, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) já registrou 46 casos de danos por uso de agrotóxicos, documentados no “Relatório: Violência contra os povos indígenas do Brasil”, que são catalogados como danos ao patrimônio dos povos originários.

O assunto mobiliza os defensores das causas indígenas e foi tema de uma audiência pública na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários da Câmara dos Deputados, em agosto de 2024. O debate foi proposto pela então presidente do colegiado, Célia Xakriabá, em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Fian Brasil). Na ocasião, foram apresentados pesquisas e relatos sobre a contaminação por agrotóxicos, que têm impactado negativamente comunidades indígenas no Brasil.

O resultado da audiência e a nota técnica 1/2025 da Fian, intitulada “Agrotóxicos e territórios indígenas: subsídios para uma regulamentação protetiva”, foram entregues ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no dia 16 deste mês, para que a pasta tome alguma providência em relação ao problema. O objetivo da nota é estabelecer diretrizes para subsidiar a elaboração de um instrumento normativo sobre o uso desses químicos em terras indígenas. A CENARIUM pediu informações ao Ministério da Saúde sobre o assunto, mas ainda não recebeu retorno.

Comitiva reunida com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no dia 16 de julho (Rafael Nascimento/MS)

“Fica explícita a necessidade de um dispositivo legal para suprir a tutela insuficiente ao direito à saúde dos povos indígenas, que sofrem cotidianamente com a pulverização aérea e terrestre de agrotóxicos no entorno de seus territórios. Esta também impacta negativamente a medicina tradicional e a espiritualidade indígena, posto que espécies vegetais utilizadas para preparos medicinais e rituais já vêm sendo contaminadas e, com a flexibilização do controle estatal sobre agrotóxicos, o quadro poderá gerar ainda mais impactos e vítimas”, afirma a nota técnica da Fian Brasil.

Problemas causados pela contaminação

Conforme a nota da Fian, as doenças respiratórias e dermatológicas, problemas neurológicos, distúrbios hormonais, câncer e mesmo óbitos, estão relacionados à intoxicação por agrotóxicos entre comunidades indígenas. A instituição cita como exemplo concreto um caso ocorrido em março de 2024, no Mato Grosso do Sul, com uma mulher da Aldeia Jaguapiru, que estava gestante de dois meses, passou mal e morreu após pulverização de agrotóxicos pela fazenda vizinha à comunidade, na periferia de Dourados.

O episódio levou o Ministério Público Federal (MPF) a empreender uma ação no entorno de comunidades indígenas do Estado, que apreendeu 750 litros de agrotóxicos vencidos e aplicou mais de R$ 1 milhão em multas, em junho de 2025.

Investigação após morte de grávida resultou na apreensão de 750 litros de agrotóxicos (Reprodução/MPF)

A Fiam também cita o relatório “Território, ambiente e saúde dos povos indígenas”, publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O documento destaca que “o crescimento intensivo do agronegócio, que lança mão da pulverização terrestre e aérea de agrotóxicos, não só implica a restrição espacial das TIs, mas altera a produção tradicional de alimentos e introduz novos hábitos alimentares entre os indígenas”.

“No Estado do Mato Grosso, a Terra Indígena Tirecatinga, onde residem as etnias Nambikwara, Terena e Paresí, participou de pesquisa da Abrasco e da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), com análise de coletas de amostras de água de chuva, poço artesiano, rio, alimento de roça, pesca e caça. Quase a totalidade das amostras de alimentos relacionados a tratamentos espirituais e a alimentação (90%) registraram intoxicação por vários agrotóxicos”, informa a Fian Brasil.

Cimi cataloga como violência

A liderança Guarani Kaiowá Ifigênia Hirto, da Terra Indígena (TI) Panambi Lagoa Rica, localizada no Mato Grosso do Sul, participou do lançamento do relatório do Cimi e deu um depoimento emocionado sobre a situação em que eles vivem, no território em fase de retomada há um ano. “Não tenho mais lágrima para chorar”, afirmou.

Dentre as várias violências que o povo Guarani Kaiowá tem sofrido na retomada, desde o ano passado, Ifigênia relatou que, durante esse processo, em 2024, os fazendeiros teriam despejado substâncias químicas na nascente do rio, o que causou a morte dos animais, da floresta, peixes e toda a forma de vida, além de inviabilizar o uso da água pelos indígenas, que não possuem água encanada. “Os químicos eram muito fortes que até as cobras morreram”, contou. A água era utilizada diariamente pelos indígenas para lavar roupas, tomar banho e até para consumo.

A liderança Guarani Kaiowá Ifigênia Hirto (Adi Spezia/Cimi)

Agora, os indígenas não podem consumir a água com medo de fazer mal, mesmo após um ano do ocorrido. Ifigênia disse que uma equipe foi coletar a água para análises em laboratório, mas até hoje não voltou para dar o resultado.

Conforme o Cimi, os danos ligados à retirada, retenção ou danificação de cursos d’água, rios e nascentes foram registrados em 22 terras indígenas em 2024, mesmo número de territórios que registraram danos por uso de agrotóxicos.

“Distribuídos por quase todo o país, os casos estão ligados à prática ilegal do arrendamento, em reservas indígenas no Rio Grande do Sul, à expansão do agronegócio na região Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), no caso dos Akroá-Gamella do Piauí, e, inclusive, a denúncias do uso dos agrotóxicos como arma química, como no caso da TI Panambi – Lagoa Rica, em Douradina (MS)”, diz o trecho do relatório sobre esse tipo de violência.

No relatório de 2023, o Cimi catalogou 24 casos de danos por agrotóxicos em terras indígenas e 22, ano passado. São situações com indígenas que vivem em territórios, principalmente no Sul e Centro-Oeste do País, mas há relatos no Maranhão, onde a ocupação de terras indígenas para o cultivo de monoculturas como soja e milho, tem se tornado constante.

Recomendações da Fian Brasil para a criação de um instrumento normativo:

  • Implemente a Vigilância em Saúde de Pessoas Expostas a Agrotóxicos a partir das diretrizes de implementação para garantir a continuidade e o aprimoramento dessas ações, além de facilitar a incorporação de novos subsídios que reconheçam as intoxicações como um grave problema de saúde pública.
  • Proíba em todo o território nacional a pulverização aérea de agrotóxicos, diante da violação dos direitos constitucionais à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à alimentação e à nutrição adequadas e à integridade das terras e dos povos indígenas, conforme avaliações científicas sobre o tema e a Resolução 24/22 do CNDH;
  • Declare os territórios indígenas como zonas livres de agrotóxicos, proibindo o uso e a pulverização em suas terras e a uma distância mínima, definida em regulamento. Tal distância deverá considerar a contaminação por deriva e não poderá ser inferior a 10 km do limite das terras indígenas;
  • Estabeleça zonas de amortecimento ao redor dos territórios indígenas, de modo a evitar a contaminação por deriva técnica de agrotóxicos, com a constituição de áreas de proteção ambiental e a destinação de áreas para assentamentos de reforma agrária, com prioridade para a produção agroecológica;
  • Promova condições para a fiscalização adequada das distâncias mínimas estabelecidas em regulamento e normas, bem como da variedade de agrotóxicos
    aplicados;
  • Inclua a previsão de criação de grupo de trabalho interministerial para monitoramento e acompanhamento de denúncias relativas ao descumprimento das normas estabelecidas;
  • Garanta a consulta e o consentimento prévio, livre e informado dos povos indígenas, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todas as decisões que possam afetar seus territórios;
  • Promova incentivos ao uso de práticas agroecológicas e orgânicas, através de instrumentos de políticas públicas existentes (PNGati, Pnapo e PNMA, entre outros), fomentando a produção sustentável, culturalmente adequada e a soberania alimentar nos territórios indígenas.
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Editado por Adrisa De Góes

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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