
Não podia ser diferente. No primeiro fim de semana de outubro foi notícia até internacional a contaminação por metanol de bebidas destiladas no Brasil (gim, uísque e vodca) que deixou um rastro de mortes e feridos graves. Ganhou destaque, em especial, o drink brasileiro mais popular nos quatro cantos do planeta: a caipirinha.
Ainda não temos os números sobre os clientes que, por conta dos casos de contaminação, deixaram de frequentar restaurantes, bares e botecos país afora, especialmente no epicentro da crise, São Paulo e outros cinco estados. O que temos certeza é que a principal conversa nas mesas destes estabelecimentos foi sobre o metanol.
Já foram registradas 195 notificações de contaminação, sendo que 181 ainda estão em análise, com 12 mortes, sendo que em 10 a causa está sendo investigada. Esses dados não são definitivos, eles estão sendo atualizados a todo o momento pelos governos federal, estaduais e municipais. A atualização é acompanhada online pelos noticiários diários.
A questão aqui é a seguinte: independentemente de todas as medidas que as autoridades estão tomando, o principal motivo pelo qual os consumidores estão preocupados é o medo de serem a próxima vítima de um drink contaminado. Vamos conversar sobre o assunto.
Antes quero fazer um alerta aos leitores e aos colegas repórteres. Esta história não se tornou notícia pelo volume de casos de contaminação com metanol. Mas por dois motivos que vou citar. O primeiro é a situação em si. Pessoas foram a restaurantes, bares e botecos tomar um drink e acabaram morrendo ou ficando gravemente feridas. E, segundo, é que em outros tempos, quando não existia a internet, esta história seria uma notícia de pé de página. Nos dias atuais, ganhou dimensões planetárias.
Estamos todos interligados pela internet e as redes sociais se encarregam de fazer uma notícia dar a volta ao mundo várias vezes em questão de segundos. Mais ainda. Também contribuem para espalhar fakes news. Agora vamos obedecer ao manual do bom jornalismo e contextualizar o leitor sobre o assunto que estamos tratando.
O metanol é um solvente industrial e combustível (aeronáutico e automobilístico) que, se for usado para “batizar” uma bebida, a torna uma mistura potencialmente mortal para o ser humano. Os dados técnicos a respeito da substância podem ser encontrados apertando uma tecla no celular. A respeito da falsificação de bebidas no Brasil, os operadores deste mercado ilegal usam várias táticas para batizar o produto.
Comecei na lida de repórter em 1979, fiz muitas matérias investigativas sobre a “indústria da falsificação de bebidas no Brasil”. Falei sobre o assunto no post (05/10) Por que não tocou o alarme nas mortes por bebidas batizadas com metanol? De um modo geral, a imprensa brasileira e as agências internacionais de notícias estão fazendo uma cobertura muito completa do assunto. Feito a contextualização, vamos a nossa conversa.
O que fará o consumidor parar de ter medo de ser a próxima vítima? Em primeiro lugar, a Polícia Federal (PF), as polícias civil e militar e os agentes sanitários encontrarem os responsáveis pela contaminação com metanol e eliminarem o problema. E, em segundo lugar, assegurarem que tomaram providências para que isso não se repita.
Aqui vou contar uma história. A indústria de bebidas não é a única no Brasil a sofrer com o ataque de falsificadores. Já aconteceu com a carne (gado, frango e suíno), em que abatedores clandestinos inundavam os mercados de produtos com sérios problemas sanitários. A rede de ilegais que atuavam no mercado de carnes era muito antiga e organizada. Na área rural, existiam os abigeatários, ladrões de gado, que abasteciam os abatedouros clandestinos que existiam ao redor das cidades. Dali a carne saía para os distribuidores que abasteciam o comércio. Este sistema funcionava em todo o território nacional.
A entrada do Brasil nos mercados internacionais de carnes forçou os governos (federal, estaduais e municipais) a aperfeiçoarem e ampliarem a fiscalização sanitária e a qualidade dos produtos. Nos dias atuais, é possível rastrear a origem da carne do churrasco. Não é por outro motivo que o Brasil é uma potência respeitada nos mercados internacionais de carnes.
Outro setor da indústria da alimentação em que o Brasil apresentava sérios problemas era na produção de leite e de queijos. Alerto que existem muitos dados disponíveis para a imprensa e as autoridades interessadas em saber como resolver problemas com os ilegais infiltrados no setor. Podem ser encontrados, por exemplo, nos documentos da Operação Leite Compensado, do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS).
Aconteceram 13 operações. Trabalhei fazendo matérias em algumas delas. Lembro que, no início, houve um alvoroço no setor, porque a maioria dos consumidores sequer imaginava que alguém estava sacaneado a qualidade do leite das crianças. Basicamente, eram usados produtos químicos para mascarar o leite estragado. Atualmente, é possível rastrear a origem e a qualidade do leite e do queijo.
Este meu relato sobre as indústrias da carne e do leite mostra que é possível as autoridades manterem o controle da qualidade. Existem leis, sistemas de fiscalização e forças policiais que asseguram ao consumidor a integridade do produto que está consumido. Os bares e restaurantes no Brasil somam 1,4 milhão de estabelecimentos, que empregam 4,9 milhões de trabalhadores formais e avulsos.
A indústria de bebidas é a principal fornecedora de mercadorias do setor, que vem sofrendo com a ação dos falsificadores há muito tempo. É opinião de todos os envolvidos, principalmente os consumidores, que os problemas causados pelos falsificadores precisam ser resolvidos. Existem tecnologia e leis que podem solucionar a questão e restabelecer a confiança do consumidor.
Uma coisa que aprendi fazendo jornalismo é que não existem soluções definitivas. Sempre haverá alguém para inventar um método novo para driblar as leis. O segredo é assegurar que essas fraudes não desestabilizem um setor inteiro. A atividade dos falsificadores de bebidas já foi maior. Mas os recentes casos de contaminação dos destilados por metanol mostram que ainda existem núcleos em que eles encontram espaço para atuar.
Para arrematar a nossa conversa. No domingo (5), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a importação de 2,6 mil frascos de fomepizol, um antídoto para intoxicações por metanol. O prazo para entrega está sendo negociado pelo Ministério da Saúde com o fabricante.
Dito isso, lembro que há uma regra básica que todos os jornalistas conhecem: para dificultar a ação dos ilegais nas cadeias de alimentação é necessário um trabalho conjunto dos governos federal, estaduais e municipais. Porque existe uma imensa capilaridade nestes setores. A ação dos três governos facilita chegar aos culpados antes deles agirem.
Uma das razões do sucesso da indústria da carne e do leite é justamente esta união dos governos. Não estou falando aqui de uma união ideal. Mas de uma aliança estratégica para manter as coisas funcionando. Cabe à imprensa apontar os furos no sistema de vigilância que são aproveitados pelos falsários. Pela experiência na lida diária da reportagem, os jornalistas sabem que a maioria desses furos surge da falta de articulação entre os governos. Não foi diferente no caso do metanol.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 75 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.