A manipulação e o transporte de animal morto apresentaram potencial de contaminação

Foto: Davi Alves

Por Ana Alice Coelho, Aline Fiori e Theo Schwan

Uma carcaça de capivara foi retirada da Raia Olímpica da USP, no complexo do Centro de Práticas Esportivas (Cepe), por um aluno do Instituto de Biociências (IB) sem autorização. A história rodou a cidade. O Jornal do Campus descobriu que o caso nasceu e cresceu de uma sequência de erros e omissões – desde o contato com o corpo, no dia 26 de setembro, até o seu descarte.

O animal, já consumido por urubus e insetos, foi transportado em um saco de lixo comum até o estacionamento próximo ao Centro Acadêmico da Biologia (CABio). A carcaça foi preparada para estudo com um canivete. Para proteção, foram usadas luvas de látex, apenas.

Em nota divulgada no dia 03 de outubro, o IB informou investigar dois alunos suspeitos diante dos acontecimentos. Ricardo Rocha, diretor da unidade, afirma que apenas um estudante foi responsabilizado e “instruído sobre os procedimentos corretos que deveria ter tomado”, sem os descrever.

No Instagram, o CABio informou que não estava ciente do ocorrido. A ação repercutiu dentro e fora do campus e levantou discussões acerca dos limites da curiosidade acadêmica. “Mas, acima de tudo, é um problema de saúde pública”, afirma Camila Cason, liderança da entidade estudantil.

Como é que é?

O CABio informa que, apesar de acompanhado por um colega de curso, apenas um aluno liderou a operação. Com suposta anuência dos vigias da Raia, o responsável teria carregado a carcaça até um ponto de ônibus e embarcado em um circular rumo ao IB de forma irregular. É o que afirmam IB e CABio.

A Prefeitura do Campus (PUSP-CB) não confirma. Acerca do deslocamento da carcaça, o órgão afirma que não há comprovação do uso dos circulares como meio de transporte. Não existem registros em vídeo – as câmeras da Raia não estão em operação.

“A ideia deles era ingênua. Queriam transformar a ossada em material didático”

Camila Cason, gestão do CABio

A manipulação da capivara ocorreu nas mesas externas do CABio. A carcaça, então, foi levada para a casa do aluno envolvido. Pedro Meneghin, membro da gestão do Centro Acadêmico, afirma que a PUSP-CB procurou o estudante em seu endereço para o descarte correto da carcaça. Ao JC, a Prefeitura não informou sobre o processo de remoção do animal.

A Viação Gato Preto, operadora das linhas de ônibus da USP, e a SPTrans, gestora do transporte público de São Paulo, também negam o transporte da carcaça. As empresas afirmam que não possuem registro dos fatos e que não existe veículo a ser identificado ou higienizado. A Gato Preto também esclarece que os motoristas são “orientados a não permitir o transporte de animais mortos” ou quaisquer materiais que comprometam a segurança dos passageiros.

Pós-capivara

A responsabilidade de remoção de carcaças de animais mortos na Raia Olímpica é da Prefeitura do Campus. Para isso, ela conta com apoio do Cepe para notificar qualquer ocorrência. Quando questionada, a Prefeitura afirmou não ter sido informada sobre a carcaça. Em nota ao JC, diz que ficou ciente do ocorrido “através da mídia e dos veículos de informação”.

José Carlos Farah, diretor do Cepe, afirma que não tem “nada a acrescentar” sobre a realização do acionamento da PUSP-CB para a coleção da carcaça, em decomposição há dias. O professor se absteve e pediu para que a Prefeitura do Campus fosse contatada.

“Houve um planejamento – eles viram a capivara morta, ali, há dias”, afirma Cason sobre os alunos envolvidos. Segundo a representante do CABio, o aluno responsável pelo manejo do animal morto teria se aproveitado da inação do Cepe. “Tudo que poderia dar errado, deu errado”, resume Meneghin.

[Arte: Luiza Miyadaira/JC]

E agora?

Acerca de medidas que serão adotadas para que o caso não se repita, o diretor do IB cita, apenas, a realização de uma palestra sobre bioética, realizada no dia 9 de outubro. A organização do evento foi feita em conjunto com o corpo estudantil: “Junto dos professores, fizemos uma roda de conversa”, conta Cason.

O encontro contou com a participação de 20 docentes e 60 discentes, de acordo com a assessoria de imprensa do IB. A unidade tem aproximadamente 956 alunos na graduação e 505 na pós-graduação, segundo o portal do instituto.

A organização teve participação do aluno envolvido no caso, cuja identidade permanece anônima. Mas foi o envolvimento dos docentes que chamou atenção: “Nunca vi tantos professores do IB no mesmo lugar”, relata a líder do Centro Acadêmico

Os dirigentes do CABio também informam que, como medida de prevenção a casos similares, um debate sobre bioética será incluído na semana de recepção às turmas de Ciências Biológicas. A reformulação da grade do curso, já prevista pelo IB, sofre pressão para inclusão de disciplina que aborde o assunto.

Riscos

Desde a chegada das capivaras à Raia Olímpica, em 2014, a PUSP-CB monitora a área, em razão do risco biológico. Os roedores apresentam risco de transmissão de febre-maculosa e outras doenças como leptospirose e toxoplasmose.

O termo de cooperação para monitoramento foi firmado diante da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) – entidade com poder para autorizar o manejo de animais, vivos ou mortos. Ao JC, o órgão afirmou não estar ciente do transporte da capivara. Informa, ainda, que a “captura, utilização ou coleta de espécimes sem autorização pode configurar infração ambiental”. A penalização, contudo, pode deixar de ser aplicada se o animal for entregue espontaneamente – como no caso reportado.

O que fazer?

Em resolução, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) identifica em animais mortos alto potencial de contaminação. A entidade destaca que a manipulação do material biológico deve ocorrer em laboratórios controlados, sob normas de biossegurança e higiene. Os resíduos devem ser contidos em embalagens apropriadas e sinalizadas para, então, serem incinerados.

A Prefeitura do Campus informa que, para notificá-la acerca de animais mortos nas áreas comuns do Campus, a comunidade pode encaminhar um e-mail para puspcb.gabinete@usp.br ou ligar para o telefone de contato 3091-4600. Em caso de carcaças encontradas dentro de algum instituto da USP, como o Cepe, a solicitação deve ser feita pela própria unidade.

*Editado por Samuel Amaral

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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