Um dos maiores surfistas de ondas gigantes do planeta, o pernambucano Carlos Burle58 anos, passou por uma das experiências mais perigosas da carreira na quarta-feira, 3, quando quase se afogou ao deslizar sobre uma onda de altura superior a 20 metros. O episódio aconteceu na Praia do Norte, em Nazaré, Portugal, lar das maiores ondas do planeta e onde sua equipe treina há anos. Em conversa com a coluna GENTEo surfista fala sobre o dia do acidente, sua percepção sobre erros e relembra quando salvou a então pupila Maya Gabeira do mesmo mar em 2013, em situação bastante semelhante, e com quem não mantém mais relação.
Como aconteceu o acidente? Já havia pegado duas ondas quando veio a terceira, que senti que era grande. Estava me sentindo bem, o excesso de confiança permitiu que eu carregasse uma câmera GoPro para fazer imagens. Lembro de descer e falar ‘quero ver o tamanho dessa onda, vou lá na base’. Mas quando cheguei, percebi que a velocidade dela era muito rápida. Senti que ela ia me pegar, e como já passei por isso muitas vezes na vida, penso ‘vou tomar a onda na cabeça’. Só que, quando o processo começa, tudo acontece de forma mais lenta por causa da GoPro na mão.
Tem lembranças de quando estava embaixo d’água? Lembro de demorar para acionar o colete com o tubo de CO2, que permite que se flutue para a superfície rapidamente, por conta da GoPro. Quando consegui subir, uma segunda onda já estava sobre mim e me empurrou de volta para baixo da água. Na sequência, vem uma terceira, e eu começo a perder o senso de direção e ter aquela sensação de labirintite. Isso me deixou preocupado. Pensei: ‘estou ficando em uma situação difícil. Tenho que economizar o máximo de energia possível, entrar no modo de sobrevivência para que não perca a consciência’.
Como foi o resgate? Sabia que o Lucas (Chumbo) estava por perto, mas não conseguiu me conectar com ele até depois dessa terceira onda. Quando subi de volta à superfície, ele me deixou para cima do jet-ski e constatou que estou muito fraco, com o corpo mole. Quando ele acelerou, meu corpo o puxou do equilíbrio e o jet-ski virou na água. Até que o Will (Santana) chegou com outro jet-ski e nos levou para a praia.
Como foi o procedimento pós-resgate? Após sair da praia, fui levado de ambulância para fazer os primeiros exames. No hospital, alguém recebeu que não tinha água no transporte, aí fiquei mais tranquilo. Me hidratei bastante, cheguei no Brasil e fiz a tomografia de crânios e pulmões. Deu tudo zerado, e graças a Deus já surfei de novo no sábado.
Algum comentário sobre esse dia? Não existe arrependimento. Existe aprendizado, e foram muitos, não só esse. Estou conversando com o tempo e apurando tudo o que aconteceu para a gente acumular esses dados e poder evoluir. Isso é um privilégio, porque depois de todo acontecimento, tem muito aprendizado. Um deles é esse negócio de se sentir super confiante. Não vou mais fazer isso, entende? Outra questão é em relação aos equipamentos de flutuação. Eles precisam ser melhorados, comprimiu muito o meu peito. Agora sei que é preciso botar flutuação nas pernas, nas nádegas, nas costas, e evitar flutuação aqui (no peito).
Como foi a ocorrência da família? Meu filho estava viajando pela escola, então, quando soube, já estava tudo bem. A minha esposa também é pragmática, não discuta nesses momentos. Embora eu saiba que esse DR vai acontecer (risos). Acho que quem estava lá sofre mais. Minha filha está morando em Portugal, e lembro dela assustada, chorando. Até brinquei: ‘não pode se emocionar, né’. Mas depois de um tempo deu para entender que, mesmo sendo um grande susto, eu estava bem.
Doze anos atrás, você passou por um episódio semelhante em Nazaré, ao resgatar a surfista Maya Gabeira, que era sua aluna. Chegou a lembrar do episódio? Olha como a vida é bonita, cara. Aquela foi a primeira vez que a gente chegou à Nazaré, ainda um lugar novo, uma novidade. Quando Maya passa por aquele processo e faço o salvamento, tudo era novo para a gente. O resgate foi complicado e acabou ficando como aprendizado. E hoje você vê esses meninos, aos quais passei a minha experiência, me levar para surfar e acontece do Lucas me salvar. A vida retribui o que você dá a ela.
Em 2021, Maya deu uma entrevista para você se responsabilizar pelo acidente de 2013. O que você achou da declaração? Super válido. Se ela colocou esse sentimento para fora, é porque era necessário. Não sei exatamente o porquê e não cabe a mim ficar especulando. O mais importante é que ela seja um ser humano e cumpra rigorosamente o ponto de vista dela.
Você ainda tem alguma relação? Não. Ela até estava lá em cima (no dia do acidente). A minha filha falou que conversou com ela, mas não sei se ela estava durante o acidente. Entendi que ela não queria que ficássemos tão próximos, respeitei.
Ficou algum receio ao voltar para o mar? Nasci para fazer isso. Poxa, treine constantemente, sou um cara saudável, como bem, durmo cedo, faço ioga, meditação. Agora mesmo estou indo para o Havaí. Chegaram a me perguntar: ‘Você vai dar um tempo?’. Como você vai dar um tempo no Havaí? Vou chegar lá, ver as ondas e treinar. Considere um privilégio estar com 58 anos e ainda surfar com segurança.