Movimentos sociais do campo, organizações de saúde coletiva e entidades de direitos humanos aproveitaram o Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos, lembrado em 3 de dezembro, para reforçar críticas ao modelo químico que sustenta boa parte da produção agrícola brasileira. As manifestações ganharam força após novos dados revelarem crescimento alarmante nos casos de contaminação. Segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra, foram registrados 276 episódios de intoxicação em 2024, maior número da década e aumento de 762% em relação ao ano anterior. Entre 2013 e 2022, o Sistema Único de Saúde contabilizou mais de 124 mil intoxicações por substâncias químicas utilizadas na agricultura.
Para a integrante da coordenação nacional da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Jakeline Pivato, o avanço dessas contaminações está diretamente ligado ao modelo de expansão do agronegócio. Segundo ela, “o agronegócio brasileiro, comprovadamente a partir de dados, é o principal fator que afeta as contaminações ambientais”, abrangendo impactos que vão além das commodities, envolvendo também “o gás, o desmatamento e o contrabando da nossa biodiversidade”. Pivato afirma que os danos são amplamente reconhecidos pela sociedade, destacando que há aumento de casos de câncer, morte massiva de abelhas e contaminação de ecossistemas inteiros. Para ela, “o agrotóxico é a principal contradição do agronegócio”.
O dia 3 de dezembro marca os 41 anos da tragédia de Bhopal, na Índia, um dos maiores desastres industriais da história. Em 1984, um vazamento de gás tóxico em uma fábrica da Union Carbide expôs cerca de 500 mil pessoas ao isocianato de metila e deixou mais de duas mil mortes imediatas. Desde então, a data tornou-se símbolo internacional da luta contra os riscos associados ao uso de pesticidas.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que reúne movimentos da Via Campesina, entidades de saúde coletiva e organizações da agroecologia, intensificou nos últimos meses articulações com grupos jurídicos e de direitos humanos. O objetivo é enfrentar os impactos dos venenos no país e promover ações de proteção às comunidades atingidas. Segundo Jakeline Pivato, “a gente faz acompanhamento no âmbito das políticas públicas, do legislativo e de todo esse cenário nos estados, nos municípios e em âmbito federal”. Ela afirma que a campanha tem ampliado seu trabalho formativo nos territórios, explicando “o que é agrotóxico e como ele afeta as vidas das pessoas”. A dirigente destaca ainda que a rede tem buscado indenizações para famílias atingidas, mecanismos de proteção para defensores de direitos humanos e construção de projetos de lei mais restritivos.
A Central Única dos Trabalhadores divulgou nota reforçando as dificuldades de conter o uso de venenos no país. Segundo a entidade, há “pressão política, flexibilização de normas e um ambiente regulatório permissivo”, fatores que facilitam o registro de novas substâncias e mantêm isenções fiscais ao setor. A CUT cita ainda o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, construído ao longo de uma década de mobilização social, e afirma que a iniciativa avança lentamente por falta de orçamento e governança adequada.
O Ministério Público do Trabalho também se posicionou, afirmando que o Brasil se tornou o maior mercado consumidor de agrotóxicos do mundo. O órgão alerta que muitos produtos utilizados no território brasileiro são proibidos em diversos países devido aos riscos de câncer, distúrbios hormonais e danos ao sistema reprodutivo. O MPT destaca que trabalhadores do campo estão entre os grupos mais vulneráveis, especialmente quando a aplicação ocorre em condições climáticas inadequadas ou por pulverização aérea, prática que amplia a deriva. Estudos da instituição apontam que o veneno pode viajar até 32 quilômetros além do alvo original. O órgão lembra ainda que a legislação brasileira impõe regras de proteção aos trabalhadores, incluindo a Instrução Normativa Conjunta nº 2/2023, que determina distância mínima de 500 metros entre pulverização aérea e áreas habitadas ou fontes de água.
Foto: Davi Pinheiro
