A Braskem se prepara para inaugurar neste semestre o Terminal Química Puerto México (TQPM), um novo ponto de recebimento de etano por via marítima que promete destravar de vez a produção da joint venture Braskem Idesa e reduzir a dependência da estatal Pemex. O projeto, desenvolvido após impasses no contrato de fornecimento com a petroleira mexicana, marca uma guinada estratégica da empresa no país, onde já domina o mercado de polietileno. Para Frederico Fernandes, editor de polímeros da consultoria Argus, a iniciativa no México reforça a importância da operação no país, considerada a mais relevante da Braskem fora do Brasil. Em paralelo, o especialista também destacou que a Braskem também volta a mirar com força a Argentina, após perder metade do mercado no país em 2023. Em 2024, já retomou a liderança nas exportações de polietileno e pretende fechar o ano com até 180 mil toneladas vendidas, em meio a uma disputa comercial intensa com a Petroken.
Para começar, seria importante um contexto histórico do projeto.
A Braskem decidiu fazer essa joint venture com a Idesa na década passada. As operações começaram por volta de 2016. É uma joint venture 50/50 e foi o maior investimento da Braskem fora do Brasil até então. A produção lá é de polietileno, diferentemente das operações que a empresa desenvolveu alguns anos depois nos Estados Unidos, que são focadas em polipropileno.
No Brasil, a Braskem atende cerca de 60% da demanda do mercado interno. O restante vem, principalmente, dos Estados Unidos. Então, a ideia de montar a Braskem Idesa no México surgiu como uma forma de compensar essa perda de market share no Brasil — a estratégia foi reconquistar mercado no Hemisfério Norte.
Na época, o plano inicial era usar o etano — que por sua vez dá origem ao polietileno — fornecido pela Pemex, a petroleira mexicana, a um custo muito baixo. Esse etano seria transformado em polietileno para atender o mercado mexicano, que, embora não seja tão grande quanto o brasileiro, é bastante considerável. Assim, a companhia foi montada com capacidade superior a um milhão de toneladas de polietileno de alta e baixa densidade e começaram a operar.
Seria importante falar um pouquinho agora sobre a estratégia da empresa com esse novo terminal. Qual é a expectativa da Braskem com esse investimento, especialmente considerando o mercado mexicano?
O terminal, na verdade, não estava previsto inicialmente. Como comentei, a Braskem havia assinado um contrato de fornecimento de etano com a Pemex por volta de 2016. Era um contrato muito, muito favorável para a Braskem. Esse fornecimento seria feito via dutos, e a empresa tinha a confiança de que poderia operar muito próximo da sua capacidade máxima de produção de polietileno. Porém, em 2018, com a troca de governo no México — quando o López Obrador assumiu a presidência — esse cenário mudou.
Esse contrato foi revisto, e perceberam que ele era extremamente vantajoso para a Braskem e pouco para a Pemex. Isso gerou bastante polêmica. A Braskem protestou, alegando que “contrato é contrato”, enquanto a Pemex o classificou como “draconiano”. Decidiram, então, rever os termos. Com isso, o volume de fornecimento caiu de cerca de 60 mil barris por dia para 30 mil barris por dia. A Braskem Idesa acabou entrando numa situação complicada.
Para resolver isso, a empresa desenvolveu rapidamente o projeto do novo terminal. A ideia era garantir o fornecimento de etano comprando diretamente dos Estados Unidos. As obras começaram por volta de 2020, com o objetivo de, assim que ficasse pronto — agora em 2025 —, poder receber etano por via marítima. O trajeto é curto: basta cruzar o Golfo do México até Houston, de onde o etano seria enviado para o terminal da Braskem Idesa.
Com o novo terminal entrando em operação, a Braskem Idesa não vai mais precisar depender do etano da Pemex. Isso traz duas vantagens: primeiro, a Braskem fica protegida contra oscilações e incertezas no fornecimento da Pemex. Segundo, a Pemex poderá redirecionar os 30 mil barris diários que antes eram enviados à Braskem para suas próprias operações.
E quais seriam os impactos desse novo terminal para o mercado, tanto local quanto regional — talvez em toda a América Latina?
Na verdade, a Braskem entrou em uma segunda situação difícil. Porque com toda essa discussão atual sobre tarifas do governo americano, os fluxos de comércio globais estão sendo repensados. Como comentei no início, os Estados Unidos produzem um excedente enorme de polietileno, que é exportado para o mundo todo. A América Latina é uma das grandes consumidoras desse excedente.
Então, estamos vendo um rearranjo no mercado. E onde entra a Braskem Idesa nessa história? Eles estavam prontos para tirar vantagem do etano barato vindo dos Estados Unidos, mas agora esse material pode encarecer, o que também eleva o custo da produção deles no México. Com a escalada dessa guerra comercial, há até a possibilidade de o Trump proibir a exportação de etano para certos países — e México e Canadá são alvos frequentes dele. Então, a Braskem Idesa está numa posição de incerteza.
Mas, considerando o porte da empresa e sua experiência, acredito que ela vai conseguir se adaptar, mesmo com esse novo cenário. Até porque, só nesse terminal, eles investiram 450 milhões de dólares. Não dá pra deixar isso parado.
Outro ponto importante: no segundo semestre do ano passado, a Braskem conseguiu no Brasil uma licença para operar como empresa marítima. Eles já estavam fazendo cabotagem no país. O primeiro navio, encomendado da China, foi entregue no início de fevereiro. E esse navio foi direto para o Golfo do México. Ele vai operar no trajeto entre Estados Unidos e México. Ou seja, percebe-se uma estratégia bem desenhada para garantir a independência dessa operação.
E, apesar de toda essa questão política envolvendo o Trump e as tarifas, quais seriam os efeitos práticos desse novo terminal na saúde financeira da empresa? Que impactos você vê para a Braskem?
A operação no México é muito relevante. Quando você lê os releases de resultado ou os dados operacionais de vendas da Braskem, eles dividem as operações em três regiões: Brasil, México, e um bloco chamado América do Norte e Europa.
No Brasil, onde a Braskem tem praticamente um monopólio em polietileno e polipropileno, ela usa essas operações satélites, como a do México, para compensar os impactos de mercado. A operação da Braskem Idesa atende principalmente o mercado interno. A Pemex, que há uns 10 anos tinha cerca de 30% do mercado de polietileno, hoje tem entre 2% e 3%. Então, a Braskem Idesa domina o mercado mexicano.
Então, respondendo à sua pergunta: sim, a operação mexicana é importante para a Braskem. Mas o cenário futuro ainda é incerto. Em condições normais, eles seguiriam focando no mercado mexicano. Porém, se houver problemas com os EUA, talvez parte do material produzido no México passe a ser exportado.
Isso é uma análise minha, não é algo oficial da empresa. Mas é uma possibilidade. Se os Estados Unidos fecharem as portas, compradores na Europa, Ásia ou mesmo no Brasil vão buscar novos fornecedores. E a Braskem Idesa pode atender parte dessa demanda externa. Mas o foco principal deles continua sendo o mercado mexicano.
Então, para fechar nossa conversa, queria uma leitura sua mais macro. Considerando os movimentos no México, como você enxerga o futuro da Braskem? Pensando também nessa possível venda da empresa, qual é sua visão?
Acho muito improvável que a Braskem seja vendida até o final do governo Lula. E por quê? Primeiro porque ela não pertence mais totalmente à Novonor (antiga Odebrecht). As ações foram dadas como garantia aos bancos credores — Itaú BBA, Santander, BNDES, Banco do Brasil. Ou seja, hoje ela está nas mãos desses bancos. E enquanto esteve nessa situação, a empresa perdeu valor.
Houve também compradores potenciais. A LyondellBasell, uma gigante do setor, e até uma petroquímica árabe-saudita fizeram due diligence, estudaram os dados, os passivos… E decidiram não seguir adiante por causa da enorme liability com o caso de Alagoas. A Braskem já desembolsou R$ 18 bilhões por causa do afundamento do solo em Maceió, mas estima-se que o custo total pode ser o dobro. Isso é uma âncora presa ao pé da empresa.
Outra opção seria fatiar os ativos — vender os negócios de polipropileno na Europa e nos EUA, ou os ativos no Brasil de PE, PP e PVC, que a Unipar tentou comprar no ano passado. Mas essa decisão só faria sentido se a Odebrecht ainda tivesse controle sobre a empresa, o que não é o caso. Hoje quem decide são os bancos — e não vejo muita disposição para isso.
E considerando que o governo Lula tem essa preferência pelos nacionais, como a Dilma também tinha, acredito que a empresa vai seguir em banho-maria.
Há algum aspecto do mercado que o senhor gostaria de acrescentar?
Em relação à Braskem, vale destacar que a empresa vem trabalhando fortemente para recuperar mercado no Brasil, e está com uma estratégia muito interessante na Argentina. A empresa registrou uma perda importante no país. Durante o governo Fernández, especialmente em 2023, a Argentina praticamente fechou as importações para preservar reservas em dólares. Com isso, a Braskem deixou de vender cerca de 750 milhões de dólares — segundo estimativas. Eles vendiam 200 mil toneladas por ano no país, mas esse número caiu para 100 mil – ou seja, perderam metade do mercado.
No entanto, em 2024, eles já voltaram a ser os maiores fornecedores de polietileno para a Argentina, batendo 150 mil toneladas. A previsão é chegar a 175 ou até 180 mil toneladas este ano. A Argentina se tornou um foco muito relevante para a Braskem neste momento. No polipropileno, há uma disputa acirrada entre a Braskem e a Petroken, que é a única produtora local. A Petroken tenta ganhar mercado no Sul do Brasil, e a Braskem busca ampliar participação na Argentina. É uma briga comercial interessante, inclusive do ponto de vista editorial.
Então, apesar do foco constante da Braskem no Brasil, acho que é importante observar o que estão fazendo na Argentina — é uma atuação muito agressiva, no bom sentido.