Belo Horizonte
Belo Horizonte tem ficado mais quente a cada ano que passa. Apenas neste século, a temperatura média anual na cidade aumentou 3°C e chegou a 24,5°C em 2024, segundo dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).
A capital dos mineiros também foi a que mais esquentou no país em 2023, segundo os dados mais recentes disponibilizados pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).
Além do calor extremo ser desconfortável, ele pode levar à morte. É o que conclui um estudo publicado no ano passado que calculou o excesso de óbitos durante ondas de calor em 14 regiões metropolitanas do país.
No período de 2000 a 2018, o artigo identificou 48 mil mortes em excesso atribuídas ao aumento da ocorrência e da intensidade de ondas de calor nessas regiões.
A soma representa mais de 20 vezes o total de mortes relacionadas a deslizamentos de terra no mesmo período. Para uma das autoras do estudo, a professora Renata Libonati, do Departamento de Meteorologia da UFRJ, se trata de um desastre negligenciado.
“Nós vivemos num país tropical e temos a falsa impressão de que estamos acostumados com o calor. Como ele não tem o mesmo impacto visual de deslizamentos, fica difícil a percepção do senso comum relacioná-lo a desastres”, diz a professora.
Libonati afirma que as mortes em decorrência do calor têm como principal causa doenças dos sistemas cardiovascular, respiratório e neoplasia (tumor) e são mais comuns entre pessoas idosas e com comorbidades.
O Brasil, porém, se diferencia de outros países ao concentrar óbitos entre aqueles com menor escolaridade e pessoas pretas e pardas.
Em BH, o calor também atinge a cidade de forma desigual.
Por um lado, o relevo irregular da cidade, com pontos de maior e menor altitude, faz com que as pessoas que vivem em bairros em áreas mais altas sofram menos com o calor.
Mas não é só isso que afeta a diferença entre as temperaturas. O crescimento desordenado da cidade em regiões com áreas menos arborizadas e onde os córregos foram canalizados também influencia no desconforto térmico.
Belo Horizonte começou como uma cidade planejada pelos seus fundadores no final do século 19 em uma área cercada pela atual avenida do Contorno.
Nesse local, viviam as pessoas com maior renda, enquanto os trabalhadores que construíram a capital se instalaram em áreas periféricas, para onde o território cresceu nas décadas seguintes.
O adensamento da cidade foi intensificado a partir da década de 60, quando a demanda por espaço aumentou na cidade, e a ocupação não foi planejada, explica o professor Wellington Lopes Assis, do departamento de geografia da UFMG.
“Quando você retira a vegetação, canaliza os fluxos d’água, a capacidade daquela atmosfera de se resfriar durante essa urbanização diminui drasticamente. Por isso, a temperatura tende a aumentar, e a umidade relativa, cair”, diz Assis.
O professor, que defendeu como tese de doutorado um estudo do clima urbano da capital, coloca a regional de Venda Nova como um dos “núcleos de aquecimento” da cidade, junto da regional Noroeste e da periferia do hipercentro de Belo Horizonte.
Em condições de céu claro e alta incidência de radiação solar, as vilas e favelas, onde mora boa parte da população de menor renda na capital, também apresentam maior desconforto térmico.
Venda Nova aparece no estudo do professor como o local que registrou as maiores temperaturas máximas e amplitudes diárias, principalmente entre a rua Padre Pinto com a avenida Vilarinho, uma área com muitos comércios.
As principais causas do calor no local, segundo o professor, são a falta de canteiros centrais vegetados e parte significativa dos lotes estarem com solo exposto ou impermeabilizado.
Na comparação com áreas mais altas e arborizadas da cidade, como as imediações da Serra do Curral, a diferença de temperatura entre as regiões pode ser de 6°C a 8°C, dependendo das condições atmosféricas.
Outro fator que favorece o resfriamento são os parques municipais, destaca o professor.
A lagoa da Pampulha, que fica próxima às regionais Venda Nova e Norte, mais aquecidas, é o local mais úmido dessa área e se comporta como uma “ilha de frescor” ao transformar o calor sensível (temperatura) em calor latente (evaporação da água).
Papel semelhante cumpre o parque municipal Américo Renné Giannetti, que fica no centro da cidade.
Apesar dos parques, a umidade da capital mineira, que já chegou a ser conhecida como “cidade árvore” há algumas décadas, tem caído com o passar dos anos, como mostra a medição do Inmet.
A capital mineira registrou a maior temperatura neste ano no dia 22 de setembro, quando os termômetros alcançaram 34,9°C, segundo a Defesa Civil. O mês é caracterizado pela umidade reduzida, com pouca ocorrência de chuvas.
Para a professora da UFRJ, a combinação de alta temperatura com baixa umidade gera o que ela chama de eventos compostos, ocorrências extremas que antes aconteciam de forma isolada.
“Um dos grandes impactos de secas e ondas de calor ocorrendo juntos são os incêndios, que em Minas Gerais são um assunto muito importante. Esse cenário traz uma grande poluição do ar, que pode impactar ainda mais a saúde da população”, diz Libonati.
Ela afirma que cabe ao poder público reconhecer o calor como um desastre e montar protocolos de orientação à população e aos agentes de saúde.
Já Assis, da UFMG, afirma que a Prefeitura de BH precisa se encarregar de ações como a criação de novas áreas verdes no município. Além disso, ele afirma que intervenções urbanas que provoquem mais adensamento teriam de ser repensadas e dialogadas com pesquisadores das universidades.
Procurada, a Prefeitura de Belo Horizonte afirmou que lançou em 2022 plano de ação climática para mapear políticas e definir “metas ambiciosas” para o município, além de adaptar o território aos efeitos adversos da mudança do clima.
Disse também que tem como meta o plantio de 50 mil mudas em 2025 e tem dialogado com as vilas e favelas para discutir os efeitos desiguais da crise climática nesses territórios.
ENTENDA A SÉRIE
A série “Desafio Ambiental nas Capitais”, às vésperas da COP30 (conferência das Nações Unidas que será realizada em novembro em Belém), aborda problemas que grandes cidades brasileiras enfrentam no campo da sustentabilidade.