Nas últimas semanas, o Brasil vem passando por um estado de medo e desconfiança coletivos, pois muitas pessoas, nas mais diversas regiões do país, apresentaram sintomas de intoxicação por metanol ao consumirem bebidas alcóolicas em bares, restaurantes e vários outros estabelecimentos comerciais.

Em alguns casos, quem ingeriu a bebida adulterada com metanol acabou sendo acometido de uma cegueira permanente e em outros houve até óbito por intoxicação com a substância, já que ela reage no organismo formando um ácido extremamente tóxico para o corpo humano – o chamado ácido fórmico – que atinge principalmente o sistema nervoso e o nervo óptico.

Até o momento, as investigações levam a crer que a contaminação das bebidas alcóolicas com o metanol com a finalidade de diluir o produto e, consequentemente, barateá-lo teve origem em ações premeditadas e deliberadas, possivelmente contando a atuação de organizações criminosas. Existe, inclusive, uma linha de investigação que apura se essa contaminação de bebidas com metanol não teria ocorrido a partir da atuação da facção criminosa PCC – Primeiro Comando da Capital.

O fato é que, ao menos em tese, as notícias e investigações sugerem uma série de implicações penais e também cíveis-consumeristas para todas as pessoas e empresas supostamente envolvidas no esquema.

Além da provável investigação e persecução criminal pelos crimes organização criminosa – art. 1º, § 1º c/c art. 2º da lei 12.850/13 – e lavagem de dinheiro – art. 1º da lei 9.613/1998 -, as condutas que culminaram nos casos de intoxicação por metanol podem configurar diversos outros tipos penais.

A conduta de adulterar bebidas alcóolicas com o metanol para colocar em circulação no mercado de bebidas alcóolicas ou comercializar a mercadoria contaminada em bares, restaurantes e outros estabelecimentos, ciente dos efeitos nocivos que o produto pode causar no corpo humano e de que o lote ou carregamento está adulterado, pode configurar o crime de lesão corporal – art. 129 do CP – ou, até mesmo, homicídio – art. 121 do CP -, e suas modalidades qualificadas por dolo eventual, caso o sujeito que concorra para a contaminação ou promova a circulação do produto atue aceitando o risco de que os consumidores venham a ser acometidos de cegueira ou ainda vir a óbito.

Além de correr o risco de serem responsabilizados por todas essas infrações penais, aqueles que deram causa a esse verdadeiro problema de saúde pública ao adulterarem bebidas alcóolicas com metanol, mesmo sem fins lucrativos em detrimento da saúde alheia, respondem igualmente pelo crime do art. 272 do CP – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios . Também pode ser acusado pelo crime em sua modalidade equiparada – art. 272, §§1º-A c/c § 1º – quem distribui, comercializa, mantém em depósito ou entrega a bebida adulterada, promovendo a sua inserção ou circulação no comércio e varejo.

Não podemos esquecer que, segundo o art. 272, § 2º do CP, são puníveis as condutas do caput inclusive em sua modalidade culposa, o que certamente amplia o alcance da norma penal incriminadora e do raio de atuação dos órgãos de persecução criminal – isso sem considerar ainda a possibilidade de investigação por crimes contra as relações de consumo, na forma do at. 7º da lei 8.137/1990.

No que diz respeito aos estabelecimentos comerciais, os bares, restaurantes e distribuidoras são responsáveis civil e objetivamente pelos atos praticados pelos seus funcionários, prepostos e representantes, no entanto não são passíveis de responsabilização criminal.

Portanto, o que percebemos é que o caso do metanol é extremamente delicado e complexo, sem dúvidas irá desaguar em várias frentes e linhas de investigação e apuração, desde teses e discussões sobre a responsabilidade de pessoas físicas e jurídicas na esfera cível e consumerista até as mais graves implicações na esfera penal. De antemão, acreditamos que as teses da acusação e defesa vão gravitar em torno dos limites entre o dolo eventual e culpa, coautoria e participação e conflito aparente de normas.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *