Há exatos 20 anos, no fim de agosto de 2005, o furacão Katrina atingiu a Costa do Golfo e a cidade de Nova Orleans, deixando um rastro de destruição sem precedentes na história moderna dos Estados Unidos. Mais de 1.400 pessoas perderam a vida, centenas de milhares de residências foram destruídas ou tornaram-se inabitáveis, e os danos econômicos ultrapassaram os 100 bilhões de dólares.

Há 20 anos, o furacão Katrina devastou Nova Orleans, deixando bairros negros como o Lower Ninth Ward em ruínas e expondo abandono institucional. Moradores ficaram isolados, desabrigados e sem assistência adequada, enquanto áreas mais ricas se recuperaram rapidamente. Muitos sobreviventes relatam ruas destruídas, falta de serviços e promessas políticas não cumpridas durante anos de reconstrução. A tragédia evidenciou como pobreza e discriminação racial ampliam os impactos de desastres. Vinte anos depois, desigualdade, abandono e descaso político ainda marcam a cidade. | BRANDON BELL/GETTY IMAGES/AFP/METSUL

Mas o desastre não foi apenas natural: falhas humanas, desigualdades sociais e políticas públicas insuficientes amplificaram os impactos da tempestade, transformando o evento em uma tragédia de dimensões históricas, assim como ocorreu na enchente de maio de 2024 no Rio Grande do Sul.

Classificado como um furacão de categoria 3 na escala Saffir-Simpson ao tocar terra em 29 de agosto de 2005 e que antes atingira categoria 5 sobre as águas quentes do Golfo, Katrina trouxe ventos sustentados de até 200 km/h, com rajadas chegando a 280 km/h, e uma pressão mínima registrada de 902 hPa em seu pico de intensidade, o que o colocava entre os ciclones tropicais mais poderosos já observados no Golfo do México

A tempestade provocou um aumento significativo do nível do mar, com marés de tempestade atingindo até 6 metros acima do normal em algumas regiões costeiras, amplificando ainda mais os efeitos devastadores das inundações em áreas urbanas densamente povoadas.

Enquanto as águas recuavam, surgiam cenas que chocaram o mundo. Corpos deixados nas ruas, famílias desalojadas, bairros inteiros submersos e o colapso da infraestrutura deixaram claro que Nova Orleans e o governo federal estavam despreparados.

Katrina é frequentemente lembrado como um alerta para o impacto combinado de extremos climáticos e vulnerabilidade urbana. Sua intensidade e rapidez de formação foram facilitadas por águas anormalmente quentes no Golfo do México, que forneceram energia adicional ao sistema ciclônico. Modelos meteorológicos posteriores indicam que a tempestade se intensificou de um furacão de categoria 1 para categoria 5 em apenas 24 horas, antes de enfraquecer ligeiramente ao se aproximar da costa.

As condições meteorológicas que antecederam Katrina foram igualmente críticas. Ventos fortes e chuvas torrenciais se combinaram com marés de tempestade elevadas, saturando o solo e tornando ineficazes os sistemas de drenagem da cidade.

Em algumas regiões, o volume de precipitação ultrapassou 250 mm em menos de 24 horas, causando alagamentos generalizados. Além disso, os ventos extremos arrancaram árvores, derrubaram postes e colapsaram redes elétricas, deixando milhões de pessoas sem energia e isoladas em condições precárias.

Hoje, ao relembrar Katrina, é impossível dissociar a força meteorológica da tempestade de suas consequências sociais e políticas. Os dados de vento, pressão e precipitação não apenas registram a magnitude do evento, mas também ajudam a compreender como os sistemas de alerta, evacuação e resgate falharam, expondo falhas estruturais e de planejamento que persistem até hoje.

Nova Orleans e a região do Golfo permanecem vulneráveis a ciclones tropicais, e os meteorologistas continuam alertando para a necessidade de investimentos em infraestrutura, tecnologia de previsão e educação pública sobre riscos, para que as lições de Katrina não se percam nas águas do esquecimento.

A cidade de Nova Orleans, reconhecida por sua cultura vibrante e diversidade, viu seu tecido social despedaçado em 2005. E, embora os sinais de resiliência fossem visíveis ao longo dos anos, muitas das lições mais cruciais permanecem negligenciadas. Hoje, duas décadas depois, ainda se pergunta: o que realmente se aprendeu com Katrina?

Feridas que ainda doem

O impacto do Katrina foi desigual desde o início. As populações mais pobres, residentes de bairros historicamente negros, foram as mais afetadas. A tempestade revelou, de forma dramática, falhas profundas no sistema social americano: o acesso desigual a seguros, transporte e informações sobre evacuação determinou quem viveria e quem morreria.

Um veículo abandonado está em um campo no Lower Ninth Ward em Nova Orleans, Louisiana. O histórico bairro, predominantemente negro, abrigava milhares de famílias e possuía alta taxa de propriedade de casas por várias gerações. Rompimentos de diques inundaram todo o Lower Ninth Ward, matando muitas pessoas e destruindo milhares de residências. Hoje, a região mantém cerca de um terço de sua população pré-Katrina. O Katrina causou quase 1.400 mortes e continua sendo a tempestade mais cara da história dos EUA, com custo aproximado de 200 bilhões de dólares em valores atuais. | BRANDON BELL/GETTY IMAGES/AFP/METSUL

O desastre expôs de forma brutal a vulnerabilidade estrutural da cidade e, ao mesmo tempo, demonstrou que desastres naturais nunca ocorrem em um vácuo social. Eles interagem com preconceitos, pobreza e marginalização, ampliando seus efeitos devastadores.

Mary Landrieu, ex-senadora democrata da Louisiana, lembra das imagens gravadas em sua memória: milhares de pessoas isoladas no estádio Superdome, sem assistência adequada, enquanto as autoridades locais, estaduais e federais demonstravam falhas de coordenação e preparo. “O que vimos foi um fracasso do governo em múltiplos níveis”, disse ela. A cidade submersa revelou não apenas a força da tempestade, mas a fragilidade das instituições encarregadas de proteger seus cidadãos.

O Katrina também deixou uma marca profunda nos jovens que testemunharam o desastre. Uma pesquisa realizada pelo jornal USA TODAY/Ipsos mostra que, mesmo entre aqueles que tinham entre 18 e 34 anos, três quartos afirmam conhecer pelo menos um pouco sobre o furacão e suas consequências. Essa memória coletiva reforça a noção de que, apesar do tempo, a sociedade norte-americana ainda carrega cicatrizes invisíveis — traumas psicológicos, econômicos e sociais que persistem até hoje.

Ethelynn Vaughn senta-se sozinha enquanto relembra histórias do furacão Katrina em sua casa no Lower Ninth Ward. “Éramos proprietários de casas e uma comunidade muito unida… Todos cuidávamos uns dos outros. Nos dávamos bem, sabíamos os nomes uns dos outros, conhecíamos as famílias daqui. E depois de todo esse tempo, parece que se esqueceram de nós”.

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“As ruas que disseram que iriam consertar não foram consertadas. As pontes que deveriam arrumar estão caindo aos pedaços, nunca colocaram dinheiro de volta no Ninth Ward. Somos a terra que esqueceram. Somos os últimos a ter nossas ruas arrumadas, os últimos a receber qualquer tipo de ajuda da cidade. Se você passar por aqui à noite, está escuro – não há placas de rua, sem semáforos funcionando, não há nada aqui”, desabafa.

“A única vez que os políticos aparecem é na época da reeleição… Gostaria que pegassem alguns dos recursos dados a eles e aplicassem na comunidade… Eles nos ignoram, mas não saímos porque nascemos e fomos criados aqui. Minha mãe criou dez filhos aqui, este é meu sangue, e vou morrer aqui – nós duas. Não iríamos embora se acontecesse de novo”, disse Vaughn.

A desigualdade racial foi um fator determinante nos efeitos do Katrina. Comunidades negras e de baixa renda sofreram mais perdas e demoraram mais para se recuperar. A falha das barreiras de contenção, em muitos casos, afetou diretamente esses bairros, enquanto áreas mais ricas e predominantemente brancas sofreram impactos menores.

“A redução da desigualdade socioeconômica é, na verdade, redução do risco de desastres”, afirma o antropólogo Roberto Barrios, da Universidade de Nova Orleans. Décadas depois, esforços federais para abordar essas desigualdades ainda são insuficientes, corroídos por políticas que priorizam cortes de gastos e ignoram o impacto social.

Nos anos seguintes, as investigações se multiplicaram. A falha das barragens e diques, atribuída a erros de engenharia e decisões de contenção de custos, expôs a vulnerabilidade física e institucional da cidade.

Emergiu a percepção de que a preparação para desastres nos Estados Unidos não era apenas técnica, mas política. A resposta federal, embora historicamente bipartidária, começou a ser questionada, especialmente em períodos de polarização.

O trauma individual se entrelaçou com o trauma coletivo. Para muitos sobreviventes, Katrina não terminou quando as águas recuaram; ele deixou sequelas psicológicas profundas, memórias de impotência e abandono institucional.

Cineastas como Edward Buckles Jr., autor do documentário Katrina Babies, destacam que, embora a cidade tenha se reconstruído fisicamente, o impacto emocional e social ainda é sentido diariamente. A percepção de que ninguém poderia ser totalmente confiável — governo, polícia ou entidades privadas — marcou uma geração inteira.

A destruição da cidade também revelou um paradoxo: mesmo diante da devastação, a cultura de Nova Orleans continuou viva. O retorno do Mardi Gras, a manutenção de tradições musicais e o ressurgimento de atividades econômicas indicam resiliência comunitária.

Contudo, essa resiliência não substitui a necessidade de políticas públicas robustas, infraestrutura adequada e proteção social. Em muitas áreas, moradores ainda enfrentam pobreza, insegurança habitacional e acesso limitado a serviços essenciais, lembrando que as feridas de Katrina permanecem abertas.

O retrato de Nova Orleans após a tempestade era de uma cidade apática, com ruas alagadas, casas vazias e mercados saqueados. Reportagens da época destacam imagens de corpos deixados nas ruas, casas marcadas com spray indicando que haviam sido vasculhadas, e bairros inteiros isolados.

Essas imagens se tornaram icônicas, simbolizando não apenas o poder da natureza, mas também a falha humana em gerenciar riscos e proteger vidas. Ainda hoje, elas servem como alerta: a preparação para desastres não é opcional, e ignorar a vulnerabilidade social é um erro fatal.

Reconstrução, política e desigualdade

Após a tempestade, a reconstrução de Nova Orleans se tornou um teste de governança, justiça social e capacidade técnica. A resposta federal foi amplamente criticada: demorou a chegar, falhou em atender às áreas mais necessitadas e demonstrou desconhecimento das condições locais. As decisões de alocação de recursos frequentemente privilegiaram áreas economicamente mais fortes, reforçando a percepção de que o governo ignora as desigualdades estruturais.

Mattie Pearl Mack, 88 anos, folheia seu álbum de fotos enquanto relembra quando o dique se rompeu durante o furacão Katrina, em 26 de agosto de 2025, em New Orleans, Louisiana.

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“Este álbum é muito importante, eu nunca quero me livrar dele. Vou mostrar isso aos meus netos, bisnetos e tataranetos. Quero que eles vejam pelo que passamos, pelo que eu passei, para voltar para cá e pelo que tive que lutar para recuperar minha própria terra, minha própria casa, o que comprei e que eles não queriam que tivéssemos! Todas as reuniões que participei só para que me dissessem que não poderiam nos dar nada para ajudar a reconstruir nossas casa”, narra;

“Muitas pessoas queriam voltar, mas simplesmente não conseguiram. Não tiveram força de vontade para voltar e lutar, então nunca voltaram. Muitas pessoas simplesmente não conseguiram; ficaram no Texas, mas eu me recusei a ficar no Texas… Minha neta nasceu logo depois do Katrina, então quando ela ver este álbum e disser ‘uau, vovó! Você passou por tudo isso?’, servirá como prova de como sobrevivemos à água e de como eu voltei para recomeçar do zero”, desabafa.

“Para este aniversário, quero que as pessoas se perguntem: ‘o que mais poderiam ter feito por nós? Não só por mim, mas por todos que moravam aqui?’ Pessoas morreram; lutando para voltar, e eu me pergunto, mesmo com todo o dinheiro disponível, por que não conseguimos ajudar essas pessoas a voltarem para suas casas? A comunidade nunca mais foi a mesma, dói. Eu queria que tivessem feito mais pelo Nono Distrito. Não temos lojas, não temos lugares para fazer compras, e quando um político vence, ele some. O que podemos fazer?”, disse Mack.

O papel do FEMA, a principal agência de gerenciamento de emergências, tornou-se central no debate. Durante a administração Trump, propostas de corte de verbas e transferência de responsabilidades para os estados colocaram em xeque a capacidade da agência de responder adequadamente a desastres de larga escala. Especialistas apontam que a resposta eficaz a eventos como Katrina exige coordenação nacional, mobilização de recursos e treinamento contínuo — elementos que políticas recentes tendem a enfraquecer.

Enquanto isso, iniciativas comunitárias emergiram como alternativa de sobrevivência. Malik Rahim, organizou esforços de ajuda mútua imediatamente após Katrina, através do projeto Common Ground Relief.

Sua atuação destacou que a resposta comunitária é vital, mas não substitui o papel do governo. A falta de planejamento, coordenação e investimento em infraestrutura reforçou a dependência de soluções improvisadas e improvisadas em futuras crises.

Katrina também evidenciou como a vulnerabilidade social é determinante para a mortalidade e perda de bens. Pesquisas nacionais mostram que a percepção sobre riscos de desastres varia com raça e renda: comunidades negras tendem a acreditar mais que status econômico e racial influenciam a gravidade dos impactos. Nos bairros mais pobres de Nova Orleans, a recuperação demorou anos, deixando cicatrizes sociais e emocionais que se perpetuam até hoje.

Willie Anderson, 62 anos, relembra sua experiência durante o furacão Katrina em sua casa no Lower Ninth Ward, em New Orleans, Louisiana.

BRANDON BELL/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL

“Eu acordei naquela noite e tudo tinha virado um caos. Lembro que meu irmão tinha um barco, e nós circulávamos pelo bairro procurando corpos para recolher. Ele ia até pessoas que estavam em suas casas e ajudava a amarrar seus entes queridos falecidos nas cercas para que não flutuassem… Perdi muitos amigos. Todo mundo queria ir para algum lugar, mas não havia para onde ir – estávamos todos presos. Olhando para trás, todos esses anos, eu gostaria que essa área tivesse algumas das mesmas oportunidades que as Paróquias ao nosso redor – mais iluminação, câmeras de segurança – você sabe, apenas alguém para nos vigiar… Eu só quero segurança e estabilidade por aqui”, disse Anderson.

O sobrevivente do furacão Katrina, Robert Green, exibe uma foto de sua mãe Joyce, que morreu nas águas da enchente, dentro de sua casa em deterioração no Lower Ninth Ward, em 11 de agosto de 2025, em New Orleans, Louisiana.

MARIO TAMA/GETTY IMAGES/AFP/METSUL

Green perdeu sua mãe Joyce e sua neta Shanai na devastadora inundação, que levantou a casa da família de sua fundação e a arrastou para as águas no Lower Ninth Ward. A casa de Green foi construída pela Make It Right Foundation, fundada por Brad Pitt. Green afirmou que a residência apresenta madeira apodrecida, fundação instável e outros problemas, enquanto muitas outras casas “verdes acessíveis” construídas pela Make It Right no Lower Ninth Ward também estão cheias de problemas.

Vas-sha Joseph relembra sua história durante o furacão Katrina enquanto segura sua filha Sky em casa, em New Orleans, Louisiana. “Lembro como se fosse ontem, eu tinha 10 anos quando o furacão Katrina chegou. Eu estava começando a escola quando os noticiários diziam que um furacão muito forte estava chegando. Meu pai trabalhava no Wyndham na época e conseguiu nos abrigar lá. No meio disso tudo, ele quase perdeu a vida tentando segurar as portas e janelas do hotel, porque tudo estava quebrando e sendo sugado para a rua”, relata.

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“Na minha experiência, posso até chorar agora, lembro do meu povo retirando gasolina de carros para garantir que pudéssemos chegar aonde estávamos indo – mais de 13 pessoas em uma caminhonete Suburban tentando escapar de New Orleans para Indiana… Estar de volta neste bairro é assombroso – é assustador porque não há nada aqui. Se você voltar aqui à noite, consegue sentir os espíritos ao redor… É muito pacífico durante o dia, mas realmente silencioso à noite. Nunca vi nada tão parado que te dá arrepios, apenas campos abertos e desolados”, disse Joseph.

A reconstrução, porém, foi desigual. Enquanto alguns setores turísticos e empresariais se recuperaram rapidamente, moradores das áreas mais atingidas enfrentaram morosidade na reconstrução de casas e serviços essenciais. Isso gerou tensão social e aumentou a percepção de injustiça. A desigualdade espacial e social se tornou uma marca da cidade pós-Katrina, lembrando que reconstruir prédios e ruas não é suficiente; é preciso reconstruir vidas e confiança nas instituições.

O debate sobre responsabilidade e governança permanece aceso. Quem deve ajudar após um desastre: governo federal, estados, municípios ou o setor privado? Estatísticas mostram que a maioria dos americanos acredita em um papel significativo do governo em todos os níveis, mas a confiança é maior nos governos locais e estaduais do que no federal. A lição de Katrina ainda ecoa: a coordenação e a ação conjunta são essenciais para salvar vidas.

Lições aprendidas — e não aprendidas

Vinte anos depois, algumas lições de Katrina foram assimiladas, outras completamente ignoradas. A necessidade de reforço das barreiras de contenção, melhorias na infraestrutura de evacuação e planos de emergência mais robustos são exemplos do que foi parcialmente implementado.

No entanto, políticas recentes sugerem que o conhecimento acumulado não está sendo totalmente utilizado: cortes de verbas, má gestão de agências e subestimação de riscos climáticos demonstram que a experiência de Katrina não se traduziu em proteção efetiva.

Especialistas destacam que o risco de desastres extremos aumentou com a mudança climática. Furacões mais intensos, inundações e tempestades severas são cada vez mais frequentes. O Katrina deveria servir como alerta permanente, mas decisões políticas recentes indicam uma negação dessas ameaças. A militarização de respostas, o enfraquecimento do FEMA e a transferência de responsabilidades para estados despreparados refletem um retrocesso perigoso.

A memória coletiva permanece viva. Cidadãos, pesquisadores e sobreviventes continuam a contar histórias e produzir documentação que evidencia falhas e mostra caminhos para o futuro. Apesar da resiliência local, a falta de ação efetiva no nível federal deixa o país vulnerável a repetir tragédias semelhantes. “O déjà vu é real”, afirma  um sobrevivente, lembrando que uma nova tempestade poderia encontrar os mesmos problemas de 2005.

Pearl Polk conta sua experiência durante o furacão Katrina na varanda de sua casa no Lower Ninth Ward. “Soubemos que o furacão estava chegando, das evacuações, mas em New Orleans geralmente nos dão uma previsão sobre um grande furacão e disseram que ele não viria para cá, então ficamos”.

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“De repente, às seis horas da manhã, acordamos e a água estava por todo o chão… Saímos na frente da casa e o céu estava limpo! O vento soprava, mas não chovia. Começamos a filmar e, de repente, vimos uma onda de 3 a 6 metros vindo… Em segundos, chegamos ao sótão porque vimos a água subindo pelas janelas, e quando chegamos lá, as janelas explodiram. Ficamos presos lá por dois dias, mas conseguimos sair pelo telhado… Quando nadamos até águas rasas, foi quando todo o caos começou”.

“Olhei e vi um hotel, e tive que quebrar uma das janelas com um extintor de incêndio. Quando entramos, ouvimos tiros, pessoas saqueando; estava escuro, com pessoas apenas tentando sobreviver. Estava escuro; quando digo que você não conseguia ver seus dedos na frente dos olhos, é sério. Estava completamente escuro. Helicópteros voavam sobre nós sem parar, gritávamos por ajuda; era realmente caótico.

“Vimos corpos amarrados a postes para não flutuarem, um homem tentou estuprar uma mulher enquanto seu filho estava lá e todo o hotel o espancou… Foi realmente muito assustador… Pessoas estavam morrendo aqui, morrendo de calor, presas na água… Quebrei garrafas de vidro e as espalhei na porta do meu hotel para fazer barulho como alerta, porque pessoas estavam estuprando e roubando… Até hoje, luto com. Quando chove forte – qualquer coisinha sobre um furacão, mesmo que esteja a quilômetros de distância, eu já fico pronta para sair! Perdi muitas pessoas nessa tempestade… Até hoje, luto com meu trauma”, disse Polk.

Nikkisha Napoleon segura um retrato de seu filho Dre’Shean durante a marcha em comemoração ao 20º aniversário do furacão Katrina, no Lower Ninth Ward, em 29 de agosto de 2025, em Nova Orleans. Mais um dos sobreviventes que denunciam o esquecimento do desastre.

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O Katrina também mostrou que desastres não são neutros socialmente. Raça, classe e condições econômicas continuam a determinar quem sofre mais. As imagens dos desabrigados no Superdome ou nas ruas alagadas continuam sendo símbolos poderosos da desigualdade e da injustiça. Se essas lições não forem incorporadas em políticas públicas, cada tempestade futura terá potenciais consequências desproporcionais para os mais vulneráveis.

Por fim, Katrina deixa um legado de alerta e responsabilidade: investimentos em infraestrutura, coordenação intergovernamental, preparação para emergências e redução das desigualdades sociais são essenciais.

A história mostra que negligenciar essas lições custa vidas. Vinte anos depois, a tempestade é lembrada não apenas pelo caos que causou, mas pelo desafio contínuo de transformar memória em ação concreta. Para que futuras gerações não tenham que aprender novamente da forma mais dolorosa, é urgente internalizar e aplicar essas lições. (Texto e produção de Alexandre Aguiar)

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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