A Casa Branca investiu cerca de US$ 2 bilhões para realizar o “sonho americano” de ter uma bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial. No dia 16 de julho de 1945, há 80 anos, os cientistas e militares do Projeto Manhattan alcançaram o objetivo quando detonaram uma arma nuclear no deserto Jornada del Muerto, em Los Alamos, no Sul dos Estados Unidos. Mas não esperavam que as primeiras vítimas seriam cidadãos do próprio país que viviam nos arredores do teste. Entre eles, um grupo de 12 meninas que dormiam em um acampamento a 60 quilômetros da explosão.

O Projeto Manhattan teve início em 1942, três anos depois de o famoso físico Albert Einstein assinar uma carta para alertar a Casa Branca de que a Alemanha Nazista poderia desenvolver uma bomba nuclear. O também físico Robert Oppenheimer foi, então, convidado para liderar a força tarefa sigilosa, que reuniu alguns dos cientistas mais renomados no mundo no Laboratório Nacional de Los Alamos. Centro de pesquisas construído para desenvolver a bomba atômica, o laboratório era segredo de estado e ficava em uma área isolada no Novo México.

Batizado de Trinity, o primeiro teste com uma arma nuclear na História ocorreu às 5h29 do dia 16 de julho de 1945. A explosão da bomba de plutônio The Gadget iluminou montanhas ao redor e gerou um cogumelo de fumaça de 12 quilômetros de altura, deixando uma cratera com 300 metros de diâmetro. A onda de choque foi sentida a até 160 quilômetros de distância. Relatos amedrontados sobre esses efeitos da detonação inundaram a imprensa, e os militares emitiram um comunicado falso declarando que um depósito de munição no meio do deserto havia explodido, mas sem deixar feridos.

Ruínas de um prédio que ficou de pé após explosão da bomba em Hiroshima — Foto: Reprodução
Ruínas de um prédio que ficou de pé após explosão da bomba em Hiroshima — Foto: Reprodução

Então presidente americano, o democrata Harry Truman participava da Conferência de Potsdam, na Alemanha, quando soube do “êxito” no teste. Àquela altura, Alemanha e Itália já haviam capitulado, Hitler e Mussolini estavam mortos, mas a guerra continuava no Oceano Pacífico, onde os Aliados enfrentavam tropas do Japão desde 1942, com 2 milhões de mortos. Com a arma nuclear a sua disposição, Truman deu um ultimato ao governo nipônico, exigindo rendição total ou “destruição imediata”. Como não foi atendido, ele ordenou o uso da bomba.

No dia 6 se agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram sua terrível nova arma sobre Hiroshima, matando algo em torno de 140 mil pessoas. E, como ainda assim o governo nipônico não se rendeu, Truman jogou uma segunda bomba sobre Nagasaki, dizimando mais de 70 mil habitantes locais, três dias depois. O Japão, finalmente, concordou com uma rendição total no dia 15 de agosto daquele ano, e a Casa Branca celebrou o uso das bombas atômicas como uma medida essencial para o fim da Segunda Guerra, que havia começado em 1939.

“A gente brincou naquela coisa que depois nos matou”

As autoridades americanas ainda não sabiam do mal que haviam causado a cidadãos do próprio país. Os cientistas envolvidos no experimento Trinity acreditavam que o local do teste era isolado o bastante, mas a detonação foi bem mais poderosa do que se imaginava. De fato, não houve mortes com a explosão, mas muita gente foi exposta à radioatividade. Somente meses e até anos depois começaram a surgir informações sobre o aumento na incidência de câncer entre moradores da região no Novo México onde foi realizado o experimento Trinity.

Quando a bomba foi detonada no dia 16 de julho de 1945, Barbara Kent tinha 12 anos e estava dormindo em uma cabana, com outras 11 meninas, em um acampamento promovido pela professora de dança delas, numa montanha em Ruidoso, Novo México. Em entrevistas recentes, Barbara contou que a onda de choque a derrubou da cama e que a luz da explosão deixou a madrugada clara como se fosse meio-dia. Horas mais tarde, elas viram uma poeira esbranquiçada caindo do céu e foram brincar, pensando que estava nevando em pleno verão no Hemisfério Norte.

Todas as 12 meninas do acampamento desenvolveram diferentes tipos de tumores depois daquele dia. Quando completou 30 anos de idade, Barbara era a única sobrevivente do grupo, como ela própria contou à revista “Vice” em uma reportagem de 2016, então aos 83 anos. “Não foi coincidência”, disse ela, de acordo com a publicação americana. “Foi totalmente errado o governo não ter evacuado todos que estavam na área quando eles sabiam que aquilo ia acontecer. Mas eles nunca divulgaram nada, então a gente brincou naquela coisa que depois nos matou”.

A explosão da bomba The Gadget num deserto americano, em 16 de julho de 1945 — Foto: Reprodução/Departamento de Energia dos Estados Unidos
A explosão da bomba The Gadget num deserto americano, em 16 de julho de 1945 — Foto: Reprodução/Departamento de Energia dos Estados Unidos

Em 2010, uma análise de dados do Centro de Controle de Doenças (CDC) americano concluiu que em dezenas de povoados e cidades do Novo México o volume de radiação no ar aumentou em cerca de 10 mil vezes após o teste em Los Alamos. Em 2020, o Instituto Nacional do Câncer estimou em cerca de 1 mil o número de casos de câncer decorrentes da explosão no deserto em 1945.

Hoje, o caso de Barbara e suas amigas é conhecido, mas, nos primeiros anos após o teste, as queixas da população local não recebiam atenção. Foi só depois de décadas, quando os moradores ganharam força por meio de associações de vítimas, que sua causa conquistou notoriedade. Atualmente, eles e os habitantes de outras áreas do país onde ocorreram testes nucleares a partir de 1945 são chamados de “dowinwinders”. O termo se refere a pessoas que vivem a favor do vento em comunidades próximas a um dos locais onde houve mais de cem detonações de bombas atômicas nos Estados Unidos.

Durante décadas, habitantes locais vítimas de tumor ou que perderam parentes para a doença lutaram para receber compensação. Agora, 80 anos depois, eles podem ser contemplados por um programa do governo voltado para beneficiar pessoas afetadas por testes nucleares no país. A medida, em vigor desde 1990, alcançava apenas moradores dos estados de Arizona, Utah e Nevada, onde aconteceram outros experimentos radioativos, depois de 1945. Mas uma lei recém-aprovada pelo Congresso amplia o escopo de americanos que podem ser beneficiados pelo programa.

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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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