Andar pelas ruas de Niterói parecia se tornar mais seguro desde 2020, ao menos se levados em conta os roubos a pedestres na cidade da Região Metropolitana do Rio. No primeiro semestre daquele ano de pandemia, tinham sido 699 casos do crime. Desde então, após consecutivas quedas nos números, os seis primeiros meses de 2024 fecharam com 374 registros — redução de 46,5% em quatro anos. No começo de 2025, no entanto, essa tendência se reverteu e, de janeiro a junho, ocorreram 451 ataques a transeuntes, um aumento de 20,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. E os que mais sentiram na pele os efeitos dessa mudança foram os moradores e frequentadores de bairros importantes e movimentados, revela o Mapa do Crime, ferramenta interativa de monitoramento de roubos do GLOBO.

O mapeamento — que na etapa lançada hoje agrega os dados Niterói e atualiza os do município do Rio —, mostra que, na terra de Arariboia e de obras de Oscar Niemeyer, houve também uma intensificação nos roubos de celular e de veículos: após quatro anos de diminuição vertiginosa, os casos cresceram, respectivamente, 75,4% e 66,3% no primeiro semestre de 2025 em relação aos mesmos meses de 2024. A cidade ainda tem suas espécies de oásis de paz, se considerada a realidade fluminense. Mas cinco de seus 51 bairros (Centro, Icaraí, Fonseca, Barreto e Itaipu), ao experimentarem uma escalada das ocorrências, puxaram os números de todo o município para cima.

O principal deles é o Centro, onde dois tipos de crime bateram recordes de janeiro a junho. Foram 134 casos de roubo de celular (aumento 15,5%) e 55 ataques a transeuntes (alta de 19,6%), os maiores números para a região na série histórica do Mapa do Crime, que começa em 2020. O coração político-administrativo da cidade, que convive com o fluxo diário de pessoas que vão e voltam da capital pelas barcas ou pela Ponte Rio-Niterói, concentra um terço dos assaltos a pedestres e um quarto das subtrações de celulares de toda a cidade, liderando o ranking por bairros em ambos os indicadores.

— As iniciativas de revitalização do Centro pelo poder público aumentaram a circulação de pessoas, principalmente à noite e na orla. Isso acaba atraindo criminosos, sobretudo, atrás de celulares, que alimentam um ciclo criminoso de receptação e revenda de aparelhos — explica o advogado e doutor em Políticas Públicas Alberto Kopittke, que atua como consultor de Segurança Pública para a prefeitura de Niterói.

Os roubos de celulares também aumentaram em Icaraí, bairro mais populoso e com o metro quadrado mais valorizado de Niterói. Foram 32 episódios no primeiro semestre de 2025, mais que o triplo das apenas nove ocorrências registradas no ano anterior. O aumento de 255% foi o maior entre os bairros de Niterói com mais de dez registros do crime e põe Icaraí como o segundo bairro com mais roubos de celulares da cidade, atrás apenas do Centro. Já os números de assaltos a pedestres e roubos de carros se mantiveram estáveis na região.

Investigações da Polícia Civil revelam que o destino de uma parte considerável dos aparelhos roubados em Niterói é a Feira do Laranjal, situada em uma área sob controle do Comando Vermelho no município vizinho de São Gonçalo. Em julho passado, agentes da 76ª DP (Niterói) prenderam em flagrante Carlos Henrique de Paula Gonçalves, dono de uma banca na feira de rua e apontado como um dos maiores receptadores de aparelhos roubados na cidade. Gonçalves foi identificado após uma operadora de telefonia comunicar à polícia que um smartphone roubado em Niterói havia sido religado e estava em uso por um novo dono. Os agentes, então, localizaram e intimaram a pessoa, que devolveu o equipamento e afirmou, em depoimento, tê-lo comprado na barraca de Gonçalves, na Feira do Laranjal.

Na casa do revendedor, foram encontradas dezenas de aparelhos, sete deles provenientes de roubos ou furtos. Em depoimento à Justiça, Gonçalves disse “não saber a origem dos equipamentos adquiridos, comprando-os geralmente quebrados com o intuito de consertá-los e revendê-los”. No último dia 2, ele foi condenado a 21 anos de prisão pela juíza Juliana Cardoso Monteiro de Barros, da 3ª Vara Criminal de São Gonçalo.

— O celular é um objeto pequeno, de alto valor agregado e indispensável. Como todo mundo tem um, qualquer pessoa na rua vira alvo. Além disso, não existe política nacional nem estadual eficaz de rastreamento e enfrentamento ao mercado de receptação. Esse mercado ilegal movimenta bastante dinheiro, incentivando a prática do crime. Redes estruturadas de receptação sustentam o aumento do crime nas ruas — analisa Carolina Grillo, professora do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da UFF.

Outro local que impactou o crescimento dos números da cidade foi o Fonseca, onde roubos a transeuntes, de celulares e de veículos aumentaram, respectivamente, 20,5%, 175% e 75% nos primeiros seis meses de 2025. Moradores contam que essa oscilação tem influência do CV, que comanda o tráfico local.

Um músico de 37 anos que teve o celular roubado em outubro de 2024, numa via entre o Fonseca e o bairro do Cubango, afirma que, após sua história ter viralizado em grupos de WhatsApp, traficantes de comunidades próximas proibiram novas ações ali. Na ocasião, ele voltava para casa, a poucos metros da Alameda São Boaventura — a via mais importante da área, acessada diariamente por motoristas a caminho da capital, de Maricá e de São Gonçalo —, quando um criminoso a bordo de um Fiat Uno emparelhou o carro, sacou uma pistola e anunciou o assalto. Além do aparelho, o músico teve de entregar a bolsa, que continha fones de ouvido, a carteira de identidade, uma bateria portátil e um terço.

— Na mesma semana do ataque, minha mãe tinha falado para eu ter cuidado porque tinham liberado o roubo aqui na rua. Depois do ocorrido, relatei o que aconteceu no grupo da associação de moradores. De alguma forma, isso chegou ao tráfico, e os roubos foram proibidos novamente — conta o morador.

Vítima de roubo no Cubango, em Niterói — Foto: Montagem com foto de Gabriel de Paiva
Vítima de roubo no Cubango, em Niterói — Foto: Montagem com foto de Gabriel de Paiva

Atualmente, o Fonseca é um dos bairros mais impactados pela disputa entre facções na cidade. Pelo menos três tentativas de invasão do Terceiro Comando Puro (TCP) desafiaram a hegemonia do CV na região. Os tiroteios já duram mais de três semanas. Já o aumento nos roubos de carros em Niterói, no primeiro semestre, foi concentrado, sobretudo, em dois bairros próximos aos limites com outras cidades: Itaipu, colado a Maricá, e Barreto, vizinho de São Gonçalo.

O primeiro teve um salto de apenas dois casos em 2024 para 13 neste ano; já o segundo viu as ocorrências dobrarem — de oito para 16 roubos. No Barreto, os crimes se acumulam no trecho da Rodovia Niterói-Manilha que corta o bairro. Já em Itaipu, inquéritos da Polícia Civil apuram a relação dos roubos com ferros-velhos clandestinos.

O único dos quatro indicadores monitorados pelo Mapa do Crime que se manteve com viés de queda em Niterói foi o roubo em coletivo. No primeiro semestre de 2025, aconteceram apenas 13 casos em toda a cidade, o número mais baixo de toda a série histórica iniciada em 2020. Nenhum bairro contabilizou mais do que duas ocorrências, e 41 dos 51 bairros mapeados não registraram casos. Policiais e especialistas ouvidos pelo GLOBO relacionam a redução a um trabalho conjunto de mapeamento dos criminosos e das linhas mais afetadas, realizado pela prefeitura e pelas polícias.

Apesar do aumento no primeiro semestre deste ano, o número de roubos em Niterói está num patamar muito mais baixo do que o da capital — a cidade tem, inclusive, números mais baixos que vários bairros cariocas, mesmo tendo uma população bem maior. Na primeira metade deste ano, por exemplo, Niterói teve menos roubos de celular (226) do que a Tijuca (361), Botafogo (333) e a Barra da Tijuca (262). Nenhum desses bairros tem sequer metade dos habitantes de Niterói.

A dinâmica criminal da cidade tem outra característica diferente da capital: os crimes se acumulam numa quantidade pequena de bairros. Apenas cinco bairros — Centro, Icaraí, Fonseca, Santa Rosa e Ingá — registraram mais da metade das ocorrências de roubo de celular da cidade. Enquanto isso, bairros como Cafubá, Jurujuba, Pé Pequeno e Tenente Jardim não tiveram registros de nenhum dos quatro crimes analisados pelo Mapa do Crime no primeiro semestre de 2025.

Procurada, a prefeitura de Niterói afirmou que, “embora a segurança seja atribuição estadual, o tema é prioridade” local, com ações baseadas em integração, tecnologia, prevenção social e monitoramento de dados”. De janeiro a outubro de 2025, diz o município, “houve queda nos roubos de veículos, que passaram de 255 em 2024 para 205 em 2025”, 19,6% a menos. Já os roubos de transeuntes, afirma, passaram de 640 para 624, uma queda de 2,5%.

Já a PM informou que “vem adotando diversas medidas operacionais voltadas à prevenção de todos os tipos de crimes na sua área de atuação”. A corporação afirmou que as medidas tomadas resultaram num “terceiro trimestre histórico, com a obtenção de marcas inéditas nos principais índices criminais”. Como exemplo, destacou “os roubos de veículos, com redução de 53%, roubos de rua, com queda de 33%, e roubo a estabelecimento comercial, com redução de 6%, comparando os mesmos trimestres de 2024 e 2025”.

Source link

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *