Quatro dias após serem encontrados “milhares” de peixes mortos na barragem da Póvoa e Meadas, em Castelo de Vide, distrito de Portalegre, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) mantém o silêncio em relação à qualidade da água daquele reservatório que abastece cerca de 50 mil habitantes em oito municípios.
“O que mais me preocupa é a qualidade da água, pois nós bebemos daquela água”, explica ao Azul Paulo Bagulho, residente no concelho de Nisa, um dos municípios abastecidos com água captada na barragem da Póvoa e Meadas e previamente tratada numa Estação de Tratamento de Água (ETA).
Além do concelho de Nisa, também Alter do Chão, Avis, Crato, Fronteira, Gavião, Nisa, Ponte de Sor e Sousel – todos no Norte do Alentejo – têm na barragem centenária uma fonte de abastecimento de água para consumo.
Paulo Bagulho está também preocupado com a remoção dos peixes mortos da albufeira, já que, enquanto houver um enorme volume de matéria orgânica em decomposição no local, a qualidade da água pode degradar-se ainda mais.
“Medidas de carácter preventivo”
O Azul tentou questionar as câmaras de Castelo de Vide e Nisa, bem como a EPAL/Águas do Vale do Tejo, mas as entidades mantiveram-se em silêncio ou remeteram quaisquer esclarecimentos para a Agência Portuguesa do Ambiente. A APA, por sua vez, não respondeu às questões endereçadas ao seu gabinete de comunicação.
Numa nota de esclarecimento enviada ao Azul, a Águas do Alto Alentejo frisa que “a origem desta ocorrência está associada a factores cuja responsabilidade não é da Águas do Alto Alentejo, sendo a gestão da albufeira e o fornecimento de água em alta da competência da EPAL/Águas do Vale do Tejo”.
A Águas do Vale do Tejo informou, segundo o documento, que “a ocorrência já está a ser acompanhada pelas autoridades competentes para apuramento das causas” e que reforçou a monitorização, “não tendo sido registada, até ao momento, qualquer alteração na água tratada na ETA de Póvoa e Meadas”.
“Apesar de esta ocorrência não resultar da operação da Águas do Alto Alentejo, foram tomadas medidas internas de carácter preventivo, assegurando que o abastecimento de água aos municípios servidos permanece seguro e sem impacto. Dada a conjuntura actual, a Águas do Alto Alentejo está a solicitar à Águas do Vale do Tejo o reforço urgente do investimento na nossa região e a implementação de medidas estruturais de prevenção e controlo”, lê-se na nota da Águas do Alto Alentejo.
PS questiona Governo
O Partido Socialista (PS) questionou nesta quarta-feira o Governo não só sobre o episódio de mortandade de peixes, mas também sobre se a qualidade da água é segura para o consumo público.
Num documento com quatro perguntas, subscrito por dez deputados do grupo parlamentar do PS, os socialistas recordam que a morte maciça de peixes na barragem põe “inevitavelmente em causa a confiança das populações na segurança do recurso hídrico”.
No documento, disponível na página da Assembleia da República, os deputados também questionam Maria da Graça Carvalho, ministra do Ambiente e da Energia, sobre “quais acções imediatas estão a ser tomadas para remover os peixes mortos e evitar riscos sanitários ou impactos negativos no turismo local”.
Onde estão os resultados?
Paulo Bagulho, que vive em Nisa e pesca naquela barragem, esteve no local na segunda-feira e verificou um “cheiro fétido” oriundo de “dezenas de milhares de peixes em decomposição”. O pescador nota que “a espécie em causa é o alburno (Alburnus alburnus), peixes invasores que são mais sensíveis”.
As conclusões das análises feitas a amostras de água e peixe recolhidas no local, contudo, ainda não foram divulgadas. A APA esclareceu na segunda-feira, em comunicado, que “não foi detectado qualquer foco de descarga de águas residuais ou contaminação nas imediações”. Ainda é desconhecida a causa do episódio.
O presidente do núcleo regional da Quercus em Portalegre, José Janela, recorda que “há produção pecuária a montante da barragem” e que, por isso, “pode ter havido contaminação na sequência das fortes chuvas do fim-de-semana”.
Barragem antiga
A barragem de Póvoa e Meadas começou a ser construída sobre a ribeira do Nisa há um século, ficando concluída em 1928. Actualmente, apresenta falhas estruturais que terão de ser reparadas.
“Esta barragem é muito antiga e não pode encher-se completamente. O nível registado no site da APA era um dos mais baixos do distrito”, explica José Janela.
“Se de repente chega muita água com poluição, isto pode contribuir para a morte dos peixes – é apenas uma hipótese”, afirma o representante da Quercus, em conversa com o Azul.
Espécie exótica
No único comunicado emitido sobre o episódio, com data de segunda-feira, a APA já tinha adiantado que a espécie em causa era exótica, ou seja, não nativa.
Ilustração de um alburno (Alburnus alburnus) , um peixe de água doce que invadiu a maioria dos cursos fluviais e das albufeiras em Portugal
Enciclopédia Britânica / Getty Images
O alburno é um peixe prateado de água doce de pequenas dimensões, medindo entre 10 e 15 centímetros, ainda que em barragens possam ser maiores e chegar até aos 30 centímetros. Alimenta-se sobretudo de zooplâncton.
“Tem havido vários registos de mortalidades de alburnos em albufeiras com imensos parasitas agarrados, o que poderá sugerir que a espécie é um vector de parasitas para peixes nativos”, refere a revista Wilder num trabalho sobre a espécie Alburnus alburnus.
No intervalo de uma década, o alburno invadiu quase todos os rios e albufeiras em Portugal, tendo sido “disperso ilegalmente por pescadores recreativos”, refere a mesma fonte. A espécie exótica terá chegado à barragem da Póvoa e Meadas em 2001.
A presença desta espécie em barragens e cursos de água em Portugal tem consequências ecológicas negativas. Primeiro porque, como o alburno devora o zooplâncton à superfície das albufeiras, estes reguladores naturais da qualidade ambiental estão menos presentes para garantir a depuração da água.
O alburno pode ainda hibridar com peixes nativos ameaçados ou perturbar as populações de saramugo (Anaecypris hispanica), uma espécie criticamente em perigo ainda presente na ribeira do Vascão, na bacia do Guadiana. com Carlos Dias
