Há quatro décadas, um violento acidente ferroviário tirava a vida a dezenas de pessoas. Alcafache foi o nosso 11 de setembro.
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No dia 11 de setembro de 1985, Portugal assistiu a um dos episódios mais trágicos da sua história ferroviária, o desastre de Alcafache, um acidente ferroviário que ocorreu na Linha da Beira Alta, no concelho de Mangualde, distrito de Viseu.
O choque frontal entre dois comboios resultou numa tragédia de enormes proporções, que vitimou dezenas de pessoas e deixou cicatrizes profundas na memória coletiva do país.
Apesar de terem passado quatro décadas desde esse fatídico dia, o acidente permanece como um lembrete dos riscos associados ao transporte ferroviário e da necessidade constante de garantir elevados padrões de segurança.
Uma efeméride quando ainda se vive o drama do sucedido em Lisboa com o Elevador da Glória.
Alcafache: ferrovia nacional em transformação
Na década de 1980, a rede ferroviária portuguesa encontrava-se em transformação. A Linha da Beira Alta, inaugurada no final do século XIX, desempenhava um papel crucial na ligação entre Portugal e Espanha, e por extensão ao resto da Europa.
Era utilizada não apenas para transporte de mercadorias, mas também para ligações de passageiros de longo curso.
Naquele dia de setembro, dois comboios encontravam-se em rota de colisão: o Sud Express, proveniente de Lisboa e com destino a Paris, e um comboio regional, com partida da Guarda e destino a Coimbra.
Ambos circulavam em sentidos opostos na mesma linha, sem que houvesse coordenação eficaz para evitar o desastre.
O brutal acidente
O choque deu-se cerca das 18h30, numa zona de linha única próxima da estação de Alcafache. O Sud Express, carregado de passageiros que seguiam para França, embateu frontalmente com o comboio regional, igualmente com muitas pessoas a bordo.
O impacto foi devastador. As carruagens da frente ficaram destruídas e um incêndio de grandes proporções alastrou rapidamente, alimentado pelo gasóleo e pelos materiais inflamáveis presentes.
Muitos passageiros ficaram presos nas carruagens em chamas, sem hipótese de escapar.
A tragédia foi agravada pela circunstância de ambos os comboios circularem sobrelotados.
A prática de viajar sem bilhete e sem lugar atribuído era comum na época, especialmente em rotas internacionais. Estima-se que viajassem centenas de pessoas a mais do que a lotação oficial permitia.
As consequências humanas
As consequências humanas foram catastróficas. Os números oficiais apontam para 49 mortos e 64 feridos, mas a dimensão real do desastre poderá ter sido bem maior.
Testemunhas e especialistas referem que muitos corpos foram totalmente carbonizados, impossibilitando a sua identificação, e que várias pessoas desaparecidas nunca chegaram a ser oficialmente contabilizadas.
Assim, acredita-se que o número real de vítimas mortais possa ultrapassar a centena, tornando o desastre ferroviário de Alcafache no mais grave da história de Portugal.
As famílias das vítimas enfrentaram uma dor imensa, agravada pela incerteza e pela dificuldade de identificação de muitos corpos. O luto coletivo estendeu-se por todo o país e a tragédia marcou uma geração.
Alcafache: a resposta no terreno
Logo após o acidente, desencadeou-se uma operação de socorro de grande envergadura. Bombeiros, militares, médicos e voluntários acorreram ao local, enfrentando chamas intensas e um cenário de destruição.
A população local desempenhou um papel crucial, acolhendo sobreviventes, oferecendo apoio e ajudando os profissionais de emergência.
Contudo, a resposta das autoridades foi alvo de críticas. A gestão da crise foi considerada lenta e descoordenada, e a comunicação pública sobre o número de vítimas careceu de transparência.
A ausência de uma contagem oficial precisa contribuiu para o sentimento de desconfiança e revolta.
Causas e investigação
As investigações concluíram que o acidente se deveu essencialmente a uma falha de comunicação e coordenação ferroviária.
Num troço de linha única, a circulação de dois comboios em sentidos opostos exige rigor absoluto na gestão das prioridades e das ordens de marcha.
Naquele dia, uma combinação de erro humano e falhas no sistema de segurança resultou na autorização simultânea para que ambos os comboios avançassem.
A ausência de sistemas automáticos de controlo e de sinalização mais avançada foi também apontada como fator determinante.
Este desastre expôs fragilidades estruturais da rede ferroviária portuguesa da época, nomeadamente a dependência excessiva de procedimentos manuais e a falta de redundâncias que pudessem evitar um erro humano.
Assim, o desastre de Alcafache também serviu como alerta para a necessidade de modernizar a infraestrutura e os sistemas de segurança.
Nos anos seguintes, a CP e as Infraestruturas de Portugal (à época, outras entidades) investiram em melhorias de sinalização, introdução de sistemas automáticos e reforço da formação dos profissionais.