Elon Musk. Estas duas palavras provocam reações tão bipolares, de extrema admiração ou ódio descontrolado, que é difícil tentar entender se o enxugamento da máquina do governo que Donald Trump lhe confiou vai produzir organismos mais dinâmicos e inteligentes (literalmente, com o uso de inteligência artificial) ou redundar num desastre que afetará o próprio coração pulsante (embora esclerosado, segundo os críticos) da superpotência americana.
O que ele está fazendo é infinitamente maior do que abarcam as reportagens a respeito – elas próprias distorcidas pelo “fator Musk”, de adoração ou repulsa.
O exemplo mais falado dá uma dimensão: ele reduziu a menos de 300 os dez mil funcionários da USAID, a agência americana de ajuda a países pobres que se transformou na financiadora de ONGs ambientais, candidatos LGBTI+ a cargos políticos e outras atividades que causam espanto para uma organização de ajuda humanitária, indo da meritória preservação do pirarucu na Amazônia ao financiamento de jornais na Ucrânia, passando até por apoio a operações de mudança de gênero.
Tanto Musk quanto seus “garotos perdidos”, na definição de Maureen Dowd para os jovens programadores que ele trouxe para abalar o sistema, estão dormindo no chão das agências onde chegam como alienígenas de moletom com capuz e perguntam: o que você faz, para o que serve e quanto custa.
“ESTRUTURAS PODRES”
“O caos muitas vezes é o parteiro das novas ordens, novos sistemas e novos paradigmas. Washington não sabe lidar com pessoas que se recusam a jogar por suas regras”, definiu para o Washington Post um amigo de Musk, o investidor Shervin Pishevar.
“Donald Trump e Elon Musk são duas diferentes tempestades apoiadas pela maioria dos americanos – uma política, outra tecnológica. Mas ambos estão derrubando as mesmas estruturas podres”.
O Washington Post tem, obviamente, uma visão muito negativa dessa demolição que visa, segundo os repórteres, cortar 10% da força de trabalho dos funcionários públicos federais (ou, em alguns casos, até 60%), “liquidar pelo menos metade” dos imóveis da União que não sejam de uso militar e determinar “quanto do trabalho humano pode ser substituído por IA, ferramentas de machine learning e até robôs”.
“Tudo o que pode ser automatizado, será. E os tecnocratas irão substituir os burocratas”, disse uma fonte ao Post.
É uma revolução de arrancar lágrimas de inveja de seu inspirador, Javier Milei – mantendo-se, obviamente, as proporções entre os dois países.
“AMO TRUMP”
O ritmo vertiginoso e a ambição das intervenções de Musk levam seus adversários a chamá-lo de “co-presidente”. A revista Time o colocou na capa, sentado na escrivaninha presidencial do Salão Oval, tentando espicaçar o amor próprio de Trump. Até quem não acha que o homem mais rico do mundo é um “Muskenstein” antecipa um eventual choque de personalidades narcisistas e egos monumentais.
Numa resposta indireta. Musk tuitou (uma das coisas que ainda não conseguiu mudar é o apego aos substantivos e verbos da rede social que ele rebatizou como X): “Amo Donald Trump tanto quanto um homem hétero pode amar outro homem”.
A resistência às intervenções de Musk vem principalmente da justiça, com ordens anulando várias iniciativas – vai ser uma longa batalha. Musk e os “garotos perdidos” já estão entrando no Medicaid e no Medicare, os programas de saúde do governo para crianças e idosos. As primeiras informações são de arrepiar em termos de desperdício, descontrole e fraude.
E quando chegar no Pentágono?
O New York Times já deu um indício de onde virão os movimentos para frear ou até expelir Musk: “Não existem precedentes para um integrante do governo ter a sua escala do conflito de interesses, que incluem empresas domésticas e conexões estrangeiras, como suas relações comerciais com a China. E não existem precedentes para alguém que não é funcionário em horário integral ter a capacidade que ele tem de reformatar a força de trabalho federal”.
BATALHA EXISTENCIAL
Aqueles que aprovam a necessidade de uma reformulação do governo – o que muitos presidentes, dos dois partidos, prometeram, com Bill Clinton chegando a enxugar a máquina em quase 400 mil funcionários públicos – apontam dois motivos principais: o panorama fiscal negativo e a enorme quantidade de novas regulamentações criadas pelo governo de Joe Biden. São dois fatores importantes que atrapalham os planos de Trump de baixar os preços e desencadear uma revolução produtiva, liberando as amarras das forças produtivas.
Uma das diversões prediletas do momento é checar os programas francamente alucinados financiados pela USAID, praticamente extinta por Musk. É fácil mostrar os absurdos, como o financiamento de órgãos de imprensa, transgêneros hondurenhos, advogados para estrangeiros trans que pediam asilo político no Reino Unido (onde não faltam profissionais dessa especialidade, que já foi a do primeiro-ministro Keir Starmer) ou um concerto em Londres – Londres! Uma capital mundial da diversidade arco-íris! – para enfatizar “a importância dos músicos LGBTQ+ para a música clássica” (imaginem o desgosto de Tchaikovski se fosse apresentado como músico gay, não um gênio sem adjetivos).
Mais complicado é ver os contornos de um plano de influência através de minorias variadas, identitárias e étnicas, como povos indígenas, sempre em conflito com governos nacionais. Os chefões das agências americanas, quem diria, estavam lendo Gramsci.
Musk vai enfrentar uma batalha existencial. A opinião pública está bem dividida a respeito. Segundo uma pesquisa da CBS, que dá um recorde de 53% de aprovação a Trump, assim responderam os entrevistas à pergunta indagando sobre qual deveria ser o nível de influência de Musk e seu DOGE nos gastos e nas operações de departamentos do governo: 23% acham que deveria ser grande, 28% aprovam algum nível, 18% acham que deveria ser pouco e 31%, que deveria ser inexistente.