A estratégia da ADM para provar ao mundo a sustentabilidade da soja brasileira <p>Diego Di Martino, diretor de sustentabilidade da multinacional na América Latina</p>

O engenheiro agrônomo Diego Di Martino nasceu no Paraguai, mas veio para o Brasil ainda jovem e passou a maior parte da sua carreira percorrendo o mundo para tratar do comércio de commodities agrícolas, como executivo da Archer Midland Company (ADM).

Em regiões como América Central, Sudeste Asiático, Estados Unidos e mesmo no Brasil, liderou diferentes áreas, como originação de grãos, mas logo foi direcionado para aquele que é o maior desafio das empresas hoje: a sustentabilidade.

A tarefa mais árdua para gigantes globais de alimentos e trading de grãos como a ADM tem sido a rastreabilidade completa de seus fornecedores para garantir aos consumidores no mundo que a origem de seus produtos não está relacionada a problemas ambientais, especialmente, como o desmatamento.

Desde 2022, Diego Di Martino é diretor de sustentabilidade da ADM na América Latina, um período em que ficou ainda mais acirrada a queda de braço entre produtores rurais do Brasil e tradings quando o assunto é desmatamento zero.

O acordo central no tema é a Moratória da Soja, criada em 2006, em que as tradings assumiram o compromisso de não comprar o produto que tenha sido cultivado em áreas desmatadas após 2008.

Produtores rurais questionam o acordo na Justiça. Alegam que, pelo novo Código Florestal, fazendas do bioma Amazônia podem utilizar 20% da área, desde que preservem os outros 80%. Portanto, gostariam que as empresas desconsiderassem esse “desmatamento legal” na hora de vetar fornecedores.

O caso deu origem a uma lei em Mato Grosso, que pretende penalizar empresas signatárias da moratória da soja com a perda de incentivos fiscais, mas o tema foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e segue ainda indefinido.

“Há uma base pública de dados que ajuda a saber qual é efetivamente a área desmatada no Brasil. Já faz muitos anos que a gente está vendo isso, não só no bioma Amazônia, mas também no bioma Cerrado e em vários outros biomas, qual é a taxa de ocupação dessas áreas desmatadas por soja, a gente acompanha isso bem de perto como setor, e a Abiove sempre tem tido dados bem atualizados para poder levar isso como referência a mercados externos e também pra discussões aqui”, explica Di Martino.

Na visão do executivo, a Moratória da Soja é apenas mais um acordo que vem sendo cumprido, já que, no horizonte, estão compromissos e exigências cada vez maiores em relação ao tema.

Até o final de 2025, por exemplo, Di Martino diz que a ADM não poderá comprar mais soja de áreas desmatadas, seguindo um acordo firmado por mais sete empresas, em Glasgow.

O mesmo acordo prevê um compromisso “conversion free” para 2027. Ou seja, não importa se é floresta ou outro tipo de vegetação nativa, não pode ter havido a conversão em lavoura.

No relatório de sustentabilidade da ADM consta a meta assumida de que a regra se aplique a 100% dos seus fornecedores, inclusive os indiretos, em 2027. O acordo global envolve não apenas soja, mas também óleo de palma, cacau e pecuária.

A ADM tem investido “alguns milhões de dólares”, segundo o executivo, na última década, para os programas que visam reforçar a sustentabilidade da soja e a condição de livre de desmatamento.

Di Martino diz que o Brasil “tem uma dádiva”, que são os dados do INPE oferecidos de forma gratuita. Porém, diz que há gastos com due dilligence para ver se é terra indígena, se há parques nacionais na área e assim por diante, o que vai somando custos nos diferentes processos.

“Por sorte, fizemos volumes importantes e conseguimos diluir esses custos. Mas os custos atrelados à rastreabilidade não são baixos”, afirma.

A ADM possui hoje pelo menos 12% de market share considerando todo o mercado da soja brasileira, tanto doméstico quanto externo.

Atualmente, a companhia garante que já tem 100% de rastreabilidade dos fornecedores diretos e indiretos no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

No caso da condição DCF (Deforestation and Conversion Free), quando somado o volume de soja originado entre diretos e indiretos, o índice está em 97,5%.

Um dos desafios do momento é avançar nos controles do bioma Cerrado. A ADM diz já ter 100% de rastreabilidade na região, mas diz estar focada em “ter maior granularidade na rastreabilidade dos volumes comprados em municípios de risco”.

“Queremos dados das fazendas dos quais os nossos fornecedores indiretos compram”, informou Di Martino. São considerados municípios de risco aqueles que tenham menos de 99% da soja plantada no município antes da data de corte 2020 – e hoje representam apenas 17% do bioma Cerrado, segundo a empresa.

Diego Di Martino garante que não foi necessário um corte significativo no número de fornecedores para se adequar aos diferentes acordos, nos últimos anos.

“Desde 2006, que a moratória está vigente, até a última safra, praticamente tem mais ou menos 250 mil hectares de áreas plantadas de soja abertas depois de 2008. O Brasil planta planta 45 milhões de hectares”.

No Cerrado, especificamente, a percentagem média de áreas desmatadas que, ao longo dos últimos 22 anos, foram ocupadas com soja é de 17%, segundo ele.

“Mais de 80% da soja no Cerrado está plantada em áreas que foram abertas há mais de 20 anos. Esta informação é importante porque, ao analisarmos a pegada de carbono, a soja plantada em áreas abertas há mais de 20 anos tem pegada zero no que se refere as alocações por uso de terra dentro do escopo 3 e isto traz uma competitividade muito grande para a soja brasileira nos mercados externos”, avalia.

Projeto piloto EUDR

Em paralelo aos demais compromissos globais está a necessidade de cumprir as regras da EUDR, regulamento da União Europeia para produtos livres de desmatamento, na sigla em inglês.

O diretor da ADM diz que, neste caso, o desafio é maior porque não se trata apenas de oferecer 100% de rastreabilidade na soja. É preciso também ter a segregação total comprovada, ou seja, não ter um único grão misturado nas cargas que possa ter sido originado em área desmatada.

A lei europeia estava prevista para entrar em vigor em janeiro de 2025, mas acabou sendo adiada depois de fortes apelos de empresas e governos, preocupados com a dificuldade em conseguir se adaptar. A princípio, está prevista para ser implementada em dezembro deste ano para grandes empresas e em junho de 2026 para comerciantes de menor porte.

Para os fornecedores diretos, quando a ADM compra diretamente de uma fazenda, é fácil ter a rastreabilidade e o Brasil está até a frente de outros países, segundo Di Martino, porque possui o CAR, Cadastro Ambiental Rural, que já fornece uma série de informações fundamentais na hora de assinar o contrato.

Já os indiretos são as compras feitas por meio de cooperativas ou armazéns gerais, ele explica, onde a trading não teve contato com todos aqueles que estão armazenando soja naquela estrutura.

“A gente faz um círculo ao redor dele para saber exatamente qual é a quantidade de área desmatada e qual é a quantidade de soja que foi plantada depois de uma certa data. Você pode colocar a data que você quiser”, explica.

Na prática são cruzamentos entre os dados do INPE (Prodes) e mapas de produção de soja, com diversas “camadas digitais”, segundo ele. Para atender à EUDR, não pode ter havido cultivo em área desmatada depois de dezembro de 2020.

“O que a gente tem visto é que a maioria dos nossos indiretos está em áreas de risco muito baixo, na qual 99% da soja que está ao redor desses silos foi plantada, por exemplo, antes de 2020”, afirmou.

Essa constatação, porém, para a exigência europeia, não é suficiente. Quando a ADM compra soja de uma cooperativa, por exemplo, ela tem que fornecer informações sobre cada fazenda. “Aí começa a complicar, eu não posso misturar produtos. A parte mais difícil é a segregação”, diz ele.

“Muitos dos canais que existem hoje, misturam produtos de fornecedores diretos com produtos comprados de uma cooperativa. Não faz distinção disso. É tudo soja, tudo soja que foi comprado de alguma maneira legal”, descreve.

No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, não é comum ter um silo por fazenda. A maior parte da armazenagem é feita com estruturas de armazéns graneleiros, extensos, onde a produção de diversos agricultores acaba sendo misturada.

Para simular como seria o trabalho de segregar essa soja nos indiretos, Di Martino contou ao AgFeed que foi realizado um projeto piloto, que envolveu diversos países, incluindo Estados Unidos, Paraguai e Brasil, com foco na busca da conformidade com as regras da EUDR.

O diretor explica que foi contratada “uma terceira parte”, que foi a campo acompanhar todas as etapas da cadeia, em pilotos que tiveram uma amostragem. No Brasil, foi feito para soja em grão e também para o farelo de soja.

“Isso é uma escolha aleatória, mas tudo tem que estar dentro de um compliance e aí eles foram seguindo tudo, do campo até o silo, do silo até uma fábrica, vai para esmagamento, vira farelo de soja, o farelo embarcava em barcaças ou de trem. Tivemos diferentes tipos de meios de transporte, diferentes pilotos”, conta.

O objetivo era checar os procedimentos em cada a etapa, o treinamento dos envolvidos e ter certeza que o produto estava sendo segregado. “Nós, com sorte, passamos em todos eles com uma boa taxa de sucesso”, afirmou Di Martino.

Ele diz que na América do Sul as notas foram até mais altas do que na América do Norte porque no Brasil, por exemplo, já se investe em rastreabilidade da soja há mais tempo, enquanto nos EUA era algo mais novo.

“Todos foram acima de 95%”, disse o executivo, quando perguntado sobre qual foi a performance de conformidade no piloto do Brasil.

Ele ressaltou, no entanto, que não foi identificada nenhuma soja vinda de área de desmatamento. Os 5% que receberam recomendações de ajustes estavam mais relacionados a problemas com determinadas documentações exigidas ou treinamento de pessoas.

Outra certeza que o projeto piloto trouxe foi o custo adicional que essa segregação deve trazer para as empresas.

“É mais caro”, afirmou Di Martino, evitando divulgar valores.

Entra na conta uma série de medidas que precisam ser tomadas, principalmente em relação à logística.

“Segregar significa que se vem um caminhão que não tem (a comprovação de área livre de desmatamento), esse caminhão tem que ir para um outro silo. Se você não tem dois armazéns, vai mandar para um outro lugar”, explica.

Ele lembra de uma das situações desafiadoras quando se tratava de uma fábrica que funciona 24 horas. “E a gente teve que parar, esvaziar tudo, porque o auditor falou, não pode ter um grão de soja no armazém antes de ir para o esmagamento”.

Casos assim, descritos pelo executivo da ADM, normalmente levam ao encarecimento do frete, pois criam a necessidade de mais caminhões, para descarregar tudo de uma só vez. “É uma logística diferente”.

A consequência, na visão de Di Martino, é que o cliente europeu “vai pagar ter que pagar mais, isso eu te garanto não vai ser for free”.

De qualquer forma, a ADM garante que depois de tanto trabalho “está pronta” para a chegada da EUDR”.

“Fizemos os testes e estressamos isso ao máximo para justamente ver onde poderia ter as falhas, que são as recomendações que tiveram; Muito disso eram documentos, já foi endereçado, por isso a gente está pronto, mas também com um pé atrás”, admitiu.

A cautela de agora se deve ao “balde de água fria”, segundo Di Martino, quando foi prorrogado o prazo.

Os trâmites precisam ser feitos com muita antecedência, por isso se realmente entrar em vigor no fim do ano a lei europeia, é possível que, inicialmente, os europeus sejam atendidos com soja do Hemisfério Norte, que vai ser colhida em agosto, deixando a soja brasileira para a metade do ano que vem.

Em 2025, ele garante, não estão sendo feitos novos pilotos no Brasil, nem a segregação. A ordem é esperar os próximos passos e só fazer quando realmente for preciso atender a EUDR.

Quanto a impactos nos preços praticados no Brasil, ele respondeu: “Estamos discutindo ainda. Provavelmente haverá custos extras de logística, de segregação, de armazenagem, portos diferentes, não deve rodar pelos mesmos portos que já operamos, em cada parte da cadeia de valor existe um custo adicional. A gente vai incluir diretos, já que provavelmente o indireto pra fornecer rastreabilidade vai querer alguma coisa, vai ter bastante coisa que a gente vai precisar acertar”.

Certificações

Enquanto os mecanismos para comprovar a sustentabilidade da soja vêm sendo exigidos por ONGs para virar lei – o que nem sabe garante a remuneração para todos os elos da cadeia – há “um outro mundo”, que são os programas de certificações específicos para cada programa ou indústria.

Há “selos” ou “prêmios” para soja que atende determinados requisitos em áreas como biocombustíveis, aquacultura e até na cadeia do leite, contou o diretor da ADM.

Neste caso, não se trata apenas de desmatamento, mas também de conformidades legais do ponto de vista trabalhista, por exemplo.

Um programa que foi criado praticamente junto com a moratória da soja, em 2006, é o Round Table on Responsible Soy (RTRS), mas que acabou gerando pouco engajamento por parte de produtores.

“Para ter um standard RTRS e outros, é muito mais complexo e muito mais caro e envolve uma terceira parte, o que tem um custo inerente. Esses sempre estão atrelados a você pagar um prêmio para o fazendeiro que voluntariamente queira fazer parte”, explicou Di Martino.

Na visão do executivo, “este seria o caminho correto”. Ele defende que as ONGS poderiam incentivar uma maior distribuição do valor agregado ao longo da cadeia, o que levaria um prêmio inclusive para o fazendeiro.

A estimativa é de que no Brasil em torno de 4% do mercado da soja tenha algum tipo de certificação. Este tipo de condição pode levar a um diferencial de preço entre 1,5% e 2% do valor do produto.

Apesar das dificuldades em obter um reconhecimento assim para toda a soja sustentável e rastreada, Diego Di Martino diz que está mais confiante em relação ao produto de baixo carbono.

“Estamos apostando, esperamos que esse tipo de certificação realmente tenha valor. Se espera que maior parte das empresas que tem compromissos públicos de descarbonização, atrelado ao escopo 3, precisem comprar de maneira certificada, aí a agricultura regenerativa pode ser a saída para isso”, acrescentou.

Desde 2023, a ADM está operando também no Brasil um programa de incentivo às práticas de agricultura regenerativa. A meta é alcançar 200 mil hectares monitorados até o ano que vem.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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