O plástico, símbolo da modernidade e da conveniência, tornou-se também um dos maiores desafios ambientais e de saúde pública do nosso tempo. Fragmentado pelo sol, pelo atrito e pelo tempo, ele se transforma em partículas microscópicas — os chamados microplásticos (menores que 5 milímetros) e nanoplásticos (menores que 1 micrômetro, ou µm) — que agora estão por toda parte: nos oceanos, no solo, nos alimentos e, como mostram estudos recentes, também nos nossos pulmões, no sangue, na placenta e até no cérebro humano.
A edição de abril de 2025 da revista The Lancet Respiratory Medicine lança um alerta preocupante: estamos inalando microplásticos diariamente, especialmente em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, onde a poluição atmosférica já atinge níveis críticos. A exposição é ainda maior em ambientes internos, devido ao desgaste de tecidos sintéticos e carpetes. Assim como o material particulado fino (PM2,5), bem conhecido por seu impacto nas doenças respiratórias, essas partículas plásticas penetram profundamente nos pulmões, e podem permanecer ali por décadas.
E as consequências? Cada vez mais evidências associam os microplásticos à inflamação crônica, disfunção imunológica e risco aumentado de câncer de pulmão em não fumantes. Estudos mostram que essas partículas também podem atravessar barreiras biológicas, afetando o sistema cardiovascular e o sistema nervoso. No Brasil, onde os cânceres de pulmão em não fumantes estão crescendo silenciosamente, devemos considerar com seriedade os novos agressores ambientais.
Mesmo assim, os microplásticos seguem invisíveis às nossas políticas públicas. Não estão incluídos nos padrões de qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde (OMS), tampouco nos protocolos de monitoramento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária(Anvisa) ou do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). E a maioria dos estudos se concentra na ingestão por alimentos e água, quando, na verdade, a via respiratória pode ser a mais perigosa de todas, especialmente entre populações vulneráveis como crianças, idosos e trabalhadores expostos.
A tecnologia atual ainda é insuficiente para detectar os menores fragmentos, e os estudos em humanos são escassos. No entanto, esperar por evidência perfeita para agir seria um erro com alto custo humano. Os sinais já são fortes o bastante para justificar a adoção de medidas de precaução.
É hora de integrar os microplásticos às regulações ambientais brasileiras, com monitoramento sistemático do ar, especialmente em escolas, hospitais, indústrias e centros urbanos. O Sistema Único de Saúde (SUS) deve estar preparado para reconhecer e tratar doenças ambientais emergentes. A academia precisa ser incentivada a investigar os impactos dessa exposição no contexto nacional. E o país precisa participar ativamente de pactos globais para a incentivar a redução da produção de plásticos e para o desenvolvimento de materiais biodegradáveis.
Não se trata de alarmismo. Trata-se de reconhecer que o ar que respiramos carrega ameaças invisíveis, e que a saúde pública do século XXI dependerá da nossa capacidade de reagir a elas. Respirar é um direito — e não deveríamos respirar plástico.