Opinião

Ciclones, tempestades, vendavais e chuvas torrenciais. Esses são alguns dos fenômenos climáticos enfrentados no Brasil recente e recorrentemente, em especial no Centro-Sul do país.

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A enchente ocorrida no Rio Grande do Sul no ano de 2024, por exemplo, foi classificada como o maior desastre natural da história do estado [1]. Em São Paulo, os anos de 2024 e 2025 foram marcados por inúmeras tempestades e vendavais, com interrupções no fornecimento de energia elétrica a boa parte da população. Mais recentemente, em 10/12/2025, a passagem de um ciclone extratropical provocou rajadas de ventos próximas a 100 km/h na capital paulista, deixando milhões de pessoas sem energia [2].

O mesmo ciclone causou estragos significativos em municípios do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, deixando municípios novamente sem energia elétrica. No Paraná, por exemplo, foram registradas milhares de ocorrências por consumidores que ficaram sem luz, situação que permaneceu no amanhecer do último dia 11 [3].

Nos sobreditos episódios de interrupção do fornecimento de energia elétrica, são comuns danos a equipamentos eletrônicos, em especial eletrodomésticos. Isso ocorre em razão de variações momentâneas de tensão — picos de tensão —, principalmente quando do pico de energia no retorno da energia. Ocorre, aí, sobrecarga nos equipamentos que pode gerar problemas. Outro prejuízo normalmente enfrentado pelos consumidores é a perda de alimentos e medicamentos refrigerados que estragam em razão da falta de refrigeração.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) possui uma série de disposições sobre o tema, em especial em sua Resolução Normativa nº 1.000/2021. A agência impõe às distribuidoras de energia elétrica que disponibilizem em suas páginas na internet, dentre outros, “meios para solicitação de ressarcimento de danos elétricos[4].

A solicitação de ressarcimento à distribuidora deve ocorrer até cinco anos a contar da provável data da ocorrência dos danos aos equipamentos eletrônicos, nos termos do artigo 602 da REN da Aneel, e deve obrigatoriamente ser recebida pela concessionária. A solicitação deve ser acompanhada de uma série de informações, como por exemplo (1) número da unidade consumidora; (2) data e horário prováveis da ocorrência do dano; (3) relato do problema apresentado pelos equipamentos; (4) descrição e característica dos equipamentos; (5) comprovação ou declaração de que o dano ocorreu quando os equipamentos estavam conectados e que não houve adulteração nestes equipamentos [5].

Spacca

Cada distribuidora deve ter uma norma interna que contemple os procedimentos necessários ao ressarcimento dos consumidores por eventuais danos causados, sempre em observância à REN 1.000/2021. Para análise dos pedidos de ressarcimento, a distribuidora pode inclusive fazer a verificação dos equipamentos no local, retirá-los para análise ou solicitar ao consumidor que encaminhe tais equipamentos a uma oficina credenciada pela distribuidora.

O prazo para a concessionária disponibilizar ao consumidor o resultado da análise da solicitação varia de acordo com o período no qual o consumidor fez a solicitação de ressarcimento. O prazo da distribuidora é de 15 dias nos casos em que foi solicitado o ressarcimento em até 90 dias da data provável da ocorrência do dano. Nos casos em que o pedido foi feito após mais de 90 dias do dano, o prazo da concessionária é de 30 dias, conforme regula a Aneel.

Porém, cabe salientar que nesses casos em que há danos a equipamentos eletrônicos causados pela interrupção no fornecimento de energia, nem sempre quem paga o prejuízo é a distribuidora de energia elétrica. O ressarcimento depende da comprovação, por parte do consumidor, de que os aparelhos foram danificados em razão do apagão.

Panorama da jurisprudência

Há alguma discussão referente à responsabilidade das distribuidoras de energia elétrica pelos danos causados por apagões, em especial para verificar se haveria responsabilidade destas em casos entendidos como fortuitos ou de força maior, sobre o qual as concessionárias não teriam controle.

O entendimento jurisprudencial é no sentido da responsabilidade objetiva das distribuidoras em casos de danos a consumidores. O egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) possui vários julgados nesse sentido, asseverando que danos a aparelhos eletrônicos decorrentes de oscilação no fornecimento de energia devem ser arcados pelas distribuidoras, pois “a responsabilidade da concessionária é objetiva, conforme art. 37, § 6º da Constituição Federal e art. 14 do Código de Defesa do Consumidor” e, além disso, “a oscilação elétrica caracteriza fortuito interno, inerente à atividade da ré, o que reforça o dever de indenizar[6].

Em sentido semelhante, o egrégio TJ-SP já entendeu que a responsabilidade é objetiva, ainda que se trate de interrupção no fornecimento de energia elétrica decorrente de evento climático. O fundamento para tanto foi de que tais eventos climáticos estão compreendidos no risco da atividade das concessionárias, pelo que constituem fortuito interno [7]:

a ocorrência de fortes chuvas, ventos, descargas atmosféricas ou tempestades não podem ser considerados como caso fortuito ou força maior para proteger a distribuidora de energia elétrica, pois tais eventos climáticos estão lógica e naturalmente compreendidos pelo risco da sua atividade, constituindo, portanto, mero fortuito interno”.

O egrégio Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), por seu turno, possui julgados em sentido diverso, com o entendimento de que a interrupção do fornecimento de energia decorrente de fortes chuvas com granizo caracteriza caso fortuito e força maior – sem indicação de qual das hipóteses. Confira-se parte da fundamentação [8]:

Direito civil e do consumidor. Responsabilidade civil. Apelação cível. ação de reparação de danos por interrupção de fornecimento de energia elétrica. Excludente de responsabilidade. Verificada. Caso fortuito e força maior. Fortes chuvas na região (tempestade com granizo). Prazo para restabelecimento da prestação do serviço razoável diante da proporção do evento que atingiu o município (art. 140, §3º, inciso I da Resolução nº 414/2010). Apelação cível desprovida.
(…)
A interrupção do fornecimento de energia elétrica por mais de 24 horas se justifica, diante do caso fortuito, caracterizado por tempestade severa, merecendo ser afastada a responsabilidade da concessionária. A responsabilidade civil das concessionárias de serviço público é objetiva, mas pode ser elidida em casos de força maior, como demonstrado nos autos. (…) Não houve demonstração de falha operacional ou negligência por parte da concessionária, o que afasta o nexo causal necessário para a indenização (…) Tese de julgamento: A responsabilidade civil das concessionárias de serviço público é afastada em casos de interrupção do fornecimento de energia elétrica quando comprovada a ocorrência de caso fortuito ou força maior, que inviabilize o nexo causal necessário para a indenização”.

O egrégio Superior Tribunal de Justiça também já tratou do tema. O entendimento pacificado pela corte é de que, a despeito de a responsabilidade civil das prestadoras de serviço público ser objetiva, pautada na teoria do risco administrativo, admite-se a exclusão da responsabilidade “em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro, ou, ainda, em caso fortuito ou força maior[9].

Deste modo, em regra, cabe ao consumidor comprovar o nexo de causalidade entre a atividade da distribuidora de energia elétrica e os serviços por ela prestados e os danos causados aos consumidores. Porém, é possível que se entenda pela exclusão da responsabilidade da distribuidora em razão de caso fortuito ou de força maior.

Não há um entendimento uníssono sobre o tema entre os Tribunais de Justiça dos estados brasileiros, pelo que cada caso será analisado perante suas particularidades, para verificar se há o dever ou não de indenização por parte da distribuidora de energia elétrica.

 


[1] Disponível aqui.

[2] Disponível aqui.

[3] Disponível aqui.

[4] Conforme art. 398, XIII, da REN nº 1.000/2021:

Art. 398. A distribuidora deve disponibilizar na sua página na internet, no mínimo, as seguintes informações para consulta do público em geral:

XIII – meios para solicitação de ressarcimento de danos elétricos;

[5] Art. 602. O consumidor tem até 5 anos, a contar da data provável da ocorrência do dano elétrico no equipamento, para solicitar o ressarcimento à distribuidora, devendo informar, no mínimo, os seguintes itens:
I – número de identificação da unidade consumidora;
II – data e horário prováveis da ocorrência do dano;
III – relato do problema apresentado pelo equipamento elétrico;
IV – descrição e características gerais do equipamento danificado, tais como marca e modelo;
V – canal de contato de sua preferência, dentre os ofertados pela distribuidora;
VI – nota fiscal ou outro documento que comprove a aquisição do equipamento antes da data provável da ocorrência do dano elétrico;
VII – comprovação ou declaração, mediante Termo de Compromisso e Responsabilidade:
a) que o dano ocorreu quando o equipamento estava conectado à instalação interna da unidade consumidora; e
b) que não houve adulteração nos equipamentos ou peças danificadas, bem como nas instalações elétricas da unidade consumidora objeto do pedido de ressarcimento;
VIII – quando o equipamento já tiver sido consertado:
a) dois orçamentos detalhados para o conserto;
b) o laudo emitido por profissional qualificado; e
c) nota fiscal do conserto, indicando a data de realização do serviço e descrevendo o equipamento consertado.

[6] TJSP – AC nº 1068994-20.2024.8.26.0100 – 27ª Câmara de Direito Privado – Rel. Desa. Daise Fajardo Nogueira Jacot – DJe 25/11/2025.

[7] TJSP – AC nº 1011244-22.2023.8.26.0609 – 33ª Câmara de Direito Privado – Rel. Desa. Ana Lucia Romanhole Martucci – DJe 17/11/2025.

[8] TJPR – AC nº 0024543-92.2023.8.16.0017 – 8ª Câmara Cível – Rel. Des. Ricardo Augusto Reis de Macedo – DJe 01/12/2025.

[9] Nesse sentido tem-se o AREsp nº 2.850.489/PA – 4ª Turma – Rel. Min. Raul Araújo – DJEN de 15/9/2025:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NEXO CAUSAL COMPROVADO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. REVISÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. VALOR NÃO EXORBITANTE. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, “a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Essa responsabilidade objetiva baseia-se na teoria do risco administrativo, em relação à qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro, ou, ainda, em caso fortuito ou força maior” (AgInt no REsp 1.793.661/RJ, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 3/9/2019, DJe de 19/9/2019).

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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