O que vem depois do Pix? Integridade, ESG e regulação financeiraO que vem depois do Pix? Integridade, ESG e regulação financeira

O sistema financeiro brasileiro vive um daqueles momentos em que a história muda de escala. Em pouco mais de uma década, deixamos de ser uma economia de serviços bancários tradicionalmente verticalizados para nos tornarmos um ecossistema digital complexo, interoperável, distribuído e tecnologicamente vibrante. A ascensão das fintechs, dos pagamentos, do Pix e das infraestruturas regulatórias que transformaram o Brasil em referência internacional de inovação financeira

Mas, à medida que crescemos para fora, o sistema também precisa crescer para dentro. A atualização tecnológica exige maturidade institucional. A inovação precisa de uma moldura de integridade. E a integridade, no século XXI, não é uma palavra moral – é uma infraestrutura econômica.

A literatura internacional é unânime: sistemas financeiros bem-sucedidos não dependem apenas de tecnologia; independentemente do que chamamos hoje de economia da confiança. Sem confiança, não há estabilidade; sem estabilidade, não há inclusão; sem inclusão, não há inovação sustentável. É confiança, no século da hiperconectividade, resultado de governança, dados, rastreabilidade, segurança e responsabilização.

É nesse exato ponto que o Brasil dá um passo à frente.

1. O Brasil entra no “segundo ciclo da inovação”: Da escala ao refinamento

O primeiro ciclo da inovação – democratização, digitalização e velocidade – já foi vencido. O Pix sozinho é maior que muitos sistemas de pagamentos nacionais no mundo. As fintechs ampliaram a bancarização, diversificaram modelos de negócio, aumentaram a concorrência e reduziram os custos

Mas o segundo ciclo – o ciclo do refinamento institucional – exige outro tipo de avanço:

  1. governança profunda;
  2. supervisão responsiva;
  3. padrões sólidos de compliance e ESG;
  4. análises e riscos associados a dados,
  5. infraestrutura antifraude inteligente;
  6. e regulação que previne, sem sufocar.

O Banco Central do Brasil compreendeu esse movimento com precisão rara. Consubstanciado no art. 192 da CF/88, estruturou um conjunto normativo moderno e consistente. As resoluções BCB 494, 495, 496 e 498 redefinem padrões de autorização, rastreabilidade, segurança operacional, capacidade financeira e controles internos para instituições de pagamento e PSTIs – Provedores de Serviços de Tecnologia da Informação.

Nada disso é burocracia: É arquitetura É construção de sistema. É infraestrutura de estabilidade.

A resolução BCB 493/25, por sua vez, ao aperfeiçoar o MÉDICO – Mecanismo Especial de Devolução, insere a regulação brasileira a lógica global da supervisão baseada em risco e dados, aproximando-nos de modelos europeus e asiáticos que estruturam compliance digital por trilhas de auditorias e decisões algorítmicas orientadas por evidências.

Já a resolução BCB 518/25, ao eliminar as chamadas “contas-bolsão”, alinha o país aos compromissos do GAFI, BIS e IOSCO, eliminando pontos de opacidade e reorganizando o ecossistema segundo padrões rígidos de integridade.

Em resumo: o Brasil saiu da inovação para a institucionalização da inovação – e isso é o que diferencia países líderes de países dependentes

2. Integridade financeira como ativo econômico: Onde ESG se encontra com o ODS 16

A economia contemporânea não entende mais governança como custo: entende como ativo competitivo.

O eixo G do ESG, tão debatido, é onde convergem tecnologia, risco, compliance, regulação, prevenção a ilícitos e proteção do consumidor.

Já os ODS da ONU – em especial o ODS 8 (crescimento sustentável), ODS 9 (infraestrutura e inovação) e ODS 16 (instituições eficazes) – tornaram-se guias internacionais para instituições financeiras que buscam capital global, tradição e prosperidade.

O que o Banco Central fez, nos últimos anos, foi alinhar-se antecipadamente a essa agenda. E não por marketing. É porque nenhum país será competitivo se seu sistema financeiro não for confiável, ou seja, trata-se de sustentabilidade.

Falar em sustentabilidade e supervisão financeira é falar em: custo de captação, risco sistêmico, concessão institucional, diferencial competitivo, autonomia econômica, etc.

O mercado internacional observa isso com atenção – inclusive quando avalia parcerias, investimentos, compliance cross-border (ou comércio transfronteiriço) e concessão de licenças para operações internacionais

3. A confirmação: Inovação só é legítima quando há governança

No plano judicial, o Brasil também alcançou maturidade

O STJ consolidou, por meio do Tema 466 e da súmula 479, destacando que as instituições financeiras respondem objetivamente por fraudes quando falham controles internos ou mecanismos de prevenção ao risco (o chamado fortuito interno). As decisões recentes reforçam o dever de vigilância, monitoramento de operações atípicas e proteção de dados diante da sofisticação dos golpes digitais.

No STF, o Tema 225 (RE 601.314/SP) reafirmou a constitucionalidade do acesso fiscal a dados bancários para fins de controle tributário, sustentando que o sigilo bancário não é absoluto, devendo ceder quando o interesse público exigir transparência e rastreabilidade. É exatamente este o núcleo da regulação moderna: transparência como mecanismo de integridade e estabilidade sistêmica

A mensagem institucional é nítida, no sentido de que a inovação é bem-vinda, mas ela deve ser focada em governança sólida; e sistemas financeiros falham quando há riscos operacionais, tecnológicos e comportamentais.

4. O papel estratégico do Brasil na geopolítica regulatória

Pela primeira vez, o Brasil não é apenas um país que se moderniza. É um país que influencia a modernização:

  • O Pix virou benchmark global;
  • As fintechs brasileiras são estudadas como caso de escala eficiente;
  • O Banco Central tornou-se referência em regulação responsiva;
  • E a governança que emerge das recentes resoluções desenha uma infraestrutura institucional admirada pelos reguladores estrangeiros.

O Brasil está, agora, numa posição que dá a oportunidade de ser formulador (não apenas seguidor) de padrões internacionais de integridade e inovação.

O potencial de atração de investimentos, parcerias e projetos estruturantes aumenta drasticamente quando um país combina: ambiente inovador, estabilidade sistêmica, segurança jurídica, políticas públicas digitais robustas, capacidade regulatória reconhecida. Estamos diante de uma oportunidade histórica.

5. Conclusão: o futuro pertence aos sistemas que não têm velocidade e solidez

O setor financeiro não é mais um conjunto de instituições isoladas. É uma rede sistêmica, na qual bancos, fintechs, reguladores, empresas de tecnologia e consumidores formam uma arquitetura viva de risco, inovação e confiança

Quem entender essa rede como um sistema – e não como um segmento – liderará o futuro O Brasil está muito próximo de se tornar esse líder.

E a construção de sua governança financeira moderna é, sem exagero, um dos movimentos regulatórios mais relevantes do século XXI no hemisfério sul. O país tem cultura tecnológica, musculatura regulatória, aparelho prudencial e capital humano para isso Resta apenas continuar guiando o sistema na direção certa: a direção da inovação sustentada por integridade

Esse é o verdadeiro diferencial de qualquer mercado financeiro maduro e é exatamente isso que o Brasil está começando a entregar ao mundo. Sigamos!

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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