Novo demanda atualizações do licenciamento ambiental da USP Leste 

Foto: Thamires Aguiar

Por Aline Noronha e Fernanda Franco

Não é boato ou exagero. O solo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP é contaminado – fato comprovado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Mais de uma década depois do Ministério Público Estadual (MPE-SP) abrir um inquérito para investigar a contaminação no campus da USP Leste, a justiça determinou em ação pública, em novembro de 2025, que ainda são necessários novos estudos para avaliar o risco no local. A conclusão do processo, aberto em 2011, ainda não dispõe de informações suficientes para avaliar o risco do campus. 

O novo despacho afirma que o laudo utilizado até agora “baseou-se predominantemente em informações e pareceres técnicos da Cetesb datados de 2017, portanto defasados”. O órgão tem um prazo de até 60 dias para apresentar o licenciamento ambiental da unidade atualizado. 

Irregular e clandestino

O terreno doado pelo governo do estado para a construção da EACH, em 2005, faz parte do Parque Ecológico do Tietê, uma área de preservação demarcada sobre parte do curso d’água original do rio. Esse tipo de solo naturalmente concentra gás metano proveniente da decomposição de matéria orgânica. 

Entre 2010 e 2011, a contaminação do solo foi agravada pelo depósito de mais de 100 mil metros cúbicos de terra clandestina — sem origem certa — em diversas partes do campus, sobretudo na praça central. A medida foi autorizada pelo ex-diretor José Jorge Boueri Filho – processado pela Promotoria do estado de São Paulo em 2019 pelo incidente. 

“Esse solo provavelmente continha resíduos da construção civil e foi trazido para cá com muitos componentes tóxicos”, conta Marcos Bernardino, professor de Gestão Ambiental na USP Leste. Substâncias como cianeto, arsênio, benzo(a)asp e PCB (ascarel) – substância cancerígena proibida no Brasil – estavam presentes.

Uma vistoria da Cetesb em 2011 comprovou o potencial de explosões no campus por conta do metano e alertou para o risco de toxicidade. Em novembro de 2013, uma decisão judicial deu prazo de 30 dias para a USP suspender as atividades e resolver o problema. A comunidade uspiana reagiu com greves reivindicando melhores condições ambientais e sanitárias.

Entre janeiro e julho de 2014, a EACH foi interditada e os alunos foram deslocados para outros campi da USP e de instituições particulares. Nesse meio tempo, os valores de referência de toxicidade foram flexibilizados pela Cetesb: houve um aumento do limite legal para a presença de poluentes. Apesar disso, a tolerância humana à contaminação segue a mesma. 

O MPE liberou o retorno das atividades no espaço após um parecer técnico da Cetesb afirmar que a concentração de gás metano nos edifícios estava controlada. A EACH precisou instalar drenos e sistemas de ventilação para expulsar o gás do subsolo e evitar explosões – mecanismos que permanecem em funcionamento até hoje. Quanto ao solo contaminado, a solução foi retirar uma camada superficial e depositar sobre ela terra limpa para criar uma barreira de isolamento.

Riscos à saúde

A dúvida sobre os efeitos na saúde permanece na comunidade. Jéssica Martins, estudante de Gestão de Políticas Públicas, disse que foi aconselhada por veteranos a não pisar descalça na grama. “Também não temos nenhum informativo sobre o gás metano”, aponta. Rayck Moreira Santiago, calouro de Gestão Ambiental, conta que já na semana de recepção os veteranos alertaram sobre a situação. “Eles fazem até piadas. Dizem que se a gente ficar mais de dez horas no campus acaba virando quero-quero ou quati”, afirmou ele. 

Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, explica que os efeitos da contaminação variam conforme a substância e a dose de exposição e que doenças relacionadas podem demorar para se manifestar. “As pessoas teriam que realizar exames muito detalhados, não apenas os convencionais. Tem que saber se houve exposição e evidências para isso”, diz. O médico ressaltou que as doenças provocadas pelo acúmulo crônico por contaminação demoram mais para se manifestar. Isso também depende do elemento químico, no caso do metano em ambientes fechados ele causa sonolência e em contato direto com outros tipo arsênico, cobre, cádmio, lesões na pele.

A recém-graduada em moda pela EACH Rosângela Toni fez isso e processou a USP em 2014 alegando problemas de saúde associados ao solo contaminado. Ela relata episódios de falta de ar severa ao entrar no Centro de Vivência do campus e reações cutâneas graves. “Eu perdi minhas sobrancelhas e tenho marcas na pele de coceira, de alergia”, conta. O caso ainda segue em andamento.

Luta judicial

Desde 2013, Rosângela passou a se consultar em diversos hospitais por causa do agravamento de sua predisposição alérgica, após sua vivência na EACH. Inclusive, no ano seguinte, no documento de sua evolução clínica, a doutora Maria Lúcia Bueno relacionou diretamente o quadro dela a esse contato, destacando no laudo a presença do ascarel no campus.

Essa associação se manteve nos laudos até 2023 quando no texto foi substituído a “piora da dermatopatia com lesões vesiculares e prurido após ir estudar na USP leste” por “intoxicação acidental por exposição a outros gases e vapores (escolas, outras instituições e áreas de administração pública em investigação)”.

Rosângela reuniu esses arquivos médicos e outras provas da negligência da instituição, com arquivos referentes às infrações ambientais e a mobilização estudantil em torno disso, e processou a USP no ano seguinte. Na ação judicial, reivindicou duas coisas: tratamento médico no Hospital das Clínicas – que conseguiu depois mediante seu próprio esforço – e uma indenização de 100 mil reais.

Mesmo após mais de uma década com o processo sem solução, a modista e costureira contou que não vai desistir. “Vai levar 100 anos, mas um dia eu ganho. Não tem problema”, disse. O caso foi passado da Defensoria Pública para o Centro de Atendimento Jurídico Dom Orione, filial da Igreja Católica.

Porém, outras pessoas da comunidade interna promoveram ações judiciais contra a USP e tiveram sucesso. As professoras Elizabeth Franco e Adriana Tufail ganharam processos não pela doença em si, mas pela omissão de informações por parte da EACH sobre o risco a que foram expostas.

Situação atual 

Bernardino afirma que o problema de contaminação do campus ainda não foi solucionado. “O solo que causou a interdição do campus foi deslocado [durante a construção da praça central], mas permanece aqui, de certa maneira”. Segundo ele, a USP possui recursos suficientes para solucionar de forma definitiva os problemas ambientais, mas falta transparência e participação da comunidade universitária. 

Em nota, a Cetesb declarou que “é feito monitoramento regular da área” e, no último relatório do órgão, referente ao segundo trimestre de 2025, não reportou riscos para a comunidade. A Prefeitura do Campus da EACH é a responsável pelo monitoramento do solo no terreno, mas não respondeu ao JC até a data de fechamento desta reportagem.

*Editado por Beatriz Hadler

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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