O escudo protetor que cobre o reator nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, já não consegue cumprir plenamente sua função principal de conter a radiação após um ataque com drones ocorrido no início deste ano, segundo alerta do Organismo Internacional de Energia Atômica (OIEA), a agência de controle nuclear da ONU.
De acordo com os inspetores do OIEA, a gigantesca estrutura montada sobre o local do desastre nuclear de 1986 perdeu “suas funções de segurança primárias, incluindo a capacidade de isolamento”, o que torna os reparos considerados “essenciais” para evitar uma degradação ainda maior do abrigo que serve de proteção ao antigo reator.
Em fevereiro, a Ucrânia acusou a Rússia de atacar a usina nuclear com drones, acusação que foi negada pelo Kremlin. O ataque provocou um incêndio no revestimento externo da estrutura de aço que compõe o escudo protetor de Chernobyl.
Apesar do alerta técnico, o ambientalista Jim Smith, professor da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, que estuda há anos as consequências do desastre de Chernobyl, afirmou à BBC que “não é algo pelo qual devamos entrar em pânico”, indicando que o risco imediato de exposição à radiação continua sendo considerado baixo.
O OIEA informou que uma equipe técnica completou recentemente uma avaliação de segurança no local, depois de a estrutura ter sido seriamente danificada pelo ataque com drones e pelo fogo que atingiu o revestimento externo do escudo de aço.
Segundo o organismo, a inspeção mostrou que as estruturas de suporte do escudo protetor não sofreram danos permanentes e que os sistemas de monitoramento continuam operando. Parte do telhado também já passou por reparos iniciais, o que reduz o risco de infiltrações e novos danos imediatos à cobertura.
Mesmo assim, o núcleo do problema permanece: a perda de funções de segurança primárias, sobretudo da capacidade de isolamento em relação ao material radioativo, preocupa a agência nuclear da ONU e reforça a necessidade de uma intervenção mais ampla no escudo protetor de Chernobyl.
O diretor-geral do OIEA, Rafael Grossi, destacou que uma restauração “oportuna e abrangente” é indispensável para evitar uma degradação adicional da estrutura e garantir a segurança nuclear no longo prazo, tanto para o local quanto para o entorno da antiga usina.
De sarcófago de concreto ao escudo de aço: como Chernobyl foi contida
O sarcófago erguido após o desastre de 1986
A explosão em Chernobyl, em 1986, lançou material radioativo na atmosfera e provocou uma emergência de saúde pública em vários países da Europa. Como resposta, a então União Soviética construiu um enorme sarcófago de concreto sobre o reator danificado, com o objetivo de conter ao máximo a emissão de radiação e estabilizar o local.
Esse sarcófago foi projetado com uma vida útil de cerca de 30 anos. Com o passar do tempo, surgiram fissuras, desgaste e a necessidade de uma solução adicional que garantisse a contenção do material radioativo por um período maior, reduzindo o risco de colapsos estruturais e de novos vazamentos.
A nova cobertura para garantir 100 anos de proteção
Para reforçar a segurança nuclear de Chernobyl, foi erguido um novo escudo protetor de aço sobre o sarcófago de concreto. A estrutura foi concebida para cobrir o antigo abrigo, melhorar a contenção do pó radioativo e permitir que operações de desmonte interno fossem realizadas com maior segurança.
Na concepção original, esse escudo protetor deveria manter a contenção de radiação por cerca de 100 anos. O alerta do OIEA de que o escudo perdeu suas funções de segurança primárias após o ataque com drones acende um sinal amarelo sobre a durabilidade desse projeto e a necessidade de manutenção intensiva em um contexto de guerra.

Risco de radiação continua baixo, avalia especialista
Apesar do impacto simbólico e técnico de qualquer dano em Chernobyl, o professor Jim Smith afirma que o principal risco do local está relacionado ao pó radioativo que permanece dentro das estruturas que cobrem o reator destruído.
Segundo ele, esse risco é considerado baixo neste momento porque o pó contaminado segue contido no grosso sarcófago de concreto, que continua a funcionar como primeira barreira física contra a dispersão de material radioativo. O escudo protetor de aço, mesmo danificado, permanece como camada adicional de proteção.
Na prática, a defesa contra a radiação funciona em camadas sucessivas, com o sarcófago original, o escudo protetor e os sistemas de monitoramento trabalhando em conjunto. Até agora, não há indicação de que o ataque com drones tenha causado liberação significativa de radiação para o ambiente, segundo as informações disponíveis divulgadas pela agência nuclear.
O alerta do OIEA, portanto, está mais ligado à necessidade de evitar o avanço da degradação estrutural e de assegurar a segurança de longo prazo em Chernobyl do que a um risco imediato para a saúde pública na região.
Desde o início de dezembro, o OIEA vem avaliando de forma mais ampla a infraestrutura energética da Ucrânia, enquanto o país continua a se defender da ofensiva russa. A guerra transformou usinas, subestações e instalações estratégicas em alvos frequentes, elevando a preocupação global com a segurança nuclear.
A Rússia realizou ataques aéreos noturnos contra a cidade de Kremenchuk, um importante centro industrial no centro da Ucrânia, o que reforça o temor de que a infraestrutura energética, fundamental para o funcionamento de usinas nucleares e de sistemas de segurança, possa ficar comprometida.
Além da avaliação em Chernobyl, o OIEA tem inspecionado subestações elétricas ligadas diretamente à segurança nuclear. Essas instalações desempenham um papel crítico no fornecimento de energia para as usinas e para os equipamentos responsáveis por manter os reatores resfriados e os sistemas de proteção em funcionamento.
Por que a energia elétrica é vital para a segurança nuclear
Nas declarações de Rafael Grossi, as subestações elétricas avaliadas são “absolutamente indispensáveis” para as centrais nucleares. Elas garantem o fornecimento contínuo de eletricidade que todos os reatores precisam para operar seus sistemas de refrigeração e de segurança, mesmo quando o reator não está em plena operação.
Sem esse fornecimento estável de energia, aumenta o risco de falhas nos sistemas de controle e de aquecimento de componentes críticos. Além disso, as mesmas subestações são responsáveis por distribuir a eletricidade produzida pelas usinas nucleares para residências, hospitais, indústrias e demais setores da economia.
Em um cenário de ataques com drones e mísseis, qualquer dano significativo a essas subestações ou ao sistema de transmissão pode criar um efeito em cadeia, que vai desde problemas no abastecimento de energia até ameaças à segurança operacional das centrais nucleares ucranianas.
Chernobyl de novo no centro do debate sobre segurança nuclear
A advertência do OIEA de que o escudo protetor de Chernobyl perdeu suas funções de segurança primárias após um ataque com drones recoloca a usina, décadas depois do desastre de 1986, no centro do debate internacional sobre segurança nuclear em zonas de conflito.
De um lado, segundo o próprio organismo nuclear da ONU, a restauração da estrutura é urgente para evitar uma degradação maior e garantir a segurança no longo prazo. De outro, especialistas como Jim Smith reforçam que, com base nas informações disponíveis, o risco imediato de radiação segue considerado baixo graças ao sarcófago de concreto e à manutenção dos sistemas de monitoramento.
Nesse contexto, a situação de Chernobyl passa a simbolizar um problema mais amplo: como proteger instalações nucleares e a infraestrutura energética associada em um país sob ataques constantes, e de que forma a comunidade internacional pode atuar para evitar que a guerra aumente o risco de incidentes nucleares.
Diante desse cenário, você acha que instalações nucleares deveriam ter proteção especial e regras internacionais mais rígidas em tempos de guerra, justamente para impedir que ataques com drones e outros armamentos coloquem em risco a segurança de milhões de pessoas?
