No Brasil, o agronegócio ganhou merecida atenção no Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos — não para celebrar sua produção, mas para denunciar os danos silenciosos que marcam a outra face desse modelo. Diversos movimentos sociais, organizações de saúde e direitos humanos aproveitaram a data para lançar um alerta grave: o uso intensivo de agrotóxicos no campo brasileiro vem deixando um rastro direto de contaminação, intoxicações e impactos ambientais irreversíveis.

Reuters/Davi Pinheiro/Direitos reservados

Os números reforçam a gravidade da situação. Conforme os dados reunidos pela Comissão Pastoral da Terra, entre 2013 e 2022 o Sistema Único de Saúde contabilizou mais de 124 mil casos de intoxicação relacionados a agrotóxicos — muitas vezes associadas à exposição de trabalhadores rurais, comunidades próximas às lavouras e habitantes de áreas de pulverização. Em 2024, o problema atingiu níveis alarmantes: foram registradas 276 contaminações, o maior montante da última década e um salto de 762% em relação ao ano anterior.

Para quem convive com a terra, os dados não são apenas estatísticas. Eles traduzem sofrimento — casos de doenças crônicas, deficiências, intoxicações agudas, perda de colheitas, contaminação de águas, solos e ecossistemas inteiros. A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida argumenta que essas contaminações não são acidentais, mas consequência direta do avanço do agronegócio no país: “é aumento de câncer, mortalidade de abelhas, contaminação de diversos ecossistemas. O agrotóxico é a principal contradição do agronegócio.”

O uso indiscriminado e crescente de pesticidas no Brasil tem outra face preocupante: muitos dos produtos utilizados hoje são proibidos em outras partes do mundo por seus efeitos tóxicos sobre a saúde humana e o meio ambiente. Esse cenário é resultado também da flexibilização normativa nas regras de registro e uso dessas substâncias. Nos últimos anos, com alterações regulatórias e isenções fiscais para o setor, o país viu um aumento expressivo na aprovação de novos agrotóxicos, ampliando o rol de substâncias potencialmente perigosas à população e ao ambiente.

Outro agravante é a forma de aplicação: a pulverização aérea, por exemplo, favorece a chamada “deriva” — quando os venenos se dispersam pelo vento — e pode levar os agrotóxicos a até 32 quilômetros de distância da área tratada. Isso significa que comunidades inteiras, inclusive aquelas que não têm nada a ver com a lavoura, podem ser expostas aos produtos tóxicos.

agro-400x197 Contaminações por agrotóxicos batem recorde no Brasil em 2024
Reprodução

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As consequências, para além dos danos à saúde imediatos, se estendem ao meio ambiente. Ecossistemas inteiros sofrem: insetos polinizadores morrem, peixes e espécies aquáticas desaparecem, solos e águas ficam contaminados — comprometendo a biodiversidade e os serviços ambientais dos quais dependem populações tradicionais, indígenas, quilombolas e comunidades rurais.

Diante desse quadro, organizações como a Ministério Público do Trabalho (MPT) apontam o Brasil como o maior mercado consumidor mundial de agrotóxicos. E alertam que muitos produtos utilizados no país hoje são proibidos em outros países justamente por causarem câncer, alterações hormonais e danos ao sistema reprodutivo. A exposição descontrolada é vista como uma violação de direitos básicos — à saúde, ao trabalho digno e à vida.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também denunciou as barreiras para transformar esse cenário: a pressão política pelo agronegócio, as normas afrouxadas e o ambiente regulatório permissivo dificultam qualquer avanço real. Entre os instrumentos apontados com potencial de mudança está o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) — fruto de mobilização social de mais de uma década — mas, segundo a CUT, o programa avança muito lentamente, sofrendo com falta de orçamento e governança eficaz.

Ao mesmo tempo, cresce a mobilização de comunidades, organizações da agroecologia e ativistas pelos direitos humanos. Há quem busque indenizações às famílias afetadas, suporte às populações vulneráveis, proteção de defensores ambientais e iniciativas legislativas para restringir o uso de substâncias químicas. A ideia é tornar visíveis os custos humanos, sociais e ambientais desse modelo — e pressionar por um novo padrão de produção agrícola, baseado em agroecologia, soberania alimentar e respeito à vida.

O Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos, assim, foi menos uma data simbólica e mais um grito de alerta: o Brasil precisa refletir urgentemente sobre o preço real do agronegócio. A contaminação não é um acidente — é consequência de escolhas políticas, econômicas e regulatórias. E, se a sociedade não reagir, continuará a pagar caro: com doenças, degradação ambiental e injustiças para quem vive da terra.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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