Por TST — Em 2007, o MPT (Ministério Público do Trabalho) apresentou uma ação civil pública que viria a se tornar um marco no direito ambiental do trabalho no Brasil.

Contaminação 

A história começa na década de 1970, quando a Shell instalou uma fábrica de agrotóxicos no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia/SP, próximo ao Rio Atibaia. Em 2000, a unidade foi adquirida pela BASF e funcionou até 2002. 

Ainda na década de 1990, no processo de venda dos ativos da Shell para a holandesa Cyanamid, uma consultoria ambiental internacional constatou a contaminação do solo e de lençóis freáticos da unidade de Paulínia com produtos então lá fabricados, conhecidos como “drins” (Aldrin, Endrin e Dieldrin, entre outros), banidos de vários países por causar hepatotoxicidade e anomalias no sistema nervoso central. Ainda foram levantadas contaminações por cromo, vanádio, zinco e óleo mineral em quantidades significativas. 

Na ação, o MPT reuniu documentação técnico-ambiental extensa, relatos de trabalhadores e evidências epidemiológicas que demonstravam um padrão anormal de adoecimento. Paralelamente, a Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (Atesq) e o Sindicato dos Químicos Unificados Regional Campinas ajuizaram outra ação. 

Os dois processos foram reunidos, instruídos e julgados pela então juíza da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, hoje desembargadora aposentada. Em 8 de abril de 2013, as partes firmaram um acordo no Tribunal Superior do Trabalho (TST) que consolidou a reparação: atendimento médico integral e vitalício às vítimas habilitadas (incluídos terceirizados, autônomos e filhos nascidos durante ou após a exposição), pagamento imediato de 70% dos valores individuais devidos a 1.058 pessoas e indenização por dano moral coletivo de R$ 200 milhões, destinados a projetos de pesquisa, prevenção e tratamento de saúde.

Direito intergeracional

Pela primeira vez, a Justiça do Trabalho brasileira reconheceu um direito intergeracional, estendendo os benefícios aos filhos que poderiam ter sua genética modificada em razão da exposição de seus pais a produtos teratogênicos (que causam anomalias e alterações congênitas). A desembargadora aposentada Maria Inês lembra que essa inovação foi adotada já na decisão em que antecipou os efeitos da tutela. “Deferi a todos os trabalhadores e a seus filhos o direito à atenção integral à saúde enquanto viverem”, afirma. “Quem não nasceu pode ser ainda sujeito de direito da decisão.”

Outra grande inovação da sentença foi a imprescritibilidade dos direitos pleiteados, ou seja, o direito não tem prazo para ser exigido na Justiça e não pode ser extinto pelo tempo: é possível entrar com uma ação judicial para pedi-lo a qualquer momento, mesmo que tenham se passado décadas. “Não se pode cogitar a aplicação de prescrição quando o dano promovido é permanente, contínuo e acarreta degradação ambiental, cujos efeitos se prolongam no tempo”, ressalta a desembargadora. 

Princípios do direito ambiental

A sentença foi inovadora na Justiça do Trabalho em mais um aspecto: o fundamento em princípios do direito ambiental. O primeiro é o da precaução: toda atividade que representa ameaça de danos ao meio ambiente ou à saúde humana exige a adoção de medidas preventivas, ainda que algumas relações de causa e efeito não estejam cientificamente estabelecidas. O segundo princípio é o do poluidor-pagador: aquele que não prevenir o dano deve reparar os prejuízos causados por ele.

Maria Inês Targa destaca que os fundamentos adotados na época dialogam diretamente com os debates globais que se intensificaram na COP30. “Aprendi muito com esse caso e, anos depois, noto a importância das discussões decorrentes do processo e que estão alinhadas aos desafios globais que estamos vendo serem debatidos na COP-30”, observa. “Essa conexão entre justiça social, proteção ambiental e direitos humanos me emociona profundamente. Acredito piamente que a Justiça do Trabalho tem um papel fundamental na construção de um futuro em que os seres humanos e a natureza possam coexistir em equilíbrio e respeito.”

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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