Justiça do Reino Unido reconheceu responsabilidade de mineradora no desastre de 2015 e processo segue para fase de avaliação de danos
Atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central de Minas, participaram de um encontro com representantes do Executivo do município e do escritório advocatício internacional Pogust Goodhead, na cidade, nessa terça-feira (25). A reunião, que ocorreu 11 dias após a Justiça inglesa ter reconhecido que a BHP é responsável pelo colapso da estrutura, objetivou dar esclarecimentos sobre os próximos passos da ação contra a empresa. A BHP, que informou que irá recorrer da decisão, é acionista da Samarco, considerada responsável pelo desastre.
Entre as explicações dadas na ocasião, o sócio do Pogust Goodhead, Guy Robson, afirmou que, mesmo que a BHP recorra do parecer, a Justiça inglesa já pode seguir avaliando o processo, pois o recurso, na Inglaterra, não é automático como no Brasil – o sistema de recursos no Reino Unido exige que a BHP peça uma permissão para recorrer, e isso não paralisa ou adia o processo.
Segundo ele, essa permissão precisa ser solicitada pela BHP em até 21 dias a partir da decisão divulgada em 14 de novembro. A concessão do recurso, por sua vez, só ocorre se o Tribunal considerar que o recurso tem chance real de sucesso ou se houver algum motivo relevante de interesse público.
Por essas razões técnicas e jurídicas relacionadas a prazos e recursos, o processo já avançou após a decisão inglesa e seguiu para a etapa de avaliação dos danos causados pelo rompimento da barragem, com previsão de uma audiência de gerenciamento do caso para os dias 17 e 18 de dezembro. Já o julgamento da Fase 2 do processo deve acontecer somente em outubro de 2026.
Independentemente dos prazos, Guy Robson celebrou o que chamou de “robusta decisão”. Conforme o jurista, o parecer inglês detalhou, em 220 páginas, como a BHP controlava e operava a Samarco, sendo, portanto, responsável pelo desastre. “A corte na Inglaterra concluiu que a BHP e a Vale eram as mentes orientadoras da Samarco. Por muitos anos eles negaram, dizendo que eram apenas acionistas, mas a corte não aceitou esse argumento”, declarou Robson.
Prefeito que não aceitou acordo celebra decisão inglesa
Presente na reunião, o prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), um dos gestores municipais que fazem parte da ação inglesa contra a BHP, disse que a decisão internacional representa avanço. Mariana, uma das cidades afetadas pelo rompimento, não assinou o acordo de repactuação de R$ 170 bilhões homologado no Brasil em 2024.
“Temos a perspectiva de receber uma indenização justa, porque no Brasil não fomos ouvidos. O acordo oferecido a nós, não representa nem 1% do acordo total realizado, sendo que Mariana foi a cidade mais atingida. Tenho certeza de que a população vai reconhecer a decisão que tomamos”, afirmou.

Quem também celebrou a decisão internacional foi a integrante da Comissão dos Atingidos pela Barragem do Fundão e do grupo de moradores “Loucos por Bento”, Mônica dos Santos. “A decisão é uma lembrança poderosa de que a lama não levou só casas: levou memórias, fotografias, pratos na mesa, festas de família, risadas de crianças correndo pelas ruas de Bento Rodrigues e tantas outras comunidades”, disse.
“Não é só sobre dinheiro, nunca foi. É sobre respeito. É sobre saber que quem destruiu vidas inteiras precisa assumir suas responsabilidades. Não com discursos, mas com reparação verdadeira”, completou.
Decisão inglesa: BHP falhou em prevenir o desastre
Em 14 de novembro, o Tribunal Superior de Justiça de Londres reconheceu que a mineradora anglo-australiana BHP, uma das donas da Samarco, empresa que operava a barragem, falhou em prevenir o desastre. Assim, o juízo inglês determinou que a BHP responda pelos danos causados às pessoas e às comunidades atingidas em Minas Gerais e no Espírito Santo. A ação na justiça inglesa é movida por mais de 600 mil clientes, incluindo indivíduos, municípios, empresas, igrejas e comunidades tradicionais.

Em sua decisão, a juíza Finola O’Farrell considerou a BHP responsável como poluidora, tanto sob a legislação ambiental brasileira quanto com base em culpa prevista no Código Civil brasileiro. Para O’Farrell, o colapso da barragem foi causado pela negligência, imprudência e/ou imperícia da BHP. Além disso, o processo identificou provas “esmagadoras”, anteriores ao colapso, de que a barragem era instável e de que o risco de liquefação e ruptura era previsível e poderia ter sido evitado.
Conforme o Pogust Goodhead, com base nos depoimentos e provas analisadas, a corte reconheceu que a BHP tinha conhecimento de graves defeitos e de claros sinais de alerta desde, pelo menos, agosto de 2014, mas não adotou medidas corretivas adequadas. Em vez disso, continuou a elevar a barragem, o que resultou no colapso. A sentença confirmou ainda que todos os clientes do caso entraram na ação dentro do prazo e que 31 municípios brasileiros que fazem parte do processo têm legitimidade para prosseguir com suas ações na Inglaterra.
Municípios brasileiros se recusaram a assinar acordo brasileiro
A ação inglesa surgiu após alguns municípios brasileiros terem se recusado a assinar adesão ao acordo de repactuação de reparação pelo desastre. Esse contrato foi homologado em novembro de 2024 pelo governo federal, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, Ministério Público Federal (MPF), defensorias públicas dos estados, Defensoria Pública da União (DPU) e pela Justiça Federal, e precisava ser assinado até março de 2025, o que não foi feito por alguns municípios, como Mariana.
Na época do fim do prazo para assinatura, o prefeito de Mariana declarou à Agência Brasil que os valores determinados pelo acordo brasileiro eram insuficientes: seu município, por exemplo, iria receber cerca de R$ 1,2 bilhão parcelado em 20 anos. Já as indenizações no processo inglês podem chegar a R$ 230 bilhões aos municípios afetados.

BHP Brasil informou que recorrerá da decisão inglesa
Em nota divulgada em 14 de novembro, logo após a decisão inglesa, a BHP Brasil declarou que “continua confiante de que as medidas tomadas no Brasil são o caminho mais efetivo para uma reparação integral às pessoas atingidas”. Leia o texto:
“A BHP informa que pretende recorrer da decisão da corte britânica e reforça o compromisso da BHP Brasil com o processo de reparação no Brasil e com a implementação do Novo Acordo do Rio Doce. A BHP Brasil, junto à Vale e Samarco, continua empenhada na implementação do acordo firmado em outubro de 2024, o qual assegurou um total de 170 bilhões de reais para os processos de reparação e compensação em curso no Brasil. Desde 2015, aproximadamente 70 bilhões de reais foram pagos diretamente às pessoas da Bacia do Rio Doce e direcionados às entidades públicas no Brasil. Mais de 610 mil pessoas receberam indenização, incluindo aproximadamente 240 mil autores na ação do Reino Unido que outorgaram quitações integrais. A Corte inglesa confirmou a validade dos acordos celebrados, o que deverá reduzir significativamente o tamanho e valor da ação em curso. A BHP continua confiante de que as medidas tomadas no Brasil são o caminho mais efetivo para uma reparação integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente e seguirá com sua defesa no caso britânico”.
Barragem se rompeu e matou 19 pessoas
A barragem de Fundão se rompeu em novembro de 2015, matando 19 pessoas. O colapso resultou no despejo de mais de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro na bacia do Rio Doce, o que causou danos até a foz do rio, no Espírito Santo, além do Oceano Atlântico. A estrutura, de propriedade da mineradora Samarco, era controlada pela Vale e pela mineradora anglo-australiana BHP.
