A ideia de uma onda gigante a avançar pelo Atlântico e a atingir Portugal tem alimentado discussões científicas há várias décadas. O chamado “mega tsunami das Canárias” surge sempre que se fala de riscos naturais associados à instabilidade geológica do arquipélago espanhol. Mas o que está realmente em causa?
Uma hipótese estudada há mais de 20 anos
O cenário mais citado envolve a ilha de La Palma e o vulcão Cumbre Vieja. Em caso de erupção, parte da encosta poderia deslizar para o oceano, arrastando uma enorme massa rochosa. Esse colapso submarino geraria ondas de grande dimensão, capazes de atravessar o Atlântico e atingir várias costas, incluindo a portuguesa.
A discussão começou a ganhar forma no final dos anos 90, quando investigadores como Simon Day e Bill McGuire, da University College London, apresentaram modelos que apontavam para ondas com mais de 10 metros ao chegarem a Portugal, horas depois do deslizamento.
Mega tsunamis: um fenómeno distinto
Ao contrário dos tsunamis desencadeados por sismos submarinos, os mega tsunamis têm origem em movimentos súbitos de grandes volumes de rocha ou gelo.
O caso mais conhecido ocorreu no Alasca, em 1958, quando o colapso de uma encosta originou uma onda de 524 metros na baía de Lituya. A área era remota e o impacto humano foi reduzido, mas o episódio continua a ser uma referência no estudo deste tipo de fenómenos.
O que dizem os estudos mais recentes
A visão mais alarmista não é consensual. Investigadores como Ricardo Ramalho, que tem estudado de forma aprofundada a geologia das ilhas atlânticas, defendem que a instabilidade da encosta do Cumbre Vieja foi sobrevalorizada.
Segundo esses trabalhos, não há evidências de colapsos semelhantes nos últimos 200 mil anos. E mesmo que um deslizamento ocorresse, as ondas resultantes seriam muito menores do que as estimadas originalmente.
Que impacto teria em Portugal?
Alguns modelos extremos apontam para ondas entre 5 e 10 metros ao longo da costa portuguesa, sobretudo em zonas baixas e densamente povoadas.
Estudos desenvolvidos na Universidade Nova de Lisboa chegaram a projetar perdas humanas e económicas significativas num cenário desfavorável. Porém, tratam-se de estimativas baseadas em pressupostos que continuam a ser debatidos.
Apesar da divergência científica, existe consenso quanto à necessidade de manter sistemas de alerta, planos de evacuação e vigilância contínua do Atlântico e dos vulcões das Canárias. Uma preparação adequada pode fazer diferença mesmo quando a probabilidade de um evento é baixa.
Um risco reduzido, mas não ignorado
O cenário de um mega tsunami é considerado improvável. Mas a discussão mantém-se ativa porque fenómenos raros também merecem estudo, sobretudo num país com uma costa extensa e uma memória histórica marcada por grandes desastres naturais.
Conhecer os cenários, compreender os mecanismos e investir na prevenção continua a ser a forma mais sólida de lidar com riscos de baixa probabilidade, mas com impacto potencial elevado.
