Autarquias locais exigem que Governo trave projeto. Grândola avisa que há riscos de a água ser contaminada, a par de impactos negativos no turismo e agricultura. Empresa pública EDM apoia projeto e está a ser acusada por associação de “conflito de interesses”.
Grândola rejeita o projeto para a mina da Lagoa Salgada e exige que o Governo trave o processo. A mina fica a 10km da vila de Grândola (que conta com quase 14 mil habitantes) e a menos de 30km da praia mais próxima no litoral alentejano, em linha reta, e a 35 km da praia mais famosa da região: a Comporta.
“Há várias questões que nos preocupam com as ambientais à cabeça e a questão da água é muito importante: o projeto fica localizado na zona do aquífero onde os concelhos de Grândola e de Álcacer do Sal vão buscar água. A contaminação terá consequências catastróficas”, disse ao JE o autarca de Grândola Luís Vital Alexandre (PS).
A contaminação da água terá, obviamente, impacto negativo nas populações, mas também nas “alavancas económicas” do concelho: o turismo e a agricultura, sublinhou. Afinal, Grândola possui 45 quilómetros de costa, desde a Península de Tróia, passando pela Comporta, Carvalhal, Pego, Pinheirinho, até Melides. Mas também há turismo no interior, destaca o autarca.
O promotor canadiano Redcorp apresentou uma primeira versão do Estudo de Impacte Ambiental (EIA), mas decidiu retirá-lo e apresentar uma versão reformulada, considerando agora que responde a “todas as preocupações” levantadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
O autarca já pediu reuniões de urgência à ministra do Ambiente Maria da Graça Carvalho para pedir o travão do processo e quer o “envolvimento direto” do Governo e do Parlamento. “É preciso que percebam claramente que a população de Grândola está contra o projeto por questões ambientais e sociais. Há impactos sociais, nas populações locais, impactos nos serviços de saúde e nas escolas”.
O projeto ganhou o estatuto de Potencial Interesse Nacional (PIN) em 2022, com a atual autarquia a explicar que isto só aconteceu porque o anterior executivo camarário escolheu não se pronunciar sobre a matéria e não entregou um parecer à AICEP, a entidade que gere os PIN. Em resultado, o autarca já se reuniu com a AICEP a pedir a retirada do estatuto PIN.
Um único projeto vai consumir tanta água quanto a consumida por todo o concelho, aponta o autarca. “Os números apontam para essa magnitude de agua consumida e estamos perante ciclos com períodos prolongados de seca, com o nível das barragens a descer”.
Outra questão é o transporte do minério em direção aos portos. “Será por via rodoviária, com 36 camiões pesados por dia numa estrada municipal”.
Sobre a reformulação do projeto, o edil diz que a “dualidade é preocupante” por surgirem agora “soluções magníficas e altamente sustentáveis” que não foram consideradas na primeira fase.
Também o município de Alcácer do Sal disse ao JE que “discorda da implantação da Mina da Lagoa Salgada. Considera que as alterações introduzidas no projeto não mudam aquilo que foi a posição inicial do município à primeira versão do mesmo”, segundo a autarquia presidida por Clarisse Campos (PS) que prepara-se para contestar o projeto na consulta pública.
Empresa pública acusada de “conflito de interesses”
A associação Proteger Grândola (APG) deixa críticas ao envolvimento da estatal Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM) neste projeto, tendo inclusivamente uma participação de 15% nos direitos do consórcio mineiro, um contrato fechado em setembro de 2013.
“Criou-se esta empresa para tratar do passivo das minas abandonadas, que é uma coisa boa. Mas esta missão tem-se vindo a acumular o apoio da EDM a novos projetos mineiros. A prazo, vamos ter conflito de interesses nas diferentes missões da EDM”, disse ao JE Guy Villax presidente da associação.
O responsável critica mesmo o facto de a EDM ter escrito uma carta de conforto para incluir no Estudo de Impacte Ambiental (EIA) para “criar pressão na APA”.
“Existe na lei uma necessidade de neutralidade”, defende.
Numa carta aberta que a Proteger Grândola está a preparar para enviar à ministra do Ambiente, a que o JEteve acesso, a associação declara que a carta de conforto “suscita questões relevantes de independência, neutralidade das entidades detidas pelo Estado, adequação e interesse público”.
Recordando que é uma empresa detida a 100% pelo Estado português e tutelada pelo ministério do Ambiente, conta inclusivamente com 15% do projeto da Lagoa Salgada, o que “configura um evidente conflito de interesses: a entidade pública que deveria assegurar, no futuro, a recuperação ambiental de eventuais passivos associados ao projeto torna-se simultaneamente parte interessada no seu sucesso económico. Esta dupla posição compromete a necessária distância institucional e levanta dúvidas quanto à objetividade da intervenção da EDM”.
A associação considera “absolutamente inaceitável” que a EDMse “apresente a dar apoio integral a um promotor privado cujo projeto envolve riscos elevados para os sistemas aquíferos”.
O JE colocou várias questões à tutela da EDM, o ministério do Ambiente, que disse que não comenta projetos em “reavaliação no âmbito da Avaliação de Impacte Ambiental”. “Decorrem procedimento técnicos, conduzidos por entidades com competências próprias e autonomia técnica, garantindo independência e rigor na apreciação. Nesta fase, e estando o processo em consulta pública, quaisquer questões adicionais devem ser dirigidas às autoridades competentes”, segundo fonte oficial.
Promotor diz que deu resposta a “todas as preocupações”
A Redcorp é uma empresa mineira canadiana que reformulou o projeto depois do primeiro chumbo ambiental.
Contactada pelo JE, diz que algumas das alterações são a eliminação completa do “uso de cianeto”, a redução da área para rejeitados, assim como a “melhoria de técnicas de engenharia para garantir a proteção dos aquíferos subterrâneos e a qualidade das águas”.
João Barros aponta que o consumo de água vai ter lugar através de uma conduta de 15km para ligar o projeto à albufeira do Vale do Gaio.
“Respondemos a todas as preocupações que a APA manifestou”, disse João Barros da Redcorp ao JE.
A sua expetativa, se o projeto for aprovado, é que arranque em 2027, estimando um investimento de 260 milhões de euros numa vida útil de 14 anos (11 de exploração, mais 3 para desativação).
APG preocupada com consumo de água
A Proteger Grândola considera que o uso de água previsto pelo projeto não é claro no estudo ambiental.
“É extremamente difícil encontrar preto no branco qual é o consumo anual de água no processo”, disse Guy Villax. E alerta para os riscos de contaminação da reserva de água. “Se o aquífero for contaminado ou se não tiver água, é uma tragédia”, avisa.
Outra crítica apontada é que o “estudo não analisa o impacto da conduta” de 15 km entre Vale do Gaio e o projeto.
Sobre a possibilidade de o Alqueva alimentar a albufeira do Vale do Gaia em períodos de seca, aponta que “não se pode continuar a pensar que o Alqueva resolve os problemas de toda a gente. Quando faltar água, a prioridade vai ser o setor mineiro?”, questiona.
Guy Villax diz não perceber como “há uma lógica de encaixar um projeto mineiro num concelho que tem feridas brutais do passado com minas desativadas que são uma pouca vergonha nacional. São feridas na paisagem com profundas contaminações acídicas e ninguém é responsável. Está-se a preparar uma repetição perfeita”.
Pelas suas contas, o promotor prepara-se também para dar uma “esmola” em termos de pagamentos às autarquias locais.
Sobre as zonas de detritos, aponta que, apesar da reformulação, “ficam 60 campos de futebol com uma altura de 20 metros. Sete andares, vai se ver a uma grande distância”.
Na primeira versão do projeto, estava previsto o uso de cianeto de sódio. A empresa retirou a substância do novo EIA, mas a Proteger Grândola aponta que é “das mais venenosas que a ciência conhece. Um saquinho de açúcar para por no café é suficiente para matar 30 pessoas. Uma empresa que propõe usar cianeto de sódio num projeto mineiro em 2025… é de uma profunda irresponsabilidade”, conclui Guy Villax.
