Em pesquisa do Instituto Voz dos Oceanos, 100% das localidades avaliadas em toda a costa brasileira possuem animais contaminados com microplástico

Um estudo conduzido pelo Instituto Voz dos Oceanos, em parceria com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano e o Centro de Referência para Quantificação e Tipificação do Lixo do Mar (CeLMar – CNPq) da USP, identificou contaminação por microplásticos em bivalves (mexilhões, ostras e sururus) comercializados e consumidos em toda a costa brasileira.
Segundo as análises, o cenário é alarmante: 100% das localidades avaliadas apresentaram animais contaminados e 70% dos animais analisados continham resíduos de microplástico.
As amostras foram coletadas entre maio e julho de 2024, durante a primeira expedição científica da Voz dos Oceanos com tripulação exclusivamente feminina, que percorreu 14 estados costeiros. No Instituto Oceanográfico da USP, os materiais foram analisados com o equipamento de microscopia, infravermelho e raman AIRsight.
Os resultados revelam concentração significativa de partículas em algumas capitais. Recife (PE) e Fortaleza (CE) registraram até 5 partículas por grama de alimento, enquanto Santos (SP), Aracaju (SE) e Maceió (AL) apresentaram entre 3 e 4 partículas por grama. As menores contaminações, abaixo de 0,5 partícula por grama, ocorreram em Itajaí (SC), Paranaguá (PR), São Sebastião (SP), Angra dos Reis (RJ), Vitória (ES) e Natal (RN).
Marília Nagata, pesquisadora do Instituto Oceanográfico da USP, destaca que, quando falamos de dados de concentração de microplástico, a Europa ainda lidera em contaminação de microplásticos. No entanto, algumas cidades brasileiras se aproximam bastante dos números europeus, como Recife e Fortaleza, e outras já apresentam concentrações acima da média global, como Maceió, Santos e Aracaju.
“Esses dados reforçam a necessidade de mais pesquisas e estudos sobre o tema no Brasil, visto que algumas nas nossas cidades litorâneas já estão bem próximas dos níveis mundiais”, comenta Marília.
O estudo também identificou 14 polímeros diferentes, com predominância de EVA, polietileno, poliéster e PVC. Cerca de 85% dos microplásticos encontrados são fragmentos de plásticos maiores já degradados, indicando que a contaminação atual reflete descarte antigo e persistente no ambiente marinho.
Em diversas cidades, como João Pessoa, Recife, Caravelas, Vitória, São Sebastião e Paranaguá, fibras plásticas estiveram presentes em mais de 50% das amostras — resultado da lavagem de roupas sintéticas e da degradação de materiais de pesca.
“O estudo revela um problema crônico e abrangente. De todos os microplásticos encontrados na pesquisa, grande parte é representada por fragmentos gerados a partir de outros artigos plásticos maiores lançados nos rios e nos mares há muito tempo. Isso significa que, se não pararmos de jogar lixo nos mares agora, continuaremos aumentando essa quantidade e potencializando o risco de consumo desses resíduos pelos humanos”, avalia o professor Alexander Turra, da USP.
A presença dessas partículas no alimento consumido diariamente acende um alerta. “Pensando nos moluscos como alimento e tomando por base as maiores concentrações encontradas, se pensarmos, por exemplo, em um pastel com 100 gramas de recheio, estamos falando do consumo de 500 partículas de microplástico em uma única refeição”, complementa Turra.
Para Heloisa Schurmann, líder da Voz dos Oceanos, os dados expõem uma camada invisível da poluição: “A pesquisa revela outra camada dessa invasão plástica — uma camada ‘invisível’, presente nos nossos alimentos, ou seja, uma camada que está sendo ingerida pela população”.
Diante desse cenário, o CEO da Voz dos Oceanos, David Schurmann, reforça a necessidade de mobilização pública: “É imprescindível que nós, como sociedade, comecemos a nos envolver mais em campanhas como a ‘Pare o Tsunami de Plástico’, por exemplo. Precisamos nos conscientizar de que o problema não é só o outro e agir sobre nossas escolhas, a forma como consumimos, se os produtos que levamos para dentro de casa têm reciclabilidade, de que materiais são feitos e como descartamos os nossos resíduos. Ter um oceano limpo e sustentável também depende de nós”.
Os pesquisadores alertam ainda para a urgência de mecanismos de redução de fibras liberadas na lavagem de roupas, melhorias nos sistemas de drenagem e retenção de fragmentos de borracha em estradas e investimentos em barreiras que impeçam a chegada de macroplásticos ao mar.
