SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Esta é a edição da newsletter Todas desta quarta-feira (12). Quer recebê-la toda semana no seu email? Inscreva-se abaixo:
A insistência de um bloco de países conservadores com novos integrantes vem travando as negociações da COP30, em Belém, sobre gênero e mudanças climáticas.
Na terça-feira (18), os repórteres Geovana Oliveira e João Gabriel mostraram que Argentina, Paraguai, Irã e o Vaticano (representado pela Santa Sé) têm liderado uma atuação para restringir o termo ao sexo biológico. A intenção é excluir pessoas trans e não-binárias das ações que forem acordadas.
O imbróglio tem impedido o avanço de políticas reparatórias para mulheres vitimadas pela crise do clima. Além de serem afetadas desproporcionalmente pelas mudanças ambientais, segundo a própria ONU, mulheres e meninas também tem necessidades específicas em momentos de desastre natural, como a de receber artigos menstruais e assistência obstétrica.
Outras populações, como homens trans e pessoas não-binárias, também fazem uso deste tipo de serviço e seriam impactadas pela restrição do termo “gênero”.
A discussão não é nova. O gênero foi introduzido nas negociações climáticas em 2001 e, em 2014, o Programa de Trabalho de Lima sobre Gênero foi aprovado para criar políticas climáticas interseccionais. No ano passado, durante a COP29, no Azerbaijão, o programa foi estendido por mais uma década.
Neste ano, as mulheres buscam aprovar uma versão revisada do Plano de Ação de Gênero da Convenção do Clima, que traria medidas concretas para as ações interseccionais, como o detalhamento de financiamento.
A intenção de banir um grupo pequeno da população, as pessoas trans e não-binárias, pode, além de aprofundar a vulnerabilidade destes grupos, acabar impedindo que sejam aprovadas ações que afetam mais da metade da população mundial, as mulheres e meninas.
A aliança contra o gênero nas discussões multilaterais junta conservadores de todos os matizes, como o xiita Irã ao lado da sunita Arábia Saudita, de mãos dadas com membros cristãos como a Santa Sé, países africanos e ex-repúblicas soviéticas. Nos estudos feministas das relações internacionais, o bloco costuma ser apelidado de “aliança profana” e atua não apenas no campo do clima.
Os mesmos atores costumam capitanear ofensivas contra menções explícitas a direitos reprodutivos e se uniram em um Grupo de Amigos da Família, que tem como objetivo “reafirmar que a família é a unidade natural e fundamental da sociedade”. Na prática, atuam em prol de uma agenda anti-LGBTQIA+ e antifeminista, vistas como ameaças à família tradicional e nuclear.
A novidade dos anos mais recentes é a aproximação da Argentina dessa agenda, com a eleição do ultradireitista Javier Milei. Aliado de Donald Trump, que boicotou a COP30, o governo argentino usa a oposição ao gênero como forma também de tumultuar as negociações climáticas no geral, como apurou a Folha.
A exclusão da população trans e não-binária dos planos de ação ligados a gênero e clima pode aprofundar desigualdades. Atualmente, cada país é livre para interpretar como quiser a definição do termo presente nos documentos a ambiguidade da palavra é proposital.
Mas estudos recentes mostram que pessoas LGBTQIA+ também sofrem com efeitos desproporcionais da crise climática. Em 2024, uma pesquisa publicada no Journal of Climate Change and Health argumentou que a saúde dessa população pode ser mais afetada do que a média em momentos de desastre ambiental. Entre os fatores apresentados são a renda média mais baixa e até a dificuldade de ser aceito em abrigos para população de rua em caso de desabrigamento.
Entre países que devem ser duramente afetados pela insegurança alimentar motivada pela crise climática, como El Salvador, Honduras, Sudão do Sul e Somália, por exemplo, a homossexualidade é criminalizada. A restrição penal torna essa população mais vulnerável econômica e socialmente.
UMA MULHER PARA CONHECER
Ângela Diniz (1944-1976)
Minha xará voltou ao noticiário por causa da estreia da série “Ângela Diniz: Assassinada e Condenada”, da HBO Max que estreou na semana passada. A socialite conhecida como a Pantera de Minas teve uma vida considerada transgressora para os padrões da época. Separou-se (o divórcio só se tornaria legal no Brasil depois de sua morte) e viveu de forma independente no Rio de Janeiro até ser assassinada pelo namorado, Doca Street, aos 32 anos.
Sua morte virou um caso emblemático e atraiu protestos feministas contra a tese da “legítima defesa da honra”, usada para defender homens que matavam suas mulheres. O argumento só foi considerado inconstitucional pelo STF em 2023.
A história de Ângela foi resgatada em 2020 pelo podcast “Praia dos Ossos”, da Rádio Novelo, que inspira a série da HBO Max.
