Da redação de LexLegal

A Justiça da Inglaterra deu mais um passo decisivo no maior litígio ambiental envolvendo uma empresa estrangeira por danos cometidos no Brasil. Nesta sexta-feira (14), o Tribunal Superior de Justiça de Londres condenou a mineradora anglo-australiana BHP pela responsabilidade no rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), que em novembro de 2015 despejou 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos no Rio Doce, deixando 19 mortos e devastando comunidades inteiras.

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A decisão, proferida dez anos após o maior desastre socioambiental do país, abre caminho para uma das fases mais complexas do processo: a quantificação dos danos individuais e coletivos. As audiências dessa etapa estão marcadas para outubro de 2026 e devem se estender por pelo menos seis meses.

Paralelamente, o tribunal marcou para os dias 17 e 18 de dezembro as audiências de definição dos próximos passos e prazos processuais — etapa considerada fundamental para organizar o cronograma, já que o caso envolve dezenas de milhares de vítimas, municípios, empresas e comunidades tradicionais.

Referências para medir prejuízos

A advogada Caroline Narvaez, sócia do escritório Pogust Goodhead — que representa milhares de atingidos — explicou como será estruturada a fase de cálculo dos danos. Segundo ela, o tribunal deve adotar casos-modelo para servir de parâmetro na definição das indenizações.

Como exemplo, Narvaez cita o caso de um pescador que perdeu bens materiais e vínculos comunitários, e cujo processo poderá servir como métrica para vítimas em situações semelhantes. A ideia é permitir reparações mesmo para quem não consegue comprovar integralmente as perdas, dado o impacto estrutural do desastre.

“Em paralelo à espera pela decisão [de condenação ou absolvição], a gente está avançando com a segunda fase do julgamento, que será a quantificação dos danos. Condenada como foi, existe a necessidade de avaliar qual foi o impacto sofrido pelas vítimas, e a gente tem um número muito grande de vítimas que abrange diferentes tipos de perdas”, afirmou.

Segundo ela, a diversidade das perdas exige metodologia específica: “Há municípios, pessoas de comunidades tradicionais, de comunidades quilombolas, pessoas que perderam a casa, pessoas que perderam a família e perdas como a de acesso à água. Tudo isso será quantificado nesta segunda parte”.

Condenação e responsabilização

A decisão desta sexta-feira reconhece a responsabilidade direta da BHP, acionista e controladora da Samarco junto à Vale, por decisões operacionais que contribuíram para o colapso da barragem. Narvaez destacou que, segundo os autos, as empresas sabiam dos riscos associados ao limite estrutural da barragem, mas optaram por seguir elevando sua estrutura.

“A BHP tinha ciência, mas por querer maximizar seus lucros, continuou subindo e aconteceu o que aconteceu”, disse.

A condenação foi recebida como vitória jurídica importante, especialmente porque envolve jurisdição estrangeira responsabilizando uma multinacional por danos cometidos no Brasil — um precedente cada vez mais observado em litígios ambientais globais.

A dimensão da tragédia

O rompimento da Barragem de Fundão devastou comunidades mineiras, destruiu moradias, comprometeu plantações, afetou povos tradicionais e deixou rastro de contaminação do alto curso do Rio Doce até sua foz no Espírito Santo. Além das 19 mortes, o episódio provocou prejuízos ambientais duradouros.

A lama tóxica percorreu mais de 600 quilômetros, alcançando o oceano Atlântico. Embora a Samarco afirme que “tanto a água do rio como a condição de vida de animais como peixes e crustáceos tenham voltado ao normal”, estudos independentes e avaliações técnicas contestam a normalização plena dos ecossistemas.

Municípios capixabas e mineiros continuam movendo ações de reparação. A Fundação Renova, criada pelas empresas para gerir compensações, é alvo de críticas constantes por atraso em obras, inconsistências em pagamentos e insuficiência das medidas executadas ao longo dos últimos anos.

Próximas etapas

Com a condenação formalizada, o caso avança para seu momento mais delicado: transformar danos socioambientais e humanos — muitos irreparáveis — em valores econômicos. A escala é inédita na Justiça britânica.

Nesta fase, o tribunal deverá analisar:

  • perdas materiais individuais;
  • danos morais e existenciais;
  • impactos coletivos em municípios;
  • perdas imensuráveis, como laços comunitários;
  • danos ambientais permanentes e transitórios;
  • interrupção de meios de subsistência.

Somente após a conclusão dessa etapa o tribunal poderá estabelecer valores finais de indenização.

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Impacto jurídico internacional

A condenação reforça um movimento crescente de responsabilização global de grandes empresas por danos ambientais transfronteiriços. A tendência, que já aparece em litígios climáticos e ações coletivas ambientais na Europa e nos EUA, reforça a tese de que corporações multinacionais podem ser processadas nos países onde têm sede, mesmo quando o dano ocorreu em outra jurisdição.

Para advogados especializados, o caso BHP–Samarco pode se tornar um dos precedentes mais relevantes do direito ambiental internacional na próxima década.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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