1Sucedem-se as demissões de conselhos de administração de Unidades Locais de Saúde, a pedido dos próprios por pressão da ministra ou por decisão da ministra. O primeiro passo foi a decapitação da direção executiva do SNS. Fernando Araújo e a sua direção executiva foram destratados pela ministra e levados a apresentarem a demissão. Uma ministra que não entendeu que uma profunda reforma do SNS estava em curso, e que a pessoa que a liderava tinha todas as competências técnicas para a levar a bom porto. Não, a ministra precisava de alguém da sua inteira confiança política que pudesse, entre outras coisas, mudar as administrações hospitalares a seu belo prazer com o único argumento, se necessário, que eram necessárias “novas estratégias e abordagens de gestão”. Assim nomeou António Gandra d’Almeida que pouco tempo ficou no cargo, demitindo-se por se ver envolvido num alegado recebimento de duzentos mil euros em acumulação de funções incompatíveis, ser diretor do INEM do Norte e simultaneamente médico tarefeiro dos hospitais de Faro e Portimão. E assim vamos já no terceiro diretor executivo do SNS, sem que tenha abrandado a substituição das administrações das ULS. Entre pedidos de demissão, e demissão pela ministra contam-se, pelo menos: Lezíria, Alto Alentejo e Leiria, Gaia-Espinho, Tâmega e Sousa, Alentejo Central e mais recentemente Amadora-Sintra. Toda esta instabilidade na gestão hospitalar a acompanhar um processo de profunda reestruturação do SNS, com a extinção das administrações regionais de saúde e a reestruturação da administração central do sistema de saúde não pode augurar nada de bom.
2Os problemas do SNS vão, contudo, para além da ministra, o que significa, que uma eventual remodelação não os resolverá. Um deles resulta de os decisores políticos terem pouca humildade (ainda se recordam do plano de emergência de 60 dias) e sobretudo ainda não terem percebido que o panorama político em Portugal se alterou estruturalmente. Nas décadas passadas, a dominância e alternância de PS e PSD no poder instalou um regime em que apesar da indesejável partidarização das nomeações políticas, ela tinha alguma estabilidade dado os acordos tácitos dos partidos do centro. Agora e porventura no futuro, teremos maior fragmentação política parlamentar e a esta maior instabilidade política deveria associar-se uma maior estabilidade administrativa e no setor empresarial do Estado. Porém não é isso que acontece. A um governo minoritário que passará o orçamento de Estado, mas que poderá ser desvirtuado pela oposição, acresce a instabilidade organizacional nas unidades locais de saúde, em particular nos hospitais. Nada disto ajuda na resolução do segundo grande problema do SNS, que é um problema de gestão e de motivação dos profissionais de saúde. A evolução da despesa pública efetiva no programa orçamental da saúde do Estado aumentou trinta e seis por cento em apenas cinco anos, de 2019 a 2024. Esta trajetória financeira é pura e simplesmente insustentável a ser continuada. Os dois problemas estão associados. Para uma melhor estabilidade organizacional do SNS e melhor gestão necessitamos de uma seleção mais criteriosa do pessoal dirigente, com seleção competitiva por mérito independentemente da cor do cartão partidário e de maior estabilidade e autonomia das principais instituições do sistema (Direção Executiva do SNS, ACSS, ULS, etc.). Precisamos ainda de gestões hospitalares, com mandatos de quatro a cinco anos em que as possibilidades de demissão por parte do(a) ministro(a) sejam fortemente restringidas a casos de flagrante más práticas, ou de clara violação do desempenho previsto em contratos-programa, violação de leis (e.g. incompatibilidades) ou de normas de conduta relevantes, condutas criminais, etc. Não é preciso inventar nada, basta estudar as boas práticas internacionais. Uma coisa parece certa, manter a instabilidade política atual a par da instabilidade organizacional do SNS só pode mesmo constituir a melhor receita para o desastre, quer financeiro quer na qualidade de serviços de saúde prestados.
