Há cerca de 15 dias, Mônica dos Santos, atingida pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), foi reassentada no distrito de Bento Rodrigues, um dos territórios por onde a lama passou e levou embora diversas histórias. 10 anos se passaram desde que o crime ocorreu, em 5 de novembro de 2015, mas somente agora, ela, e diversas outras pessoas também impactadas pelo desastre, voltaram a habitar o local.
A demora, que trouxe inúmeros desafios, foi também coberta de expectativas, mas, ainda que a Samarco, empresa responsável pelo rompimento, divulgue, em reportagens pagas, que os novos distritos de Paracatu e Bento Rodrigues estejam 100% prontos, a realidade conta com uma narrativa diferente.
“É muito difícil falar em 100%, porque, no meu entendimento, 100% seria tudo. Significa estar morando em um lugar onde não tenha mais obra. E não é isso. Eu moro em uma casa que hoje está passando por reparos, com várias rachaduras. É portão que não funciona, vizinhança com problema com esgoto, trincas, e por aí vai”, relata Santos.
Ao lado de sua casa, o comércio que a tia, Sandra, tinha no território, ainda está sendo construído.
“Não vai finalizar este ano. Vai finalizar no ano que vem. Então, como a empresa pode dizer que o reajuste foi concluído 100%? Ainda tem morador que nem projeto de casa tem”, critica.
Acrescido a essa realidade, está um cotidiano de turbulência, com inúmeros funcionários trabalhando, fazendo reparos, gerando um transtorno para população que, antes do crime, não havia.
“Eu vou entender o reassentamento como entregue quando os nossos modos de vida retornarem, quando a produção econômica retornar, quando não tiver mais funcionário da Samarco e das empresas fazendo reparo nas edificações”, destaca Mônica dos Santos.
Cotidiano de desafios
Na imprensa, porém, as palavras da mineradora tentam compor outro cenário. Segundo a Samarco, os novos distritos de Paracatu e Novo Bento Rodrigues estão 100% prontos. A empresa acrescenta, ainda, que as obras de 389 imóveis estão prontas, entre eles moradias, comércios, sítios, lotes, bens privados (associações, igrejas etc.), incluindo 22 bens públicos, como escolas, postos de saúde, cemitérios, praças e sistemas de tratamento de água e esgoto.
Assessor Técnico da Cáritas, Assessoria Técnica Independente (ATI) que atua no território, Rodrigo Passos também enxerga uma realidade diferente da que vem sendo disseminada.
“Os reassentamentos ainda não foram concluídos. É importante ressaltar que o território atingido é bastante extenso e diverso. Quando a gente fala sobre reassentamentos, estamos falando dos dois reassentamentos coletivos, Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, mas também estamos falando de reassentamentos familiares, que são pessoas reassentadas em outros locais, em Mariana ou até outros municípios”, explica.
Com isso, segundo ele, existem problemas diversos evidenciados nas obras entregues que impedem o retorno dos atingidos aos seus modos de vida, a restituição produtiva e até mesmo a habitação.
“A realidade imposta por eles [da Samarco] é muito mais urbana do que rural. As comunidades atingidas eram rurais, tinham questões de produção e de atividades econômicas que não podem ser de forma alguma compatibilizadas pelo que é imposto nos reassentamentos, por motivos, por exemplo, de falta de acesso à água bruta, que era um serviço que eles tinham acesso em abundância e qualidade e que hoje não é de forma alguma abordada pelos reassentamentos, nem mesmo mitigada”, pontua.
Isso, segundo ele, inviabiliza a produção agrícola e a atividade pecuária nos assentamentos. Além disso, explica Passos, os reassentamentos têm uma topografia muito mais irregular e os terrenos uma área muito menor, em comparação com a anterior.
Mais de 100 pessoas morreram antes de ver as obras prontas
Em matéria paga, a Samarco divulgou também que o investimento total no processo de reassentamento supera R$ 7 bilhões. Mas, para Passos, os valores aparecem de forma genérica, sem especificações.
“Acaba incluindo gestão interna, gastos com comunicação, que é um investimento, tanto na Fundação Renova, quanto com Samarco”, lembra Rodrigo.
Enquanto isso, diversos desafios se apresentam de forma cíclica. Um dado do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), divulgado em meio aos 7 anos e meio do crime, é emblemático: mais de 110 pessoas morreram, de causas diversas, enquanto aguardavam pelos reassentamentos.
“Em Paracatu, tem ruas e equipamentos públicos nomeados em homenagem a pessoas que faleceram antes da entrega das obras. Esse é um dado muito forte”, recorda Passos.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Samarco respondeu, em nota, que concluiu 100% das obras, iniciadas antes da assinatura do Novo Acordo. Segundo a mineradora, atualmente permanecem em execução seis imóveis adicionais, definidos pelos moradores do Novo Bento Rodrigues após a homologação do acordo pelo STF em novembro de 2024. A previsão é que essas construções sejam concluídas até o final de 2026.
Também questionamos como a empresa responde às críticas dos moradores de que os reassentamentos ainda não estão totalmente concluídos e se há previsão para conclusão total das obras e reparos em andamento, mas não obtivemos resposta.
Perguntamos, ainda, como a empresa avalia os problemas relatados pelos reassentados, como rachaduras, falhas em sistemas de esgoto e dificuldades de produção econômica e quanto do investimento total de R$ 7 bilhões divulgado foi efetivamente destinado às obras físicas e quanto a outras áreas, como gestão e comunicação, mas a mineradora não detalhou.
