A Justiça de Minas Gerais absolveu, nesta terça-feira (4), os 11 réus do caso de contaminação de cervejas da marca Belorizontina e outras produzidas pela Cervejaria Três Lobos, conhecida como Backer. A decisão, do juiz Alexandre Magno de Resende Oliveira, considerou que não houve provas suficientes para a condenação criminal, apesar de reconhecer o dano causado às vítimas.

O caso resultou em 10 mortes e 16 pessoas com lesões graves após consumirem cervejas contaminadas com dietilenoglicol e monoetilenoglicol entre 2018 e janeiro de 2020.

Entre os absolvidos, estão os três sócios da cervejaria: Ana Paula Silva Lebbos, Hayan Franco Khalil Lebbos e Munir Franco Khalil Lebbos. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) os acusou de vender produto adulterado com dolo eventual e de não comunicar os consumidores sobre a nocividade após a interdição dos lotes.

Também foram absolvidos sete responsáveis técnicos: Sandro Luiz Pinto Duarte, Christian Freire Brandt, Adenilson Rezende de Freitas, Álvaro Soares Roberti, Gilberto Lucas de Oliveira, Ramon Ramos de Almeida Silva e Paulo Luiz Lopes. A acusação apontava que eles fabricaram produto adulterado e agiram com negligência na manutenção dos equipamentos.

Charles Guilherme da Silva foi absolvido da acusação de falso testemunho. Segundo a investigação, ele afirmou falsamente que trocava rótulos de dietilenoglicol por monoetilenoglicol quando trabalhava na Imperquímica, fornecedora de anticongelante da cervejaria.

A sentença absolveu todos os réus com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, que trata da insuficiência de provas. O juiz afirmou que o Direito Penal exige prova inequívoca da conduta individualizada para imposição de pena.

A decisão reconheceu que a materialidade do dano e o sofrimento das vítimas foram estabelecidos, mas destacou que o direito civil, e não o direito penal, deve responder pela reparação. A responsabilidade civil da empresa foi estabelecida em acordo celebrado em juízo cível.

O magistrado afirmou que a responsabilidade da empresa pelo dano causado aos consumidores permanece intacta. A sentença determinou o arquivamento dos autos com as devidas baixas após o trânsito em julgado.

“A família, desde o primeiro momento, se sensibilizou e lamentou profundamente a situação e as consequências para as vítimas, mas sempre esteve convicta da segurança da empresa e da ausência de qualquer conduta ilícita”, afirmou o advogado de defesa, Felipe Martins Pinto.

Contaminação

Perícias da Polícia Civil e do Ministério da Agricultura identificaram contaminação em 36 lotes de diversas marcas produzidas pela cervejaria entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020. Os laudos apontaram presença de monoetilenoglicol e dietilenoglicol, substâncias tóxicas não recomendadas para a indústria alimentícia.

A investigação revelou que Backer passou a adquirir monoetilenoglicol em setembro de 2017 para uso como anticongelante no processo de produção. O consumo anual da substância saltou de 3 mil quilos em 2015 para mais de 8 mil quilos em 2019.

Laudos técnicos identificaram múltiplos pontos de contaminação na fábrica, incluindo tanques de fermentação e a fase de produção conhecida como cozinha. O relatório do Ministério da Agricultura descartou a hipótese de que a contaminação ocorreu apenas no tanque JB-10, como inicialmente suspeitado.

As vítimas

O inquérito policial identificou 29 vítimas. Morreram após desenvolver síndrome nefroneural Paschoal Demartini Filho, Antonio Márcio Quintão de Freitas, Milton Pires, João Roberto Borges, Maria Augusta de Campos Cordeiro, José Alves da Silva, Ronaldo Vitor Santos, Alvimar Vieira de Freitas Filho, José Oswaldo de Faria e Marco Aurélio Gonçalves Cotta.

Outras 16 pessoas sobreviveram mas apresentaram lesões graves, incluindo cegueira e paralisia facial. Entre elas, Erico Eduardo Lucke, Luiz Felippe Teles Ribeiro, Luciano Guilherme Barros, Antônio Carlos Mendes de Oliveira e Alef Shigueru da Silva.

Laudos toxicológicos e de necropsia estabeleceram o nexo causal entre o consumo das cervejas contaminadas e os óbitos e lesões. A investigação vinculou as vítimas a lotes específicos da cerveja Belorizontina e da marca Capixaba produzidos entre outubro de 2019 e janeiro de 2020.

A acusação

O MPMG ofereceu denúncia em setembro de 2020, acusando os sócios de vender produto que sabiam poder estar adulterado, assumindo o risco da contaminação ao optar pela compra de anticongelante tóxico. A denúncia enquadrou a conduta como dolo eventual.

Os responsáveis técnicos foram acusados de fabricar produto adulterado e de negligência na manutenção. Segundo a acusação, eles não observaram o manual do fabricante dos tanques, que recomendava solução hidroalcoólica em vez de monoetilenoglicol.

A denúncia incluiu acusações de homicídio culposo e lesão corporal culposa, argumentando que os técnicos, como garantidores pela expertise que possuíam, deixaram de tomar os cuidados necessários. Perícias encontraram vazamentos e pontos de contaminação na fábrica.

Os sócios também foram acusados de violar o Código de Defesa do Consumidor por não comunicar adequadamente os consumidores após a interdição em janeiro de 2020. A empresa foi autuada em abril de 2020 por não ter tomado providências suficientes para o recall determinado.

O advogado Ciro Chagas, que representa as vítimas e atua como assistente de acusação, informou que pretende recorrer da decisão. Em nota, o advogado afirmou que recebeu com pesar a notícia da absolvição dos réus.

Chagas explicou que até o momento a sentença não foi oficialmente publicada e que teve acesso informal ao seu conteúdo. Em caráter preliminar, o advogado registrou que a decisão incorre em contradição interna ao reconhecer a materialidade dos danos e o nexo fático com o produto contaminado e, simultaneamente, concluir pela absolvição sob o fundamento de insuficiência de provas.

“Tal raciocínio desalinha o padrão de suficiência probatória exigido na tutela penal da saúde pública e reduz, indevidamente, a força do acervo pericial e testemunhal colhido em juízo”, afirmou Chagas.

O advogado informou que a decisão deve ser reformada em grau recursal. Por disciplina processual, ele aguardará a publicação oficial prevista para 7 de novembro e, após a manifestação do Ministério Público, apresentará o recurso cabível para que o Tribunal reexamine a prova e restabeleça a responsabilização penal correspondente.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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