Após semanas de protestos massivos em várias regiões do país, com epicentro na capital Lima, o governo interino de José Jerí decretou ontem, terça-feira (21/10), estado de emergência por 30 dias na capital e em Callao, província vizinha. A medida autoriza o uso das Forças Armadas ao lado da polícia para “garantir a ordem pública” e impõe restrições a direitos básicos, como liberdade de reunião e inviolabilidade de domicílio.

O estopim da revolta atual foi a queda da ex-presidente Dina Boluarte, destituída pelo Congresso em 10 de outubro sob a alegação de “incapacidade moral permanente”. O então presidente do Congresso, José Jerí, assumiu o governo com o discurso de “restabelecer a ordem”. Sua posse, no entanto, teve efeito contrário: foi imediatamente rechaçada por amplos setores populares, que enxergam nele apenas a continuidade do mesmo regime desmoralizado e antidemocrático.

Nos dias seguintes à posse de Jerí, protestos e paralisações se multiplicaram. Em Lima, em Arequipa, Cusco, Puno e outras regiões, sindicatos, coletivos de juventude, camponeses e operários iniciaram marchas e bloqueios de vias. Desde então, milhares tomam as ruas exigindo a renúncia imediata de Jerí, a dissolução do Congresso, fim da repressão e das políticas de austeridade, e a defesa de direitos ao povo.

Em Cajamarca, uma paralisação regional iniciada no dia 6 de outubro já denunciava a exploração e opressão sobre os camponeses. O estopim veio no dia 15 de outubro, quando uma marcha massiva em Lima foi violentamente reprimida pelas forças de segurança. Durante o confronto, o rapper e ativista Eduardo Ruíz, de 32 anos, foi assassinado com um tiro no abdômen, segundo testemunhas, disparado por um policial à paisana. O Ministério Público abriu investigação, mas não apresentou responsabilização. O número de feridos ultrapassou 120 pessoas, incluindo manifestantes, jornalistas e policiais.

O assassinato de Ruíz incendiou ainda mais os ânimos. Movimentos independentes e organizações populares passaram a ocupar praças, rodovias e prédios públicos. A palavra de ordem passou a ser “Fora Jerí”, acompanhada de cartazes exigindo o fim do Congresso e a convocação de uma nova Assembleia Constituinte. Diante do avanço do levante, o governo anunciou no dia 17 sua intenção de decretar estado de emergência, alegando “ameaça à ordem pública”.

A partir da meia-noite de 22 de outubro, o decreto entrou em vigor: militares passaram a patrulhar as ruas de Lima e Callao; direitos como liberdade de reunião, inviolabilidade de domicílio e o devido processo legal foram suspensos; cidadãos foram proibidos de circular em pares em motocicletas, sob pretexto de coibir assaltos. O presidente reacionário Jerí, em rede nacional, afirmou que o país iria “passar da defesa ao ataque contra o crime”, sentença que soou como ameaça direta contra os setores organizados da população e não contra os verdadeiros responsáveis pela violência reacionária.

O país vive uma crise econômica profunda, marcada por alta inflação, estagnação do emprego formal, aumento da informalidade e precarização generalizada. Os preços de produtos básicos, alimentos, gás, transporte, dispararam, enquanto os salários reais caíram. Para grande parte da população, especialmente nas regiões andinas e periféricas, a vida tornou-se insuportável. Segundo dados de 2025, mais de 32% da população vive na pobreza, com alta concentração nas zonas rurais e entre trabalhadores informais.

A ausência de direitos é sentida no cotidiano: sistemas de saúde colapsados, educação sucateada, transporte inseguro, moradia precária. Em áreas como Cajamarca, Piura e Huancavelica, comunidades enfrentam a exploração por monopólios de mineradoras e, ao mesmo tempo, denunciam o abandono, vivendo a mercê da delinquência.

Além disso, o cenário de crise econômica é acompanhado de uma crise política permanente: nos últimos sete anos, o Peru teve seis presidentes, todos envolvidos em escândalos de corrupção, alianças espúrias e desmoralização completa das instituições. O Congresso, dominado pelos interesses das classes dominantes, é um dos mais rejeitados da América Latina, com índices de impopularidade acima de 90%.

A explosão de manifestações multitudinárias no Perú é consequência do acúmulo de insatisfações do povo peruano ao regime de exploração e opressão. Uma vez em que a mobilização e rebelião das massas não encontre uma direção consequente rumo a transformações verdadeiras no país, parte dos protestos seguem sendo capitaneados por diferentes bandeiras, entre elas a do falso caminho de “nova Assembleia Constituinte”. Situação semelhante a da onda de protestos generalizados no Chile e Equador em 2019. O caso chileno sendo emblemático, pois teve seus rumos desviados sob a consigna oportunista de “nova constituinte”, iniciada no mesmo ano e fracassada em referendo de 2022.

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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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