O Córrego Sussuapara, em Bela Vista de Goiás, foi contaminado por esgoto e substâncias químicas, entre elas agrotóxicos e acrilamida, componente classificado como potencialmente cancerígeno. A poluição foi confirmada por dois relatórios técnicos elaborados em setembro pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e pelo projeto AquaCerrado, que identificaram falhas no tratamento de esgoto do município e resultaram em multa de R$ 2,755 milhões aplicada à Saneago.
Com coletas de amostras realizadas em intervalo inferior a dez dias, os documentos apontaram poluição química e biológica nas águas do córrego, às margens do qual nasceu Bela Vista de Goiás, a cerca de 50 quilômetros de Goiânia.
Substâncias tóxicas e contaminação fecal
Um dos relatórios, desenvolvido pelo projeto Rede de Pesquisa Águas do Cerrado (AquaCerrado), identificou a presença de acrilamida, substância considerada “provavelmente carcinogênica” pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc).
A má qualidade da água, provocada por bactérias, pesticidas e outros contaminantes, foi confirmada nos dois estudos, que analisaram amostras retiradas nas imediações da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Saneago.
O projeto AquaCerrado é conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade Federal de Jataí (UFJ), e foi acionado por ambientalistas que atuam na Bacia do Rio Paranaíba, da qual o Sussuapara é afluente do Rio Piracanjuba. Desde agosto, a Associação SOS Rio Piracanjuba e o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental (Idesa) investigam denúncias de mudanças na cor e no odor da água, especialmente nas proximidades da ETE.

Resultados das análises
As coletas ocorreram em 6 de setembro, em sete pontos distintos — urbanos, rurais e de preservação — e em duplicata, abrangendo áreas acima e abaixo da estação de tratamento. Os exames microbiológicos e químicos já foram concluídos; o de ecotoxicidade segue em andamento.
O relatório do AquaCerrado aponta coliformes totais em todas as amostras, indicando contaminação fecal generalizada. Em quatro pontos, foi detectada Escherichia coli, o que sugere poluição recente por esgoto doméstico. Os níveis mais altos ocorreram em trechos próximos à zona urbana e à ETE, evidenciando falhas no processo de depuração.
Também foi detectada a presença de agrotóxico 2,4-D acima do limite legal — substância associada a riscos neurológicos e renais. O laudo ainda destacou bactérias heterotróficas, indicativas de acúmulo de matéria orgânica e deficiências no tratamento.
“Mesmo pequenas quantidades de coliformes termotolerantes já são sinal de contaminação e representam risco à saúde”, destaca o relatório.
Espuma e índices fora do padrão
O relatório da Semad foi produzido após denúncia sobre formação de espuma no córrego. A fiscalização, realizada em 15 de setembro, incluiu quatro pontos de coleta — antes e depois do lançamento da ETE, além de amostras do esgoto bruto e do efluente tratado.
O documento confirmou a presença de espuma no ponto de lançamento e valores acima do permitido para E. coli e Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), indicador do nível de matéria orgânica na água.
Segundo a análise, a DBO foi quatro vezes superior ao limite legal, demonstrando sobrecarga de poluição.
Os técnicos ressaltam que o problema é agravado pela estiagem, quando o córrego tem menor capacidade de recuperação natural, e alertam para riscos à fauna aquática, à qualidade da água e à saúde da população.
Na conclusão, a Semad aponta “não conformidade nos lançamentos da ETE operada pela Saneago”, em desacordo com padrões ambientais. O laudo destaca que podem existir outras fontes de contaminação, mas cobra ação imediata da companhia e acompanhamento rigoroso da secretaria para evitar agravamento da situação.
O que diz a Saneago
Em nota enviada ao Jornal O Hoje, a Saneago afirmou que não utiliza acrilamida no processo de tratamento de esgoto em Bela Vista de Goiás. Segundo a empresa, o sistema local funciona por lagoas de estabilização, que utilizam processos biológicos naturais — como a ação de microrganismos, algas e luz solar — para decompor a matéria orgânica de forma “eficiente, econômica e sustentável”.
A companhia ressaltou que o parâmetro “acrilamida” não é exigido para análise da qualidade do efluente tratado nem do corpo receptor, na classe em que o Córrego Sussuapara se enquadra.
De acordo com a Saneago, os resultados a montante (antes) do lançamento foram superiores aos de jusante (depois), o que indicaria ausência de relação direta entre a ETE e a substância identificada, além de sugerir fontes de poluição difusa.
A empresa informou que a ETE opera “dentro dos parâmetros estabelecidos pelos órgãos ambientais”, com monitoramento contínuo da qualidade do efluente bruto e tratado. Também afirmou que realiza análises periódicas do córrego antes e depois do ponto de lançamento, e que os resultados “demonstram que o corpo hídrico possui capacidade de absorver o efluente tratado sem causar impacto significativo”.